Como eu escrevo

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Como escreve Christine Gryschek

2 de dezembro de 2019 by José Nunes

Christine Gryschek é escritora, artista visual e psicóloga social.

Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?

Eu organizo minhas memórias e a cabeça nas manhãs, começo o dia devagar. Faço um bom café, capricho nos alimentos matinais, espremo limões, acendo incensos, vou me lembrando dos sonhos, relembrando as narrativas e anotando os tópicos mais importantes da noite. Depois eu até escrevo pro externo (não necessariamente todos os dias, mas existe uma frequência semanal). E pode ser a dissertação (estou concluindo meu mestrado em psicologia social e institucional) ou literatura. Tenho me expressado bastante em 2019.

Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?

2019 me trouxe para as manhãs. Sempre fui muito notívaga, foram anos produzindo muito tarde da noite e na madrugada. Hoje estou em outro ritmo e processo. E não chamo de ritual exatamente, mas é preciso que eu avance etapas, que me sinta desperta, então com certeza o ato do café, de traduzir os recados dos sonhos, de defumar a casa, com certeza todos estes pequenos atos que faço independentemente de me sentar ou não para escrever, todos os atos na manhã são cruciais para que eu realmente amanheça.

Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?

Não escrevo todos os dias. Meu funcionamento é por projetos, então trabalho muito em pouco tempo. E acho que é assim desde criança. Sempre fui das vésperas e me organizo melhor assim. Aprendi a não me assustar com isso, e a curtir a adrenalina em vez de me gastar.

Trago um exemplo: recentemente terminei os poemas do meu segundo livro. Levei mais ou menos um mês, porque eu condicionei os turnos e um número de produção por turno. Mas era um livro que habitava minha cabeça há alguns anos, e eu vinha consumindo muita teoria e pensando bastante no assunto, então não foi “rápido”. Ao contrário: penso que ele veio maduro, porque passei muito tempo refletindo sobre os temas e sentidos presentes nas páginas.

Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?

É sempre de acordo com o projeto específico no qual estou concentrada.

Quando se trata de escrita acadêmica, por exemplo, eu fico uns 80% do tempo lendo lendo lendo, tomando notas e fazendo esquemas. Eu faço muito esquemas. Gosto dos mapas conceituais. Daí, montados os esquemas e mapas, eu retorno aos trechos de agrado e transcrevo, já deixo as citações todas nos arquivos e vou “traduzindo” os esquemas com as citações. O meu texto é uma grande colagem, meus ensaios são bastante generosos em citações e eu não vejo problema nisso. Pra mim é importante a marcação disso no texto, toda referência que faço é também uma tentativa de agradecimento.

Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?

Não tem como eu não citar o processo analítico. Para minha formação como escritora foi estrutural o fato de estar sendo analisada. Certamente teve o antes, e agora tem o durante. Anteriormente eu me sentia ancorada. Tinha medo. Sentia todas as travas, os surtos, uma ansiedade absurda, um enorme medo de me desapontar e desapontar as minhas e os meus. Eu escrevia por obrigação e só mantinha o diário de sonhos. Mas os poemas, os ensaios, os artigos, tudo era muito complicado. Com muito esforço escrevia um que outro trabalho ou poema. E eles eram criados com um espaçamento enorme.

Eu acredito que a literatura é um instrumento social, assim como a prática clínica. Temos problemas sérios de saúde pública no país, mas, idealmente, eu defendo uma possibilidade analítica para todas as pessoas. E existem clínicas e psicólogos sociais dispostos a realizar um trabalho bom e acessível. Foi o que me ocorreu, eu me dispus a fazer um tratamento que eu tanto defendia (e vou sempre defender). E cuidando da minha saúde mental mais de perto, me permiti uma escrita bem mais direta, mais espontânea, quase que cotidiana. A análise me ajuda a me manter concentrada em processos longos e curtos, me concentra em mim, me devolve os pontos que tenho que ir resolvendo. E aqui abro pra uma pontuação necessária do recorte de gênero: percebo muitas escritoras da minha geração que ainda estão caladas, que sofreram extremos processos de silenciamento, e acredito que uma boa terapia é capaz de promover a voz e o texto, a autoconfiança.

Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?

Reviso muito meus textos. Mesmo quando entrego no prazo limite, eu deixo algumas horas para a limpeza, para a decantação e uma possível adequação de escrita. Tenho o privilégio de me relacionar com pessoas maravilhosas que são revisoras. Confio na revisão e na opinião sincera delas. Isso tem me promovido um intenso amadurecimento linguístico. Então, a revisão externa faz parte do meu processo de modo muito grande.

Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?

Íntima. Preciso da internet para quase todos os processos criativos. Porque, antes de criar imagens textuais, eu crio imagens visuais, eu penso em imagens e narrativas. E pra isso preciso ter um repertório imagético, uma nuvenzinha de imagens, uma biblioteca mental e virtual. E eu tenho um processo de escrita bem cenográfico, cinematográfico, o que envolve também o acesso a músicas, então eu preciso estar conectada ao Youtube e procurar a melodia que mais faça sentido praquela escrita, preciso estar conectada ao Tumblr e ao Pinterest pra pensar imagens.  Assim, os primeiros rascunhos acontecem no computador, às vezes no próprio Tumblr.

Mas também sou analógica, crio imagens manuais (faço colagens e pinturas) e também escrevo muito com canetas em casa, e, quando não estou em casa, quando me vem um novo verso ou ideia, tenho alguns caderninhos pra essas ocasiões.

De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativa?

Acho que as principais ideias vêm convivendo com as pessoas, gosto das narrativas individuais, das histórias de vida.

Meu livro “recomece, agora sem cigarro”, por exemplo, veio de uma série de encontros clínicos e afetivos, e também de algumas memórias pessoais da infância, além de algumas leituras muito pontuais que enfatizaram o mote do poemário.

Em síntese: me relaciono muito, presto muita atenção nas pessoas, leio bastante, e como escrevi antes, vejo muitas imagens, ouço músicas muito distintas em estilo.

O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesma se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?

Estou mais segura, mais concentrada, mais sintética e comunicativa. Isso diz respeito a um amadurecimento linguístico, que, de novo, atribuo às trocas com as pessoas.

Eu diria: “vai nessa!”, porque acredito no processo, acho que foi um processo vagaroso, porém necessário e preciso, que me traz hoje pra cá, que me convence. Eu era uma poetinha que não superava os trocadilhos, mas ok, tudo tem um começo, e que bom que a gente veio da infância.

Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?

Quero muito escrever dois livros autoficcionais complementares, tratando da infância e da minha relação com a família e a religiosidade. Já tenho o projeto, o enredo, as teorias sociológicas e algum pouco da estrutura. Mas é algo pra daqui uns anos. Algo menos ingênuo e mais responsável.

Tenho certo que tudo o que gostaria de ler já existe, eu apenas não encontrei. Virá no momento em que eu estiver preparada. Pra mim literatura também é oráculo.

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Como escreve Laura Elizia Haubert

2 de dezembro de 2019 by José Nunes

Laura Elizia Haubert é escritora, mestre em Filosofia pela PUC-SP.

Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?

As manhãs são importantes para mim, adoro-as. Costumo levantar cedo, umas seis e meia ou sete horas, tomar um banho e preparar um café. Adoro essa parte do café da manhã, costumo comer algo enquanto leio no computador, em geral, notícias ou uma fuçada nas redes sociais. Então, preparo-me para sair. Durante a semana vou a universidade todos os dias, costumo chegar lá umas oito e meia e passo o resto da manhã estudando no espaço que meu orientador tem na universidade. Ai, a literatura fica complicada, minhas manhãs, em geral, são voltadas para o trabalho acadêmico. Leio, mas são livros de filosofia, estética, outras coisas.

Aos finais de semana, já é diferente. Aproveito para sair para tomar café da manhã em algum café agradável, caminhar um pouco, ler literatura. Tento não planejar tanto esses dias, já que tenho a semana, em geral, bem planejada.

Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?

Apesar de ser uma pessoa matinal, quando se trata de literatura, prefiro trabalhar durante as noites. Não sei porquê. Parece-me que as palavras saem mais fáceis de meus dedos durante a noite, é todo um clima, a cidade está super calma, a luz amarelada do abajur, cadernos ou computador em mãos. Não tenho nenhuma preparação ou rotina específica, quando sinto uma vontade imensa simplesmente sento e escrevo.

De fato, sou bastante crítica, então acabo voltando e reescrevendo. O que acontece é que penso muito no que vou escrever antes de começar. Diria que escrever é a parte final do meu trabalho, mentalmente reescrevo até por meses antes de colocar no papel uma cena.

Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?

Já tentei trabalhar com metas, mas confesso que não gostei da experiência. Posso escrever só para alcançar a meta, mas não quer dizer que aquilo será bom. Além disso, já trabalho com metas acadêmicas, escrita de artigos, comunicações em congressos, meta de leitura todo dia na universidade. Assim, quando venho para a literatura prefiro deixar fluir sem tanta cobrança. Já escrevi por períodos concentrados, em dois dias inteiros, mas também já fui escrevendo de pingando o livro, uma frase aqui, um parágrafo ali nas notas do celular.

Varia muito, sobretudo dependendo do que estou escrevendo. Se for um conto gosto de encerrar ele completamente no mesmo dia, escrever do começo ao fim de uma vez só. Já romances que são projetos mais longos vão sendo intercambiados com outras coisas, confesso que não sou disciplinada nesse sentido para escrever.

Depois da escrita, costumo sentir-me muito cansada. Parece que corri uma maratona, então é mais uma questão de fluir tranquila até chegar nesse ponto do qual não consigo mais, sou vencida. Além disso, também gosto de deixar um fio solto para encontrar no outro dia, deixar um resto de fôlego ali em gérmen.

Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?

Não costumo fazer notas sobre o que vou escrever.

Gosto de pesquisar livros semelhantes ao que estou interessada em escrever, pensar, ruminar aquilo. É um trabalho longo e cuidadoso, mas não me levo tão a sério. Não é inspiração e intuição pura, claro, existe também uma questão técnica inevitável por trás da arte da escrita. Busco ela constantemente em minhas leituras literárias.

Ler é parte essencial para que eu escreva, então acabo lendo muito mais do que escrevo. Já me cobrei no passado por isso, mas hoje acho que faz parte do meu processo. Não tento mais me encaixar no que imagino que deva ser o processo de escrita, deixo fluir, pesquiso, penso a respeito e quando me sinto pronta começo.

Costumo pensar e repensar bastante em uma cena específica da história que desejo escrever, rumino ela do começo ao fim. Parece que ela cresce dentro. Aí, quando acho que está pronto começo a escrevê-la. Mas, a questão é que no processo de escrever ela vai se transformando, os fios vão surgindo e a partir daí sou levada pelo momento da escrita.

Começar não é tão difícil para mim, o problema é continuar, manter-me interessada no projeto, achar que vale a pena, que alguém vai ler aquilo algum dia.

Quanto a pesquisa, bem, eu faço pesquisa acadêmica na área de filosofia. Trato com filósofos, argumentos, conceitos e clareza. É bastante diferente do meu processo de literatura e da leveza que a literatura tem para mim, em geral, quando contrastada à filosofia. Da filosofia, é claro, roubo informações e ideias. Só que não tenho o intuito de fazer um tratado e sim de transformar aquilo para mim mesma. No fim, são duas coisas diferentes que tem para mim uma convergência, atendem a duas necessidades pessoais: a curiosidade científica e a criação imaginativa.

Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?

Acho que a procrastinação e o medo de não corresponder às expectativas são as duas piores. Como disse acima, depois de escrever me sinto exausta, então, às vezes, procrastino como se com isso quisesse salvar aquela energia que está indo para o texto. Estou tentando evitar de fazer isso agora, mas é uma realidade que me acontece também.

Além disso, tem o medo. O medo é uma parte importante do processo e também conversa muito com a frustração. Não fica perfeito, não dá para ficar. Poderia passar uma vida reescrevendo o mesmo livro e mesmo assim, talvez, ele não ficasse perfeito. Então, estou trabalhando a ideia de que um livro bom é um livro escrito. Simples assim. Mas, é claro que um livro é sempre um perigo, uma frustração possível. Está satisfatório o texto? Alguém vai ler isso? O que vão dizer? Me parece muito bobo tudo que escrevo, é inevitável.

Acho que escrever é uma forma um tanto cruel de se expor ao mundo. Deve vir daí o medo que é tão comum entre escritores. Não sei.

De modo geral, tento não me cobrar tanto a respeito da escrita quanto fazia há alguns anos. Percebi que há fases, tem meses bastante produtivos, e tem meses seguidos em que não produzo nada. Está tudo bem assim, é meu ritmo, não estou tentando mais me adaptar a um ritmo externo.

Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?

Costumo pensar, então escrever. Daí, assim que termino o primeiro rascunho dou uma olhada e vou corrigindo principalmente a história. Depois disso, deixo o texto descansar alguns dias. Volto a ele e vejo como está de novo a história. Quando fico convencida de que está, ao menos, razoável, envio para meu namorado que já foi revisor de editoras. Ele assume o trabalho de corrigir a parte gramatical. Nem sempre dá pra fazer isso, infelizmente.

Costumava mostrar meu trabalho para algumas pessoas antes de publicá-los, já não faço isso. A maioria não é a da área de literatura, não sabe muito o que dizer, ou está muito ocupado. Então, acabei perdendo esse hábito.

Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?

Depende. Costumo andar sempre com papel e caneta, tenho vários cadernos onde costumo escrever, mas isso não é regra. As vezes prefiro escrever direto no computador, em um bloco de notas. Outras o computador só entra em um segundo momento onde vou digitar e revisar a história. Gosto dos dois métodos.

De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativa?

De todos os lugares, principalmente de minhas leituras e reflexões. Mas, também, de histórias que ouvi de amigos, de professores, de discussões em sala de aula, sou como uma ladra de tudo que possa ser interessante e que está por aí. Se me parece que há algo que possa ser trabalhado, anoto mentalmente para voltar nisso depois, desenvolver. Gosto de estar num espírito de absorção de várias coisas, como uma esponja mesmo. Para me manter criativa gosto de ler, ler e ler. Também vejo documentários, séries, procuro conversar com pessoas que tenham vivências diferentes das minhas, de outros países, de outras formas de sentir e ver o mundo.

O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesma se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?

Acho que diria a mim mesma que é necessário entender que não é porque gosto de ler um estilo determinado de literatura que posso produzi-lo. Comecei escrevendo literatura fantástica porque era o que lia na época de criança e adolescente, quando comecei a escrever minhas histórias e publicar. Mas, não sou tão forte nesse estilo, e tampouco me manteve interessada.

Acho que também é essencial aceitar as mudanças que vão acontecendo, a gente muda e também a forma da escrita e de encarar a literatura mudam. Faz parte, embora nem sempre seja fácil. Então, não se preocupe tanto com isso, as coisas vão fluir como tem de ser Laura do passado! Ah, e claro, não se esqueça de manter por perto pessoas boas que te influenciam positivamente.

Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?

Costumo ter várias ideias rolando ao mesmo tempo, escrevo contos e romances ao mesmo tempo. Tem dia de conto. Tem dia que só me interessa o romance. Tenho algumas ideias para um romance mais longo, mas ainda não consegui achar minha cena de entrada. Tenho alguns contos onde estou experimentando um pouco mais, uma nova voz. É complicado, sinto que tudo que é bom já foi feito, embora, claro, isso não seja verdade.

Gosto de ler tantos livros, há cada dia procuro mais leituras, descubro coisas que nem sabia que existiam seja ficção ou não ficção. Não sei qual livro gostaria de ler e ainda não existe, mas dos que já existem, tenho uma longa lista digital e física à minha espera.

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Como escreve Fabiano Calixto

2 de dezembro de 2019 by José Nunes

Fabiano Calixto é poeta, editor da Corsário-Satã, doutor em Teoria Literária e Literatura Comparada pela Universidade de São Paulo.

Legenda: Retrato digital (2019) feito por Pedro Mohallem

Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?

Faz um tempinho, voltei a tocar guitarra. Com isso, começo os dias, quase todos os dias, fazendo um som – desenferrujando os nós dos dedos. Estudos, riffs in bloom, primavera nos dentes, espaços sonoros habitáveis. Voltar a tocar guitarra tem me feito muito bem. Tenho feito uns barulhos com uns amigos. Um dia rola algo desses rolés.

Depois de algum barulho, parto para outros trabalhos. Preparar cursos possíveis e impossíveis, organizar as ideias, alimentar o diabo da garrafa, ler, escrever, revisar, preparar, ler, escrever, ler, brincar com os gatos, ler, traduzir, ler, ler. Sempre estou envolvido em algum trabalho. Não tem jeito. Nós, trabalhadores brasileiros, sem dinheiro no banco e sem parentes importantes, acordamos todos os dias tendo que pagar contas num bizarro país ao mesmo tempo rico e miserável. (Ainda que você tente levar uma vida simples, frugal, os boletos brotam de todos os lugares possíveis e imagináveis, o destino de um boleto jamais falha – há aqueles que acreditam convictamente que, mesmo após o respiro final do derradeiro humano sobre a face da Terra, os boletos continuarão sua saga, surgindo do nada, por geração espontânea). A rotina, então, se torna bifronte: a criação, movimento de saúde existencial, abertura mágica para conexões que alimentam e abrem caminhos, delícia filosófica, malícia patafísica; e o trabalho, como sustento da vida prosaica.

É incessante e essencial o enfrentamento da precarização e da cretinização da vida – a existência criativa contra a vida de merda que escolheram e querem que a gente viva (submissos e servis) nesse país estúpido lapidado por uma sociedade doente num mundo quase morto e destroçado, que ninguém mais parece dar a menor bola, que ninguém parece querer, à vera, recuperar, um mundo, enfim, turbocapitalista, obsceno e brutal, cujo cadáver habitamos. Contra a mortificação da vida: um sorriso, um gesto, uma mão a alguém que precise, uma canção dos Beatles, um assovio debaixo de chuva em pleno pôr do sol, um molotovnum banco (Viva Chile!), um passeio de mão dada com quem amamos, uma ação planetária de distribuição de renda através de certeiros golpes hackersno sistema financeiro, um samba do Cartola, aquela imensa beleza cuja textura nos compele com a cor de seus continentes restituindo-nos a mortee o semprecada vez que respira.

Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?

As condições de escrita são sempre muito precárias. Não é fácil achar um espaço de tempo ideal para escrever poesia. Então, vou mordendo o que posso. Inúmeras vezes escrevo poemas na cuca pelo meio da rua que logo são levados pelo mormaço asfáltico de um dia severo de verão ou por uma distração qualquer da vida ordinária. É parecido com escrever poemas na água.

Quer dizer, no meio do redemunho, na areia da praia de peste, é necessário abrir uma brecha, nem que seja no muque, rasgar uma fenda de tempo (peixeirada no bucho de Cronos), para poder escrever. É busca sem trégua por saúde. Aí, no meio dos escombros, pego as anotações e rascunhos, paro, (re)leio e (re)escrevo.

Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?

A todo instante estou anotando. Porém, a escrita do poema exige de mim outro tipo de concentração, totalmente oposta à das anotações corridas do dia a dia. Então, geralmente, escrevo poesia em períodos concentrados, uma ou duas vezes por mês, mais ou menos, paro tudo e tiro um tempo para escrever poesia, tento organizar as anotações. Justamente porque, como disse, as condições de escrita são péssimas.

Sempre há, também, períodos longos, meses e meses, onde não escrevo nada.

Quando estou terminando um livro, como é o caso agora, que finalizo Fliperama, aí o ritmo de escrita se torna mais intenso. Retomo os poemas com mais frequência, mudo, retoco, refaço, jogo fora etc. Como voltei a fazer som, também separo um tempinho para escrever canções e letras para melodias minhas ou de parceiros. Não tenho meta de escrita diária – graças aos deuses! Minha única meta diária é viver.

Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?

O processo, para mim, é o grande barato de tudo. É a parte que mais alegra, que mais sangra. Nessa parte do caminho, leio muito, ouço muitos discos, vejo filmes, saio com meus amigos, dou meus rolés pelas ruas das quebradas gerais deste mundo louco. Compartilho, dialogo. Escrevo, experimento. Tateando a vida, curtindo. Sobretudo leio e ouço muitos discos. A gente ouve, sei lá, uma canção do Caetano ou do Lennon ou lê um poema do João Cabral ou da Sophia de Mello Breyner Andresen e logo pensa: quero que isso aqui dure a eternidade toda (e, de alguma maneira, dura), que todos um dia tenham a chance de ouvir, de ler, de chapar com isso. É um alumbramento total. Estado de mágica. Saúde. A gente fica meio assombrado, querendo que a humanidade dure para sempre só por causa daquilo.

Enfim. Desse modo, vou trabalhando o texto durante algum tempo. Penso o que quero do poema (e do livro), como quero que a coisa toda funcione, que tipo de música, timbre, afinação, respiração e tal.

Anoto muito, como disse. Trabalho a partir dessas anotações, o processo se cimenta aí. Como disse o Décio: “um poema é difícil”. Também acho. Continuemos a busca.

Como você lida com as travas da escrita, com a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?

Estou há mais de 25 anos escrevendo poesia, vivendo essa cena. A ansiedade foi grande no início, na juventude, lugar onde ainda estamos querendo tudo de uma vez e tentando encontrar os nossos caminhos. Depois, as coisas vão se assentando. Eu escrevo pouco. Meu último livro, o Nominata morfina, é de 2014. O anterior, Sanguínea, de 2007. Meu novo livro sai ano que vem. São espaços longos. Quer dizer, não tenho travas, tenho períodos longos de decantação (nos dois sentidos dessa palavra linda, que canta na garganta) e silêncio. E acho ótimo. Faz um puta bem, permite tempo para a leitura dos grandes mestres, o que, afinal, é muito mais importante do que escrever.

Também não exijo nada de mim além do que posso dar. Não estou preocupado em agradar este ou aquele– o crítico ou a academia, o público ou mesmo a página em branco. Minha atenção está voltada ao meu trabalho, aos meus projetos de escrita.

A vida é meu único projeto longo, a minha poesia, hardcore from the heart, acompanha o caminho. Resistência underground. Sigo com os meus.

Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?

Reviso meus textos o tempo todo. Muitas vezes mesmo depois de publicados – reescrevi muitos poemas antigos para antologias recentes. Mexo, remexo, reremexo, mil vezes – é um remelexo sem fim no poema. A utopia de fazer habitar, no verso, uma pulsação sanguínea de vida, uma melodia linda, o português mestiço, tropical e sensual das ruas, do povo – aquele que “Vinha da boca do povo na língua errada do povo / Língua certa do povo / Porque ele é que fala gostoso o português do Brasil” (Viva Manuel Bandeira!). Porque, sabemos, “o povo é o inventalínguas na malícia da maestria no matreiro da maravilha no visgo do improviso” (Viva Haroldo de Campos!). Então, sim, reviso insistentemente meus textos. Gosto desse jogo.

Sobre mostrar meus trabalhos antes de publicá-los: sim, sempre. Gosto do diálogo, da troca e do atrito – “Gosto de atrito, é a base do sexo”, disse Caetano faz um tempinho em algum lugar. Mostro primeiro e sempre, para a Natália Agra, minha companheira de aventura intelectual e existencial. Confio muito em sua leitura. (A Natália é uma poeta maravilhosa, aliás, e muito criativa, que vem fazendo seus trabalhos quietinha, na dela; potência pura, ela e a poesia dela). Depois, mostro para alguns amigos com quem converso sobre poesia, outros poetas bons de bola. Acho esse diálogo essencial demais e enriquece muito o trabalho, pois nos torna menos donos de certezas ilusórias.

Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?

Bem, sou da época da máquina de escrever – guardei comigo aquela timbragem de tempo. Agora, o computador (o editor de texto, mais especificamente) é uma mão na roda para quem escreve, não há a menor dúvida. Facilita muito a nossa vida. Agiliza rolés.

Escrevo bastante à mão ainda. Não tanto quanto antes, é verdade. Depois que o poema cria um corpo no papel, parto para o computador para tentar dar alguma alma, soprar uma brisinha em suas narinas, realizar os acabamentos finais.

De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativo?

Minhas ideias vêm do contato com as coisas da vida – “meu delírio é a experiência com coisas reais” (Saravá, Belchior!). Tenho cá minhas exigências, “minha sede não é qualquer copo d’água que mata” (Salve, Waly Salomão!) e tal. Vou vivendo o poema junto com a vida “que é mãe inesgotável de processos, formas e estruturas” (Evoé, Leminski!). Eu realmente gosto disso.

Então, o mote pode ser absolutamente qualquer coisa (um verso muito antigo, uma fala de história em quadrinho, uma cena de um filme, um verso muito recente, o trecho de uma bula de remédio, uma pétala de tulipa roxa, undiú, o troco de conversa no ônibus, a chuva etc.).

O conjunto de hábitos pra me manter criativo é o de sempre: olho vivo e faro fino. Leituras. Foi assim que aprendi com os mestres – que nos ensinaram o caminho das fontes de água límpida. Quer dizer, estar sempre na companhia dos grandes poetas que é onde está todo o manancial, que é onde mora a biblioteca do futuro.

Interesso-me deveras pelo espírito barroco, anárquico, macumbeiro, pela colorido de fruta aberta com as mãos e pela resistência viva, sanguínea, da América Latina. Seus simbolismos luminosos, siderados. A defesa incessante da alegria, a busca louca pela felicidade. Carne de caju existencial, licor de jenipapo. Luiz Gama, Cruz e Sousa, Lima Barreto. Ninguém vai melhorar o gosto da água. A preguiça é resistência também, caso queira, não se acanhe. Uma folha de erva não é menos que a jornada das estrelas. Ana Martins Marques, Natália Agra, Rodrigo Lobo Damasceno. Eu não tenho nada a ver com a literatura brasileira contemporânea – no geral, pra onde ela vai, sigo o caminho contrário. Meu barato é outro. O que me interessa é a vibração potente do caos, o alumbramento dos processos cognitivos com seus relâmpagos infinitos e tempestades de novos começos, novos baratos e descobertas. Undiús. Transas. Roteiros. Poéticas. Aliás, viva a poesia nitroglicerínica brasileira contemporânea! (Que tem muita poesia da prateleira de cima sendo feita aqui e agora). Viva a Resistência Underground! Arroz, feijão, ganja, anarquia, saúde e amor. Lenora de Barros, Josely Vianna Baptista, Jocy de Oliveira. Um saxofonista do absurdo, ainda quem em périplos por tristes trópicos, não se inscreve em nenhuma teoria que não seja radicalmente prática, blowin’ in the wind, na alma dos criminosos, dos amantes desesperados, dos que desejam tudo ao mesmo tempo, criando dissonâncias fascinantes, ternas e alucinadas – lu-mi-no-si-da-de –. Sobretudo, um saxofonista do absurdo não embarca em papo de aranha. Evoé, Baco! Saravá, Ogum! A poesia é foda!

O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesmo se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?

Mudou tudo. Absolutamente tudo. As coisas mudam o tempo todo, não é diferente com a escrita e seus processos. O modo de compor dos anos 90 não é, nem de longe, o mesmo de hoje. Os anseios e expectativas são outros. O corpo é outro. O ânimo é outro. O campo é outro. O mundo é outro. No começo, a insegurança é brutal, as ilusões são muitas e as decepções, inúmeras. Depois, a gente cria casca grossa, aprende como é que funcionam as engrenagens. Entrei e vasculhei esse sistema, esse cirquinho espurco. Claro que, notando como fedia, me mandei e fui criando meus circuitos de criação, curtição, reflexão e diálogo. Outros rolés.

Tem muita gente que não presta pra nada mas é capaz de tudo no meio artístico atual. São figuras como aquelas que o Lima Barreto abominava pois eram “inimigos que dizem que o que nós fazemos não presta, porque estamos andando com roupa sovada e colarinho sujo”. E eu também abomino essa gente.

Então, hoje, apenas faço meu trabalho da melhor maneira possível. Afino os instrumentos, mantenho a dignidade. Não me interessa o sucesso que encanta esse interminável rebanho tosco de artinstas loucos por fama, seguidores do dinheiro. É a era dos oportunistas, dos histriões, do pavonismo dos sorbonícolas afetados, do espírito-miojo das altas performances de rede social. Eu sinceramente prefiro outras coisas. Tenho a atenção e curiosidade voltadas para outros lances.

Minha atenção vai, por exemplo, ao trabalho de artistas como Don L, o rapper cearense que mete essa em um de seus sons: “Aquela fé”: “Tem dias que eu acho tudo inútil / Nossa melhor versão é puro ego / Fútil / Uma luta contra o mundo / Pra fazer parte do mundo que ‘cê luta contra”. Didático.

Agora, se eu pudesse voltar aos meus primeiros textos, certamente diria: calma, jovem!

Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?

Tenho muitos projetos engatilhados. As ideias fervilham, mas o processo, sabemos, é lento. Mas, das coisas mais encaminhadas, gostaria de fazer os arranjos das canções do Gabiru Attack, minha banda de rock experimental, e gravar um EP. Quero começar a escrever uma história do heavy metal (com o recorte 1970-1997) – uma pesquisa antiga e em andamento lento que venho fazendo por puro prazer. Um livro sobre contrapoéticas/contraculturas no século XX – desdobramento de minhas pesquisas de mestrado e doutorado. Um livro de receitas culinárias.

Vou aproveitar o espaço para falar de alguns projetos que eu já comecei, que estão em andamento. Ano que vem, além de meu novo livro de poemas, o Fliperama, pretendo publicar um volume de tradução de diversos poemas que fui fazendo durante a vida. O livro se chamaMetal Pesadoe tem poemas de Allen Ginsberg, Lawrence Ferlinghetti, Laurie Anderson, Amiri Baraka, Tracy Chapman, Jim Morrison, Patti Smith, Bob Dylan, Adrienne Rich, John Lennon, Phil Lynott, Charles Bukowski, Benjamín Prado, Roberto Bolãno, Gonzalo Rojas, Heriberto Yépez, entre outros.

Além disso, planejo uma coleção de livros de ensaios numa parceria entre a Corsário-Satã, editora que dirijo com Natália Agra, e a treme~terra, editora capitaneada por Camila Hion e Rodrigo Lobo Damasceno. Em breve teremos maiores novidades.

O livro que gostaria de ler e que não existe? Qualquer coisa do Bolaño (a quem devemos um fígado) criada hoje, em 2019. Qualquer coisa: um poema, um conto, uma resposta a uma entrevista, uma linha perdida num guardanapo, um rabisco, uma gargalhada.

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Como escreve Maria Luiza Montenegro

2 de dezembro de 2019 by José Nunes

Maria Luiza Montenegro é escritora, estudante de engenharia elétrica na Universidade Estadual do Rio de Janeiro.

Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?

O despertador toca uma, duas, três vezes. Não levanto. Na quarta vez vejo que estou atrasada e saio correndo para me arrumar por que sei que, infelizmente, estou atrasada para algo (maioria das vezes é a aula de calculo). Costumo estudar na parte da manhã, ao chegar na faculdade ou em casa mesmo. Não tenho uma rotina fixa, depende muito do que ira acontecer no dia. Me alimento nos horários normais como qualquer outro ser humano e sempre que dá independente do lugar encosto e tiro um cochilo.

Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?

Eu acho que devido a época de escola, e juntando com a faculdade, eu acabei criando uma tendência a funcionar mais na parte da manhã,  seja escrevendo ou estudando. Se bem que, posso ficar inspirada a qualquer momento e escrever, até em sonhos. Sim, eu sonho com a poesia já pronta, acordo e as escrevo – Da última vez que aconteceu isso em meu sonho, nem fui eu que escrevi, mas sim uma pessoa muito importante pra mim, por isso que quando eu passo para o papel  costumo dar essas poesias para essa pessoa.

Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?

Não costumo ter metas para escrever. Não consigo levar isso como uma obrigação, na qual todo dia eu tenho que fazer um texto, poemas e entre outros. Como já dito sou estudante de engenharia, nunca achei que ia conseguir conciliar os dois. Da mesma forma que gosto de números, vejo graça nas palavras e como elas se organizam em uma folha de papel dizendo várias coisas.

Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?

Posto que minha especialização não é na área de letras e não faço nada perto disso, eu procuro pesquisar em várias fontes sobre como escrever desde da parte gramatical até a parte sintática, admito que muitas vezes eu falho, porém sempre corrijo.

Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?

Lidar com a ansiedade de não corresponder às expectativas de outros sempre foi uma das maiores travas pra mim tanto na escrita como no dia a dia em si. Durante um tempo deixei de mostrar poemas, histórias que eu criava com uma amiga, devido a aceitação que eu receberia dos meus próximos  ou de ate desconhecidos, por que segundo minha psique eu nunca era boa o bastante para ninguém, porém com o tempo fui percebendo que me renegar era um dos maiores erros.

Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?

Sempre mando para alguns amigos de letras, ou ex-professores de literatura para me ajudarem na parte gramatical e ortográfica.

Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?

Todos os textos que escrevo são direto no celular, salve aquelas ideais que surgem do nada e não tenho telefone por perto ou um computador, então as escrevo no papel, mas como sou muito desorganizada, perco grande parte das folhas.

De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativa?

Quando sobrava um tempinho, gostava de dedicar ele as artes como: desenhar, tocar violão ou simplesmente sentar em um lugar com muito verde para poder refletir um pouco  e colocar a mente no modo criativo.

O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesma se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?

Ao analisar o meu  processo de escrita não mudou muito, pois isso é ainda um lado novo pra mim. Tenho alguns erros grotescos que acho que ao longo dos anos ira melhorar, e ainda tenho muito o que evoluir. Se eu pudesse voltar ao passado diria a para eu parar de me esconder nas sombras e não ligar para opiniões alheias por que não são elas que “pagam minhas contas”.

Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?

Gostaria de começar um projeto que representasse todas as realidades do país, que abrangesse todas as Marias, José, Severinas e outros. Um livro que ao abrir eu me sentiria acolhida no mesmo patamar que todos no Brasil. Respeitando a história de cada indivíduo.

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Como escreve Raul Almeida

2 de dezembro de 2019 by José Nunes

Raul Almeida é escritor, autor de “Não sei dizer nem ao menos o nome” (Patuá, 2019).

Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?

Gosto de tirar a manhã livre, quando consigo e me é permitido. Sou bastante lento para começar e iniciar o que realmente devo fazer.  Pela manhã levanto meio tarde, vindo que também durmo tarde. Tomo aquele cafézinho e sempre coloco algum álbum para tocar; digo que sou movido por essas duas coisas. Depois, minha rotina acaba se desenvolvendo com a escrita, mas a escrita acadêmica como universitário e pesquisador e aos trabalhos como professor em um cursinho popular.

Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?

Gosto bastante do início da manhã e também da madrugada. São dois lados opostos. E sinto que é realmente assim, o início do dia pode motivar, assim como o final. Creio que isso serve para tantas outras coisas da vida. Penso também que muito se deve a práticas de introspecção e isso muitas vezes gerar coisas.

Mas acredito que exista uma idealização do processo de escrita, né? Até pela palavra “ritual”, parece que a escrita literária é algo que está fora do que é habitual, do que é do cotidiano e extrapolando até mesmo do plano real, há um certo misticismo em volta deste ato. Escrevo no caos muitas vezes, em noites mal dormidas por todos os marcadores sociais que nos perseguem. Escrevo no meio do ônibus, na sala de aula, nos cadernos, no celular, no bloco de notas. Assim como estamos lendo o tempo todo também e não nos damos conta.

Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?

Quando se trata da escrita literária acabo não lidando com metas. Respeito o meu tempo e o tempo do texto também. Enxergo mais como um exercício então sempre tiro um tempo para escrever algo quando surge uma ideia ou mesmo trabalhar em textos já escritos.

Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?

Acho que não existe um “processo” com este termo propriamente. Existe certos prazos e você tem que se mover para aquilo se realizar, assim como às vezes surge uma ideia e de repente no vapor daquilo se torna força criativa, às vezes mais relacionado para mim com uma ideia de necessidade também. Uma escrita que é exercício e uma expressão que é necessidade (e vice-versa), quando eles se topam nasce algo dessa relação. E a partir daí é um processo constante de reflexão sobre esse material que está sendo construído.

Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?

Acho que como qualquer outro trabalho haverá dias em que apesar de demandar tempo e energia para aquilo, simplesmente as coisas não tomam formas, não tomam gosto. Sobre a escrita, ao menos quando ela trava em mim, ela permanece em um plano do imaginário, de refletir sobre aquilo, de ficar na cabeça mesmo, matutando. E acho importante pois ela não deixa de existir mesmo estando “travada”.

Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?

Acredito que o processo de releitura e revisão é essencial.  Gosto de ler em voz alta quando escrevo poemas para entender a sonoridade dos versos. E reviso muitas vezes a forma também, em como me disponho dos versos. A leitura de amigas e amigos é muito importante, apesar de nem sempre mostrar para eles, quando acontece é sempre um encontro, cada um colocando seu mundo ali também, numa abertura que é o que deve estar constituinte na literatura.

Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?

Minha relação com a tecnologia é ótima. Acho que devemos nos apropriar dos novos meios, para tornar esse campo cada vez mais democrático e político.

Depende muito do que está perto de mim, se tenho perto cadernos me atiro pra escrever neles, mas nem sempre eles estão por perto. Hoje o celular está em nossas mãos o tempo todo então o bloco de notas me é muito útil para isso.

E claro, o processo todo de edição e finalização do meu primeiro livro, se deu por completo em suportes digitais.

Meu trabalho se construiu todo nas redes sociais. Através das interações e reações que tive nesse espaço. No entanto a gente é reconhecido como escritor(a) após publicar “impressamente”/ “editoriamente” falando (e claro que isto tem uma importância política imensa, ainda mais no Brasil de hoje), mas os mesmos poemas do livro, são poemas que postei no Facebook. Precisamos pensar na circulação e na legitimidade de determinadas práticas que nos dizem o que é literatura.

De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativo?

Acredito que a leitura é o primeiro caminho para escrever. Gosto de ler, principalmente coisas que está sendo produzida aqui. E sou curioso. Não apenas curioso com os livros, mas com todas as manifestações a nossa volta. Acho importante saber o que está sendo feito na música, na fotografia, nas artes plásticas, no slam, nas práticas não legitimadas.

Gosto de observar a minha volta, as pessoas, as histórias e isso sempre me perpassa, tentando sempre ver como alteridade e não como objetificação.

O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesmo se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?

Acredito que o privilégio de ingressar no curso de Letras em uma universidade pública ampliou minha visão sobre muitas coisas. Me permitiu o acesso, discussões e relações que não seriam possíveis fora desse espaço. Por isso é tão importante meninas e meninos estarem dentro desse lugar. Que políticas públicas de permanência sejam fomentadas e ampliadas. Pude estar ali por conta da permanência estudantil. E estar ali, como disse, me influenciou em minhas mais diversas perspectivas como escritor e como indivíduo social (se é que dá para fazer essa separação).

Acho que não diria muitas coisas não, considero importantes os caminhos que fiz até aqui para o próprio amadurecimento do texto e de mim.

Talvez diria que (muita coisa) iria passar.

Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?

Os projetos e as ideias são bastantes, resta o tempo dizê-las aqui.

Queria ler um livro que com certeza ele já existe de outras formas. Deve estar nas margens do mercado editorial, perseguido no apagamento da literatura oralizada e violentado pela voz de quem não o pode escrever, não pode falar.

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Sobre o autor

José Nunes (@nunescnt) é doutorando em direito na Universidade de Brasília.

  • e-mail: nunescnt@gmail.com

Como eu escrevo

O como eu escrevo promove uma conversa compartilhada sobre o processo criativo dos escritores e pesquisadores brasileiros.