Como eu escrevo

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Como escreve Tiago Velasco

21 de janeiro de 2021 by José Nunes

Tiago Velasco é escritor, autor de Petaluma (Ed. Oito e Meio).

Como você organiza sua semana de trabalho? Você prefere ter vários projetos acontecendo ao mesmo tempo?

Minha semana de trabalho segue o fluxo das demandas que me chegam. Não costumo ter trabalho fixo, apenas freelances, então eu reajo ao que me chega, entre fazer revisão, copidesque, leitura crítica, curadorias, ghostwriting, produção de textos em geral e ministrar cursos e oficinas de escrita literária/criativa. O que faço é analisar os meus prazos e organizar dentro do que tenho que entregar primeiro. Fora os trabalhos remunerados, sempre estou lendo algo, pensando em artigos acadêmicos para escrever, escrevendo um conto ou outro, criando oficinas novas.

Essas atividades são feitas ao longo de todos os dias da semana. Nem sempre folgo nos fins de semana, mas me permito, quando dá, folgar durante a semana, enfim, novamente eu organizo isso de acordo com o volume de trabalho que tenho e com os prazos. Procuro seguir horários comerciais, mas sem rigidez. Se não precisar entregar nada de manhã ou se não tiver uma reunião, me permito começar a trabalhar um pouco mais tarde, 10h, 10h30.

Ao dar início a um novo projeto, você planeja tudo antes ou apenas deixa fluir? Qual o mais difícil, escrever a primeira ou a última frase?

De modo geral eu escrevo contos. Só escrevi um romance, que foi a minha tese de doutorado. Nos contos, eu procuro começar quando tenho um final. Fico matutando a ideia um tempo, penso onde quero chegar, penso em um ou dois momentos que considero importantes no meio do conto. Quando tenho uma estrutura desse tipo na cabeça, começo a escrever de fato. O que eu preciso é saber em que lugar quero chegar, preciso desse norte. Poe falava sobre não escrever a partir de incidentes, mas criar os incidentes que servissem ao efeito que se quisesse com o conto. É mais ou menos assim que eu lido também.

Acho que é mais difícil escrever a última frase, mas não sei ao certo, talvez porque eu tenha certo fetiche com finais. Meus alunos das oficinas já sabem que, invariavelmente, sugiro cortar o final dos contos que eles produzem. Gosto de finais que deixam em aberto, que não explicam demais, que fazem o leitor ficar pensando e agindo sobre o texto por horas depois da leitura. A primeira frase precisa fisgar o leitor e fazer a história andar. Ela pode ser meio esquisita ou até meio banal, mas o leitor deve ler a primeira frase e querer ler a segunda. Em geral, escrevo uma frase quase qualquer, porque, nesse primeiro momento, ela serve mais a mim – para eu continuar a escrever – do que ao leitor. Depois que ela me botou em ação, posso retornar para melhorá-la.

Você segue uma rotina quando está escrevendo um livro? Você precisa de silêncio e um ambiente em particular para escrever?

Eu não costumo ter um projeto de livro de contos para fazer. Eu escrevo os contos à medida que as ideias surgem e, depois de ter alguns que conversam de alguma forma, eu começo a entender que vai virar um livro. Mas deixo a coisa no fluxo dela, sem forçar nada.

Quando começou a quarentena, comecei a fazer, pela primeira vez, um livro de contos curtos meio experimental. Pelo tamanho e formato, um tanto mecânico, seria fácil fazer um ou dois por dia. E, de fato, comecei assim. Fiz 14 e parei. Tenho que retomar. O que eu quero dizer é que, realmente, eu deixo as coisas rolarem. Se eu tivesse disciplina, escreveria bem mais. Mas será que tem como escoar? Não é tão fácil publicar. Ao menos, não é fácil para mim. Conseguir uma editora é sempre um parto.

Agora, preciso de certo silêncio para escrever. Não ouço música. Fico olhando para o computador escrevendo. Nesta quarentena finalmente pude ter um escritório. Me mudei para um apartamento maior, justamente porque a clausura em um quarto e sala estava sendo sufocante para mim e para a minha mulher. Então, agora eu tenho um escritório, e ela, um ateliê. E isso é bem positivo para as nossas produções.

Você desenvolveu técnicas para lidar com a procrastinação? O que você faz quando se sente travado?

A melhor forma de lidar com a tentação é ceder a ela. Acho que foi o Oscar Wilde que disse isso. Não tenho certeza, li num imã de geladeira de uma lojinha dessas metida a cool. Ou seja, eu procrastino mesmo. E não me culpo. Acho que é uma forma de lidar com a situação, me ambientar a ela, tatear até o momento em que parece que estou confortável e as coisas saem. Se eu estiver travado no meio de um texto, eu paro. Leio outras coisas, vejo filmes, faço exercício, lavo louça, qualquer coisa que faça eu não pensar naquilo. Acho que dar uma respirada pode ser positivo. Mas isso só acontece em projetos longos. Agora, o prazo ajuda também. Ter que entregar algo é eficaz nesse sentido.

Qual dos seus textos deu mais trabalho para ser escrito? E qual você mais se orgulha de ter feito?

Mais trabalho foi a tese, que é o meu romance. Deu trabalho tanto enquanto tese quanto na adaptação para virar romance, tive que cortar algo como 30% do texto. É um livro relativamente longo, sobretudo para os parâmetros atuais, em que os romances estão cada vez mais curtos, no geral. É também o meu maior orgulho. Gostei bastante do resultado. Acho que escrevo melhor depois do processo pelo qual passei escrevendo ele.

Como você escolhe os temas para seus livros? Você mantém um leitor ideal em mente enquanto escreve?

Cortázar falava que o tema bom é aquele que cativa o autor, que faz ele sentir vontade de escrever. É assim. Aquilo que me parece bacana, interessante, é o que faz eu escrever. Acontece que, em geral, o que me motiva é teoria. Então eu me encanto por certas teorias, certas reflexões e penso como isso pode virar história. Nem sempre tem um enredo tradicional.

O leitor ideal é sempre uma figura retórica do autor, a não ser que se queira escrever histórias comerciais, como best sellers, novelas, filmes mais comerciais ou algo contratado. Fora essas situações que envolvem claramente um aspecto comercial e financeiro, não há motivo, para mim, pensar num leitor diferente de mim mesmo. Não vendo livro a ponto de conseguir ganhar dinheiro, então escrevo aquilo que me satisfaz. E se me satisfaz, imagino que irá satisfazer outros leitores que, de alguma forma, têm gostos e interesses semelhantes aos meus.

Em que ponto você se sente à vontade para mostrar seus rascunhos para outras pessoas? Quem são as primeiras pessoas a ler seus manuscritos antes de eles seguirem para publicação?

Eu acho essencial termos leitores beta, mas é algo muito mais difícil do que parece. Não pode ser a mãe, o pai, os irmãos. É preciso que sejam bons leitores, rigorosos, e que entendam a característica desse autor. Felizmente, nos últimos três anos, tenho dois deles. Fazem críticas bacanas, me ajudam a melhorar os textos, mas sempre dentro da minha forma de escrever, dentro do meu projeto estético. São duas pessoas em que confio muito na avaliação. Isso me deu uma segurança muito maior sobre a minha própria produção.

Você lembra do momento em que decidiu se dedicar à escrita? O que você gostaria de ter ouvido quando começou e ninguém te contou?

Me lembro de quando comecei a escrever, eu tinha uns 20 anos, mais ou menos. A recepção começou a ser boa, professores da faculdade, alguns sites de literatura me publicaram, um chefe que já havia sido editor de editoras importantes dando feedbacks positivos… E isso fez eu continuar a escrever. Mas só consegui falar que era escritor mesmo quando entrei no doutorado em Literatura, Cultura e Contemporaneidade, algo que coincidiu com o lançamento do meu segundo livro de contos. A minha orientadora adorou o livro e me convenceu a fazer a tese no formato romanesco. Aí acreditei que eu devia continuar me dedicando à escrita.

Que dificuldades você encontrou para desenvolver um estilo próprio? Algum autor influenciou você mais do que outros?

Ah, acho que nunca foi uma obsessão. Comecei, como muitos, copiando autores de que eu gostava quando era mais novo, sobretudo o Rubem Fonseca. Com o passar do tempo, lendo outras coisas, novos autores e desenvolvendo uma forma de ler mais sofisticada, fiquei mais atento ao estilo de cada um, às soluções, aos temas. Certamente isso fez eu mudar a forma de escrever, as histórias que queria contar. Acho que o meu estilo se concentra em manter a simplicidade em mais alto nível. Fico obcecado por escrever de forma simples, objetiva, direta, curta, minimalista. Às vezes procuro a quase ausência de estilo, me relacionando mais com as ideias da arte conceitual e da arte minimalista na literatura. Gosto de uma coisa meio cerebral, me preocupo quase nada com o lirismo das frases.

Que livro você mais tem recomendado para as outras pessoas?

Ih, adoro recomendar Marrom e Amarelo, do Paulo Scott; Diário da Queda, do Michel Laub; Desonra, do Coetzee; A Marca Humana, do Phillip Roth; Os Anões, da Veronica Stigger; e Histórias Reais, da Sophie Calle. Reforço, sempre que posso, o meu amor por Vidas Secas, do Graciliano Ramos, cujo capítulo sobre a Baleia é, por mais clichê que seja, a melhor coisa que já li na vida.

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Como escreve Nélida Capela

21 de janeiro de 2021 by José Nunes

Nélida Capela é mestra em Teoria Literária na PUC-Rio, autora de “Dez Entrevistas Peregrinas” (Telha, 2021).

Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?

Acordo cedo, antes das 7h, e faço 1h de caminhada ou corrida. Tomo café da manhã com calma, estar à mesa para mim é sagrado. Em geral, às 9h já estou no computador. E arrumada, principalmente no home office, faço questão de estar elegante: roupa escolhida em função do espírito do dia, perfume, brinco, pulseira. Tal como era ir à feira ou supermercado: a gente nunca sabe quem vai encontrar, não é mesmo? Costumo marcar reuniões na parte da tarde, pois pela manhã rendo mais em leituras, criações e escrita de projetos e textos outros.

Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?

Trabalho melhor pela manhã ou de madrugada, momentos em que a cidade está mais calma, com menos barulho. Meu ritual é manter a mente organizada e focada. Quando inicio processos, leio, pesquiso, estudo, descubro coisas. Aí eu decanto. Vou decantando e escrevendo.

Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?

Escrevo todos os dias, a todo momento. Trabalho com ideias e projetos, portanto, para torná-los realidade, para que eu possa ficar satisfeita e ser remunerada por isso, é imprescindível colocar tudo em texto, seja no papel ou no documento virtual. Escrevo o máximo possível, mas não exagero para não ficar esgotada. Trabalhar com criatividade, com ideias cansa também. Portanto, tomo muito cuidado com as horas. Em 2020, trabalhei muito online, aliás, não somente eu, mas muita gente. Isso me rendeu no final do ano de 2020 um problema sério no manguito rotador, o que me causa ainda muita dor e desconforto. Portanto, aumentei intervalos e não abuso das horas.

Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?

Gosto de fazer pesquisas e trazer informações interessantes para o leitor ou ouvinte. Seres humanos gostam de histórias, gostamos de contar histórias, ouvi-las e nos entreter com isso. Seja em texto, seja montando uma vitrine, uma mesa de livros, seja montando uma livraria, um curso, um evento, estou contando uma história. Seja por prazer, seja nos negócios, faz parte da nossa natureza. Esse deslocamento é constante e só chega ao destino quando encerro o texto/projeto. Mas mesmo assim, sempre há o risco de mudar algo, portanto, há um trânsito constante entre o conceitual e a realização/materialização dele.

Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?

Sobre os bloqueios, comigo acontecem pela coleta demasiada de informações, ou tédio. Aí preciso largar tudo e sair para andar, ir a um museu, à praia, cinema. Com a quarentena, ficou difícil, mas resolvi isso com a NetFlix e o Amazon Prime. Assisto algo e a mente volta a ficar atenta, aguçada. Na época de faculdade, eu estudava na PUC, dava bloqueio ou ansiedade, eu parava tudo e tomava o ônibus para o Centro do Rio de Janeiro, entrava no Museu Nacional de Belas Artes, no MAM ou na Biblioteca Nacional – eu precisava me deslocar de um ambiente a outro, fazer uma mudança, um corte, olhar para outra coisa.

Sobre expectativa e ansiedade em projetos longos. Não tenho problema. Meu desafio é sempre não ficar entediada. Projetos de longa duração têm esse risco: deixar a gente entediada. Eu preciso sempre ser alimentada com a curiosidade. E crio mecanismos e estratégias para evitar o tédio a todo custo.

Na faculdade sempre procrastinava a feitura de um texto, era fatal. Com o tempo, percebo que há ocasiões de escrita que precisam ser procrastinadas, outras não. A gente vai aprendendo a equilibrar os pratos.

Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?

Reviso os textos até o momento mais próximo de entregar. Peço sempre a outra pessoa para ler, mais de uma pessoa. Isso já é um hábito das pessoas de Letras. Estamos sempre escrevendo e precisamos que outros leiam para no distanciamento as ideias e estilística ficarem mais evidentes. Até para corrigir erros ortográficos e contextuais, de repetição também.

Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?

Em geral, rascunho ideias na cabeça e depois no papel. Na hora de construir o texto, vou para o computador. Tenho muitos cadernos e cadernetas, vou anotando tudo: diferentes formas de abrir um texto, mapas mentais, ensaios de desenvolvimento, conclusões, estratégias de conclusão. A tecnologia é a ferramenta universal que utilizamos, mas poder rascunhas as ideias no papel é um exercício lúdico e fisiológico necessário. Preciso segurar a caneta, ou lápis, escrever no papel, desenhar as letras, desenhar símbolos que aparecem no meu imaginário. Se vou para a rua, levo um caderno e uma caneta para rascunhar.

De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativa?

Eu tenho curiosidade por tudo. Adoro pesquisar, adoro ver as coisas, as pessoas. Adoro os enigmas, os becos sem saída. A imaginação e a curiosidade são hábitos que tenho para me manter criativa. Alberto Manguel descreve bem esses processos no livro Uma História Natural da Curiosidade, recomendo a leitura. Estou sempre me mantendo informada. Adoro ler, livros, revistas, catálogos. Adoro viajar, conhecer lugares diferentes, adoro experimentar comidas novas, ir à praia e ver o mar, aquele barulho das ondas ajudam a decantar pensamentos e ideias. Adoro me perder e me encontrar. Sabe a serendipity? Então, adoro o acaso. Bem, nem tudo é acaso, mas acontece também. Vivo coletando informações, sentimentos, o tempo todo. Gosto de conhecer gente diferente, de todas as idades. Adoro conversar. Mas detesto gente com papo arrogante. Gosto de gente com quem desenrolo um novelo de histórias. A gente junta saberes. Constrói pontes. Por isso adoro as livrarias, os livros. São lugares espetaculares para encontrar as ideias.

O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesma se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?

Se eu pudesse voltar, escreveria mais, teria feito ficção e livros teóricos mais cedo. Teria feito uma carreira mesmo. Teria aprimorado os textos, forjado melhor as ideias. Mas, só poderia fazer isso com o conhecimento de vida que tenho hoje. Já sofri pensando nisso, mas não sofro mais.

Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?

O projeto de publicação da minha dissertação de mestrado demorou, mas vai ficar pronto no momento certo, em 2021 já visando o Centenário da Semana de 2022. Estou iniciando pesquisa e levantamentos para um livro de ficção. Até então, meus textos são todos de apresentação sobre autores, obras, pesquisas, projetos para articulação da leitura e do livro.

Que livro eu gostaria de ler: gosto de ler livros que falam do mundo da fantasia e da realidade, da ficção e da não ficção. A realidade como a conhecemos está mudando, ainda bem. Ainda há muito para ler, mas há muito mais ainda a se escrever. O momento literário está se renovando. Muitos autores e editoras de periferia com temas e estéticas muito interessantes e ricas. Há autores de periferia da nova geração fazendo experimentos muto criativos e fazendo da literatura um movimento mais integrado ao leitor, a todos os leitores sem exceção. O grande público, acostumado com mainstream somente,  ainda não conhece essa literatura pois ainda não acessou. Não acessou porque não quis, porque o mercado não deixa.  Mas há um movimento em andamento para esse encontro. E posso te dizer, será surpreendente. Deixo já a dica: acessem o catálogo das editoras periféricas de São Paulo, um levantamento primoroso da Ação Educativa.

Esse documento apresenta a pesquisa e um panorama sobre o segmento. Este outro documento, é o catálogo das editoras em si – acho importantíssimo divulgar.

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Como escreve Waldemar Ferreira Netto

21 de janeiro de 2021 by José Nunes

Waldemar Ferreira Netto é professor Titular no Departamento de Letras Clássicas e Vernáculas da Universidade de São Paulo.

Como você organiza sua semana de trabalho? Você prefere ter vários projetos acontecendo ao mesmo tempo?

Eu não tenho exatamente uma organização por intervalos temporais. Geralmente minha organização se vincula à necessidade de terminar uma proposta de trabalho iniciada. Como sempre há vários projetos ocorrendo simultaneamente, uns ganham e outros perdem prioridade conforme os prazos. Não ter projetos, seja por ter finalizado todos a um só tempo, seja por estar sem indagações a respeito de temas específicos não é uma sensação que me causa conforto. A satisfação está em encontrar as respostas e não em não ter perguntas para fazer. Daí, prefiro ter vários projetos para que sempre algum esteja por terminar.

Ao dar início a um novo projeto, você planeja tudo antes ou apenas deixa fluir? Qual o mais difícil, escrever a primeira ou a última frase?

Como projetos eclodem de projetos, o seu planejamento vem em conjunto com a ideia geradora. Ao ler um texto ou ao escrever sobre ele muitas dúvidas aparecem. Nem precisa ser o melhor autor, nem o melhor texto, porque as dúvidas vêm do próprio discurso. O planejamento inicial, quase espontâneo, para a busca da resposta nem sempre dá os resultados esperados, então eu refaço tudo, muitas vezes, até encontrar o caminho que me leva a alguma resposta. É preciso ser paciente. A dificuldade não é escrever a primeira frase, porque ela vai ser reescrita; a dificuldade que eu sinto está em manter a coerência entre a primeira e a última frase. Daí o texto ter de ser relido, na íntegra, repetidamente. É sempre bom quando eu deixo um intervalo entre essas leituras.

Você segue uma rotina quando está escrevendo um livro? Você precisa de silêncio e um ambiente em particular para escrever?

Eu não consigo seguir rotinas muito rigorosas. Sempre me proponho a fazer isso, mas não dá certo. Normalmente escolho os momentos de silêncio, de isolamento para fazer isso. Preciso, entretanto, ter por perto todo o material que vai ser usado: referências, dicionários, planilhas… Muitas vezes escrevo à mão e depois passo para o computador. Porque ambientes silenciosos e isolados nem sempre permitem o acesso às máquinas mas lidam muito bem com livros e cadernos. Eu uso muito isso tudo.

Você desenvolveu técnicas para lidar com a procrastinação? O que você faz quando se sente travado?

Eu sempre evito deixar que trabalhos de acumulem, sobretudo os que têm prazo de entrega. O ideal, nesse caso, é estabelecer prioridades de acordo com os prazos. Mas, quando isso não dá certo, por me sentir “travado” ou por não ter mais informações disponíveis para continuar, prefiro deixar o texto incompleto durante um tempo, até que novidades apareçam. Se fico pensando incessantemente sobre o mesmo tema, a circularidade do pensamento é inevitável. As novidades vêm de lugares incertos. Vêm de leituras, de reflexões que se fazem sobre o mundo. Se não estão nos lugares óbvios e comuns, devem estar em lugares que não são óbvios nem comuns.

Qual dos seus textos deu mais trabalho para ser escrito? E qual você mais se orgulha de ter feito?

Acredito que o meu livro Introdução a fonologia da língua portuguesa tenha sido o mais trabalhoso. Tive de buscar muitos exemplos, porque estabeleci que todos tinham de ter sido usados e devidamente documentados. Foi muita documentação consultada, com horas de transcrição e de audição de fitas cassete, com digitalização de áudios. Tudo, às vezes, para uns dois ou três exemplos. Mas deu certo. Como foi um trabalho mais mecânico, apesar de intenso, não foi o que envolveu grandes discussões teóricas. Recentemente escrevi Tradição Oral, narrativa e sociedade. Nesse livro, tentei extrair o senso comum das narrativas não estilizadas. Eu acho que consegui e gosto muito de reler o texto que escrevi. Mas, a cada releitura, sinto que ainda falta muito para falar.

Como você escolhe os temas para seus livros? Você mantém um leitor ideal em mente enquanto escreve?

Os temas são definidos externamente. Ideias decorrem de ideias. Trata-se de um diálogo constante que se faz com múltiplo interlocutores, na sua grande maioria, desconhecidos. A vantagem da leitura é que podemos dialogar com Aristóteles, Hume, Geertz, Mbembe, Hampaté Bâ, dentre outros tantos, e ainda com infinitos autores anônimos cujas narrativas foram transcritas por outros. Todos eles fizeram reflexões sobre o mundo que merecem ser observadas, interpretadas, testadas, discutidas… Falar sobre o que todos falam é muito difícil, porque acaba repetitivo e desapontador.

Eu sou professor, escrevo sempre para alunos. Mesmo quando não escrevo para os alunos, penso neles. São sempre os alvos. Procuro imaginar o que sabem e o que não sabem. Nem sempre acerto, mas é uma direção. Quando o texto se volta para a comunidade científica, tento fugir desse alvo. Mas nunca me saio muito bem. A comunidade científica é muito mais atualizada e, principalmente, voltada para temas específicos e circulares. Apesar de ser uma redação mais fácil, porque mais técnica, tem um leitor muito mais crítico e muito mais vaidoso. Contar ao interlocutor algo que ele já conhece gera desconforto, porque parece que se pressupõe que o interlocutor seja ingênuo quanto ao assunto. Isso fere vaidades e provoca descontentamento quanto ao próprio texto. Por isso é difícil escrever textos científicos.

Em que ponto você se sente à vontade para mostrar seus rascunhos para outras pessoas? Quem são as primeiras pessoas a ler seus manuscritos antes de eles seguirem para publicação?

Geralmente mostro meus rascunhos aos que me estão mais próximos, ora afetivamente, ora profissionalmente, conforme o texto. Nem sempre os primeiros leitores esmiúçam o texto como eu gostaria que fizessem. Ou se prendem a particularidades gramaticais, ou a algum ponto temático específico. Dificilmente os primeiros leitores discutem o raciocínio, o plano geral da obra ou as conclusões, por exemplo. Se o texto é muito ruim, eles são benevolentes, se é muito bom, o benevolente sou eu. Pareceristas anônimos, em geral, quando são bem educados, são bons leitores.

Você lembra do momento em que decidiu se dedicar à escrita? O que você gostaria de ter ouvido quando começou e ninguém te contou?

Não lembro desse momento específico. Mas lembro de ter recebido algum elogio aqui e ali. Nada que fosse muito estimulante, mas sempre agradável de se ouvir. Profissionalmente, já na faculdade, ao contrário, o desestímulo foi imenso e isso foi muito negativo. O pressuposto recorrente no ambiente acadêmico das letras de que só os grandes escritores sabem escrever é demasiado castrador. Superar isso não é algo que se faça com destreza naquele ambiente. Como em qualquer atividade é preciso receber elogios e reprimendas.

Que dificuldades você encontrou para desenvolver um estilo próprio? Algum autor influenciou você mais do que outros?

Não sei se desenvolvi um estilo próprio. Acho que isso só ocorre com a constância na escrita e com a diversidade de leituras. Sempre evitei ter um autor preferido, bem como pensar que um é melhor do que o outro. Algumas vezes tento usar um recurso estilístico que esse ou aquele autor usou, tento retomar algumas fórmulas discursivas, reproduzir uma sintaxe ou algum vocabulário. Quando a origem fica muito evidente, apago. Mas é uma experiência que às vezes dá certo. Quanto mais a gente faz, mas aprende a fazer.

Que livro você mais tem recomendado para as outras pessoas?

São muitos os livros que tenho recomendado. Acho que alguns, dentre muitos, são imprescindíveis:

Semiótica e filosofia, de Charles Sanders Peirce; Da divisão do trabalho social, de Emile Durkheim; Folklore in the Old Testament: Studies in Comparative Religion, Legend, and Law (El folklore en el Antiguo Testamento), de James George Frazer; Mind, self and society (Espíritu, persona y sociedad), de George H. Mead; A interpretação das culturas, de Clifford Geertz; Atos de Significação e Realidade mental, mundos possíveis, ambos de Jerome Bruner; A economia das trocas linguísticas, de Pierre Bourdieu; Contingência, ironia e solidariedade, de Richard Rorty.

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Como escreve Nanna Ajzental

21 de janeiro de 2021 by José Nunes

Nanna Ajzental é escritora, cantora e compositora.

Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?

Acordo por volta das oito e meia com o despertador felino. Bom dia pros gatos, brincadeira, carinho na barriga, lavo louça, dou comida pros bichanos, limpo caixinha, tomo chá, como algo. Então leio, ouço podcast, áudio de terapia, escrevo, estudo, preparo almoço. Às vezes ouço podcast lavando louça, escrevo comendo, leio cozinhando, procuro uma rima enquanto balanço a tira do roupão pro gato parar de miar.

Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?

Pela manhã é sempre melhor, a cabeça está mais limpa e clara, estou sozinha, entro num estado meditativo mais fácil. Às vezes faço exercícios de auto-hipnose, mas brincar com os gatos ajuda tanto quanto. Fiquei receosa quando adotei os bichanos, pensando que poderia perder tempo de concentração me ocupando com as “artes” deles (nesse momento a Aretha está tentando escalar a chapeleira e olhando com aquela cara “não vai me impedir?”), mas esse mundo não-verbal deles estimula a criatividade. Fora que brincar de pega-pega com a gata deve oxigenar muito o cérebro.

Quando ainda estou começando um texto, procuro notícias, vejo feed do Facebook, dicionário de rimas, alguma palavra ou imagem que inspire. Quando estou trabalhando um texto específico, começo relendo o que escrevi. Visualizo cenas, ouço frases sendo pronunciadas, fico imaginando uma representação do que estou escrevendo. Entro nesse mundo com a maior quantidade de detalhes.

Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?

Se estou empolgada com um projeto, quase todos os dias. Tento reservar pelo menos três manhãs na semana para escrever nem que seja um pouquinho, anotar ideias, revisar textos, produzir conteúdo sobre saúde. Se estou com muita preguiça ou desmotivada, ler um pouco já me deixa satisfeita. Às vezes passo meses sem escrever, mas nunca fico longe da criatividade e dos livros.

Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?

Mais do que compilar notas, gosto de pegar uma ideia e ficar pensando sobre ela durante o dia-a-dia. Imagino as personagens em diversas situações cotidianas pelas quais passo, carrego a ficção por todos lugares. Uma amiga tinha daquelas pulseiras de borracha WWJD “What would Jesus do?”. E eu fico o dia todo: o que a minha personagem faria nessa situação? Aí, quando sento para escrever, os personagens têm vida própria, falam na minha cabeça.

Gosto de anotar palavras e rimas. Escrevo muito a partir dos sons. Tanto nos contos rimados quanto nas letras de música, é comum desenrolar a ideia e descobrir a história por causa de palavras que soaram bem, encontradas no dicionário de rimas. Dicionário analógico também ajuda muito.

Entendo que antes do texto ficar como eu gostaria existem muitas reescritas. Não descarto ideias ruins nem trechos mal escritos. Acredito e incentivo as palavras e tenho paciência com elas. Isso faz com que seja mais leve iniciar processos e me mover adiante.

Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?

Comemoro pequenas conquistas, dou valor a todo reconhecimento que recebo, e tenho uma rede de amigos escritores-leitores que me faz acreditar na literatura e na minha capacidade. Escrevo sobre assuntos importantes para mim: a expectativa principal é conseguir colocar para fora da forma mais sincera que posso.

Minha forma de preferência é o conto, então acabo dividindo projetos longos em partes menores e pouco amedrontadoras. Meu livro ainda não publicado “Nunca vi boneca falante dizendo papai” é longo, mas bem fragmentado. Cumprir uma etapa por vez ajuda a estar presente no agora.

Costumo trabalhar vários textos ao mesmo tempo, isso certamente ajuda a não me sentir tão pressionada por um projeto específico.

Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?

Reviso infinitas vezes, leio em voz alta até quase decorar, imagino como uma cena de teatro. Nunca acho que está pronto, mas mostrar para alguém ajuda a passar a régua. Sou envolta pela Membrana Literária, uma grupa de escrita justamente com essa proposta de trocas. Temos encontros para conversar sobre nossos processos de escrita, discutir as produções, dar suporte, e também para publicar. É um pessoal foda que me abre a cabeça e me ensina demais. Quero aproveitar e indicar todos para serem lidos e entrevistados (Chico e Mari já responderam aqui): Anna Carolina Azevedo, Brenda Sodré, Cali Ossani, Caetano Gisi, Daniele Cristyne, Francisco Mallmann, Ísis Odara, Izadora Figueiredo, Jessica Stori, Julia Raiz, Luciano Faccini, Mariana Marino, Natasha Tinet, Ricardo Nolasco, Semy Monastier, Thalita Sejanes e Yasmin Pschera. E antes disso havia outro grupo, a EMA – Escritores Muito Anônimos, que tinha site e publicou duas revistas. Acabou, provavelmente, porque ficamos conhecidos hahaha.

Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?

Faço lembretes no celular com ideias para histórias, rascunho papeizinhos no trabalho, saio do banho e corro anotar uma palavra que me pareceu importante. No fim sempre vou pro computador: digitar acompanha melhor a velocidade do pensamento. Tentei os cadernos de escrita automática da Angélica Freitas e fiquei com dor na mão, mas também funciona pra mim.

Por medo de perder o processo, vou salvando cada etapa num arquivo diferente. Tenho centenas de rascunhos no e-mail.

De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativa?

Fecho com a Dorothy Parker “A cura para o tédio é a curiosidade. Não há cura para a curiosidade.” Sou curiosa, amo aprender, amo tudo que é arte, estou sempre fazendo aulas e inventando algo diferente. Vivo cercada de pessoas criativas e interessantes. É o que dá sentido à vida.

Amo atividade física, estou sempre me mexendo. O pole dance, que pratico há oito anos, tem a ver com quebrar paradigmas, acreditar, ter paciência, descobrir, superar. Ensina a ter e cumprir objetivos, me diverte, me dá amigas maravilhosas.

Estou há dezesseis anos estudando o ser humano. Há dez anos trabalho em unidade de saúde. Ser médica é uma oportunidade incrível de ter gente de todo tipo sentada na sua frente contando as coisas mais íntimas, certamente dá repertório.

O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesma se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?

Acho que a grande virada foi quando escrever deixou de ser apenas uma forma de registrar ou colocar pra fora minhas insatisfações com a vida. O exercício de tentar enxergar através do outro foi cada vez mais importante pra mim. Ler, criar repertório. Também passei a ler mais poesia, acho que aparece na escrita. Passei a me preocupar menos com o que vão pensar, escrever de forma mais automática. Perdi um pouco aquele senso que fica dizendo que as ideias são ruins. Se eu não sei da onde a ideia veio, é porque ela deve ser boa rsrs.

Diria a mim mesma: escreva menos e leia mais. Ou, como recomenda o Marcelino Freire: encontre seus pares na literatura. Quem mais está escrevendo por aí?

Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?

Gosto muito de começar projetos! O que mais tenho são projetos que comecei e não terminei. Tenho aqui mais três livros de contos, além da novela que está num edital da fundação cultural.

Ano passado, quando comecei a responder a entrevista, escrevi que gostaria de escrever letras pro João, meu namorado, musicar. Tô muito agradecida por essa pergunta, estava me faltando mesmo! Fiquei com a ideia pulsando e finalmente comecei esse projeto também. Criamos a VinteVinte (@vintevintemusica), compusemos, gravamos e editamos em casa o EP Alma de Gato. São quatro canções que têm tudo a ver com a pandemia e o momento político. Esse ano começamos a gravar mais músicas, e logo vem um álbum fresquinho por aí.

Fiquei dias pensando qual o livro que gostaria de ler e não existe, mas todos existiam. Acho que preciso ler mais rsrs.

Arquivado em: Entrevistas

Como escreve Victor Mendes

20 de janeiro de 2021 by José Nunes

Victor Mendes é ator, autor e diretor.

Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?

Não tenho uma rotina de escrita matinal, geralmente gosto de me informar assim que acordo.  Como se precisasse me encher de coisas um pouco. Ano passado, por exemplo, eu escutava o podcast Café da Manhã (da Folha) e lia algumas noticias na internet, mas tem dias em que assisto um episódio de Friends por exemplo. Não tenho mesmo uma rotina estabelecida.

Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?

Sinto que de manhã e a tarde eu rendo muito mais… a noite não evoluo direito, não sei se estou cansado ou querendo fazer outra coisa… mas eu me distraio mais, só escrevo a noite quando tenho que escrever, quando estou apertado com um prazo ou algo do tipo. Gosto de ter sempre água do lado e as vezes um café. Depois do almoço por exemplo, sento feliz com um café do lado para escrever. Agora um ritual do tipo, só escrevo em determinado lugar, ou ouvindo musicas de fossa… isso não, rs.

Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?

Não escrevo todos os dias, mas queria. Quero na verdade. rs. Tem fases que escrevo todos os dias, principalmente quando estou envolvido em algo, me estimulando, me sentindo desafiado por algo que comecei ou que tenho que entregar, aí eu vou que vou, todos os dias.  Mas tem fases que não. Acho que o que rola comigo é que fico pensando muito até começar a colocar as ideias no papel, então esses momentos que não escrevo, acho que estou gestando.

Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?

Meu processo é meio estranho. Não sei se tenho muito um mesmo jeito de fazer sempre. As vezes anoto um monte de coisas e depois começo a desenrolar uma ideia no papel e aí começa a tomar forma. As vezes fico com a tv ligada, em algum programa que já conheço, que me é familiar, e vou deixando aquilo invadir um pouco, vou escrevendo coisas soltas. As vezes sento em cafés e passo as tardes ouvindo as pessoas conversarem e fico escrevendo. Mas o que eu acho que é regular é que eu fico muito tempo pensando, pensando, as vezes até anos pensando e aí vou pro papel, mas uma vez que estou no papel, as coisas fluem mais.

Um detalhe, toda vez que eu falo papel é aqui no teclado do meu computador, tá?

Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?

As travas da escrita aparecem pra todos nós né? Vai ter esse momento de sentar e nada sair, de começar a rascunhar alguma coisa e nada de bom sai dali… acho que isso é comum. E eu lido com isso enfrentando isso.. eu fico tentando combater isso… passo o dia pensando nisso, as vezes levanto e vou fazer outra coisa mas aí tenho uma ideia e escrevo lá duas, três linhas e continuo a pensar… aí uma hora de tanto insistir a coisa flui. Procrastinar não é muito minha praia. Eu gosto de fazer e me dedicar as coisas. Insistir nelas.  Não tenho medo quanto a expectativas dos outros, talvez por na maioria dos casos escrever projetos pra mim, ou que estou bem envolvido.  Ainda não estive em projetos que demandem muito e eu tenha uma relação mais burocrática com a obra…  por enquanto tudo o que escrevi e escrevo tem muito a ver comigo dentro de algo. Não com algo fora de mim.

Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?

Milhares de vezes. Por ser ator leio em voz alta muitas vezes… Rezo meus textos antes de deixá-los ir, como aprendi com um mestre. Mostro sempre meus textos a alguns amigos próximos antes de torná-los públicos… sempre! Pelo menos pra umas 3 ou 4 pessoas de confiança e que admiro muito.

Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?

No computador. No começo resistia um pouco e queria fazer a mão. Mas a verdade é que funciono melhor no computador. Mas o papel fisico mesmo é muito importante pra mim porque eu adoro desenhar e escrever e desenhar pra mim tem raizes em comum, eu vou desenhando, rabiscando e quando vejo estou desenhado a obra que estou escrevendo.

De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativo?

Acho que sou uma pessoa que colhe muitas referências. Vejo muitos filmes. Muito teatro. Leio bastante.(Não tanto quando deveria e gostaria, mas ainda sim bastante) E adoro ouvir estórias das pessoas, causos, historias de gente mesmo, do dia a dia,  do tio da padaria, do porteiro,  do motorista do app, de tudo…. ouvir é fundamental no meu processo de criatividade. Gosto de humanidades.

O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesmo se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?

Diria que fiquei mais profundo ao longo dos anos, mais responsável com a escrita. Tomei coragem e pulei na piscina… ainda nado no raso mas agora descobri que o fundo existe. Não cheguei lá, mas sei que ele existe.

Diria pra mim mesmo assim: Ó, parece muito difícil isso de escrever né?Mas lembra que nadar também era? Andar de bike?  mas você vai conseguir, prometo! Leia coisas que você se interessa, não ligue tanto pros outros, leia mais e mais. E continue aí escrevendo meio escondido sem mostrar pra ninguém mas saiba que um dia isso tudo vai fazer sentido.

Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?

Escrever uma série de televisão. Isso ainda tenho muita vontade de fazer. Ou um filme. É, uma serie e um filme na verdade. Quero fazer parte de mesas de roteiro, aprender com a galera mais experiente, trocar, aprender e evoluir. Quero continuar escrevendo teatro, colaborando em séries,  escrevendo contos e me arriscando em projetos até me sentir pronto pra me aventurar em projetos pessoais de grande porte.

O livro que gostaria de ler e ainda não existe é sobre a minha criação evoluindo, a minha ou uma outra qualquer, mas uma história que nunca fica pronta porque a vida nunca fica pronta. Algo tão real quando viver. Uma espécie de Sinédoque New York.

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Como escreve Liana Ferraz

20 de janeiro de 2021 by José Nunes

Liana Ferraz é escritora, doutora em Artes da cena pela Unicamp.

Crédito: Jennifer Glass

Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?

Tenho buscado uma relação mais saudável com a manhã. Sempre fui muito notívaga e gosto mais de dormir de dia do que de noite. Tem sido uma grata surpresa acordar cedo e começar o dia com práticas mais introspectivas como leitura, yoga ou caminhada e um café preto sem pressa. Descobri que não consigo trabalhar muito cedo, mas levantar e organizar das 7 às 8:30 para práticas reflexivas tem ajudado muito na criatividade e, consequentemente, na escrita.

Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?

Eu não tenho muito essa, não. Nem tenho escolha. Eu não vivo da escrita, além do fato de ser mãe e curtir muito esse papel da maternidade, gosto de fazer mil coisas ao mesmo tempo. Não consigo organizar nem tempo e nem espaço pra escrita de forma sistematizada e, por isso, nem consigo dizer se trabalho (como escritora) melhor de tarde, de madrugada, de noite, etc. Escrevo quando posso. Escrevo todos os dias textos para outras finalidades que não sejam relacionadas à publicação. Por exemplo, sentar e escrever frases, brincar com palavras, inventar novos significados, rabiscar papel. Isso é compromisso diário. Por outro lado, estou escrevendo um livro novo num formato inédito pra mim, pois não tem nem poemas nem textos muito curtos. São crônicas e contos. Eu trabalho nesse livro o tempo todo…em pensamento. Fico gestando os textos e separo 1 hora em que aviso minha família: não me interrompa por nada, vou escrever. Ponho meus fones de ouvido com música e escrevo. Reviso uma vez. Levanto e sigo o dia. Até engravidar do próximo texto.

Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?

Minha meta de escrita diária está em ser lida por uma quantidade x de pessoas. Uso o Instagram pra isso. Se eu consigo atingir tal meta (que é alta, no mínimo 30 mil pessoas) não escrevo nem publico mais e volto para o livro. Se não consigo, escrevo de novo. Eu estou sempre escrevendo um livro. Essa também é outra estratégia. Estou com um pronto inédito e outro quase pronto. Os livros eu escrevo, como disse acima, num fluxo muito rápido depois de muito tempo gestando a obra.

Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?

Eu adoro começar. O papel em branco é meu momento feliz. Não gosto de organização prévia em notas, post its, nada disso. Eu fico com o texto na minha cabeça com todos os riscos que isso tem. Já perdi o sono tentando lembrar uma ideia ótima que tinha tido pra um conto. Será que era ótima mesmo? Acho que não. Ou, se era, voltou em forma de outra coisa, mais complexa e depurada. Não tenho medo de esquecer. Confio mais na minha intuição do que nas anotações. Eu sou atriz e estou em pesquisa o tempo todo. Aprendi que esse estado constante de observação é premissa pra ser artista. Eu pesquiso tudo o tempo todo. Não me movo da pesquisa pra escrita. Eu escrevo pesquisando as possibilidades das palavras, das combinações, da composição, do fluxo sonoro, do ritmo. Não consigo separar uma coisa da outra. Não tenho burocracia nenhuma.

Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?

Acho que já me entendi. Se eu travo, começo a rabiscar no papel ou a escrever bobamente um texto qualquer. Criatividade é músculo. Tenho resistência nessa musculatura. Travar é um movimento de ego. Travar o quê? A suposta genialidade? Desaprender a escrever eu não desaprendi, então não tem trava, só escrever desprovida de expectativas. Eu não tenho medo de não corresponder às expectativas até o momento em que vejo meu livro nas mãos de alguém. Aí eu tremo. Mas nem é mais comigo, então…

Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?

Eu reviso uma vez. E depois é que com a revisora. Mostro só pra que vai publicar comigo: editora, revisora, ilustradora.

Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?

Computador! Drive! Nuvem! Eu amo. Meus rascunhos são meus textos, se eu tivesse que passar depois para o computador, perderia o que mais gosto: a voz do texto. Voz é risco. A gente fala e joga pro mundo sem muita chance de revisar. Essa é minha pesquisa. Para o instagram, esse mar tecnológico delirante, eu tenho feito à mão. Aquarelo, escrevo e fotografo.

De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativa?

Minhas ideias vêm do fato de que eu não me conformo com a brevidade da vida e com a chatice da gente ter que ser uma só pessoa. Pra me manter criativa: ler muito e não ir enferrujando achando que “no meu tempo…”. Amo literatura contemporânea, amo ouvir e dançar músicas que estão aí sendo atacadas pela arrogância do erudito-bolha. Eu tenho uma playlist que tem Mozart e Pabllo Vitar. Me sinto inspirada. E cada texto vai ter uma paleta, um ritmo, uma sonoridade. Não quero negar a vida pra escrever. Eu gosto, faz parte de mim e ótimo!

O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesma se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?

Não ouça homens pedantes. Eles não sabem de nada do que você busca. Ouça suas amigas e amigos de 16 anos. Você não está escrevendo para um “passado de glória”.

Acho que é isso que mudou: escrevo hoje, para hoje.

Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?

Não tenho nenhum projeto que eu ainda não tenha começado. Mas tenho os que ainda não deram certo (rs). Meu maior projeto é ser publicada por uma editora com alcance nacional e poder ser lida por pessoas que não me leram ainda. Esse projeto tá em andamento e vai acontecer em breve.

Acho que todos os livros já existem. Mas talvez estejam guardados nas gavetinhas. Eu quero ler os livros das gavetas das mulheres.

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Como escreve Arthur Moura Campos

20 de janeiro de 2021 by José Nunes

Arthur Moura Campos é arteiro, poeta e designer formado em arquitetura pela USP.

Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?

Acordo meio estranho, sono, sonho e quando. Não como muito, tomo café. Quando estagiava trabalhava limpava a remela descia pro ônibus subia com pão na mão e outra mão na barra segurava engolia descia no ponto acendia cigarro descia ao subsolo e ligava o programa. No começo da pandemia voltei para Goiânia e acordava mais tarde fazia exercícios dia sim dia não, ajudava minha mãe com as coisas de casa almoço louça faxina, ajudava meu pai com coisas de obra levar brita pintar pregar placa. Desde metade de novembro estou em Belo Horizonte vivendo em um apartamento com meu namorado, ainda parece que acordo depois da hora. Dia sim dia não me exercito, varro o chão tomo café como pão. Tenho lido pouco, mas ainda leio.

Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?

Meu principal trabalho é design gráfico e aos poucos tenho começado a fazer projetos de arquitetura, para esses serviços que costumam render dinheiro mais regularmente, prefiro fazê-los à noite. Escrever, esse meio anti-trabalho, não costuma ter hora certa. Vem de frases que surgem e tenho de correr para escrevê-las no celular se não fogem, ou também de momentos que me concentro mais e depuro uma palavra-ideia-frase escrevendo à mão em um caderno que sempre tenho por perto. Gosto muito de escrever no papel, com canetas e letras o mais diferente possíveis. Ali a forma do texto vai se influenciando e direcionando o rumo das ideias, uma retroalimentação instantânea. A caneta vai desenhando a letra que vai escrevendo a palavra que vai indicando a ideia que vai falando a letra, o poema fermentando e crescendo. O que vem depois é expansão e reinvenção. Certamente o mesmo poema escrito à carvão ou em código binário não é o mesmo poema.

Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?

A princípio não tenho metas de escrita, mas brincar com as palavras tornou-se um víciofício meu. Esses dias me xingaram na rua: poeta. “Sou fraco para elogios”. Tem tempos que escrevo mais, inclusive poemas longos que tomam semanas e meses. Ultimamente tenho escrito poemas curtos no meu celular e publicado no meu Instagram com a hashtag #denotas. Publico na disposição que aparecem no meu bloco de notas. Gosto dessa escrita ligeira, pois a concentração do jogo de palavras e letras fica mais intenso, como se fossem daquelas balinhas com saquinho de pó ácido que explodem na boca. Você engole e franze o cenho. Você engole e dá um riso. É um tipo de poema que faz sentido com o tempo de atenção dispersa e estilhaçada que temos vivido.

Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?

Escrevo em vários suportes conforme a hora que a ideia chega ou a forma como o poema se monta na minha cabeça. Sou um poeta meio exposto e gosto de colocar à vista meus textos para encontrar alguém que também está naquela sintonia. A lógica do acúmulo de textos para fazer um compilado de poemas segue muito a dinâmica do livro codex que, até pouco tempo atrás, precisava de um certo volume de páginas ou de tiragem para tornar-se economicamente viável. As zines, saraus, slams, blogs, tweets perverteram (no bom sentido) essa lógica de acesso ao poema/livro e isso afetou muito o fazer de cada poeta, dividindo o estádio num jogo falso entre puristas e modernosos. Gosto de ser inclusivo na minha categorização do que pode ser poesia/literatura. Mais poemas nas cestas básicas do que nas vitrines de cristal. Sobre a pesquisa, estar vivo é a maior pesquisa. O mundo já nos invade sem querermos e a nossa criatividade invade o mundo apesar do nosso controle. Escrever/dizer é um assentamento provisório desse turbilhão que muda freneticamente com o tempo. Vou inventando meus próprios novelos e embolando com os fios que estão nesse nosso texto coletivo.

Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?

Essa pergunta é o porão de cada escritor. Ali onde todo mundo tricota, conta piada e chora. Recomendo o vídeo da última entrevista da Clarice Lispector feita por Júlio Lerner como resposta. Quase no fim do vídeo ele pergunta se ela não renascia e se renovava a cada trabalho novo. Ela responde que estava morta, “vamos ver se eu renasço de novo, por enquanto eu tô morta. Tô falando de meu túmulo.” Faz parte desse mundo da expressão o desafio, a agonia, o medo, vem tudo. Principalmente nos momentos de compilação para uma publicação mais extensa, ou mesmo nos momentos antes de uma apresentação pública de texto. E tem seca no país da literatura, ainda bem. Sempre desconfio dos poços de petróleo infinitos.

Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?

Os textos mais curtos, como os do conjunto #denotas, tem um período de revisão pouco extenso e costumam girar em torno de jogos mais secos e diretos de palavra. Quando reúno poemas em livros, costumo enviar aos meus irmãos, amigas e amigos próximos para darem uma lida e enriquecerem um pouco da minha vista que já costuma estar um pouco viciada e enfastiada daquele conjunto. Talvez eu ainda seja um escritor jovem e afobado que tem pressa em ser lido, mas cada vez mais acredito na criação coletiva e “intromissiva” nos meus processos criativos. Tive a oportunidade de participar de dois grupos de criação literária que mantiveram grande parte do meu exercício vivo em 2020, o “Phalácia” conduzido pelo poeta Daniel Minconhi, e o curso “Vocacional de Literatura” conduzido pela poeta Anna Zêpa. Amigues amades que estão juntos nessa lida da arte. Vou aqui lançar alguns nomes para estender um pouco esse mar de inspirações, paideuma vivo que me cerca: Shima, Renato Negrão, Pedro Blanco, Eveline Sin, Marcelo da Silva Antunes, Aline Macedo, Zainne Lima da Silva, Marcelino Freire, Viviane Acre, Helimar Macedo, Cibely Zenari, Giovanni Venturini, Mazinho Souza, Dheyne Souza, Walacy Neto, Rosa das Neves, Viviane Mosé, Elisa Lucinda, Maira Mesquita, Danilo Lago, Tatiana Nascimento, Ana Martins Marques, Ana Maria Gonçalves, Fernanda Marra, Eugênia Fraietta, Dairan Lima, Giuseppe Mascena, Maria Pérola, Nelson Maca, Biocinha, Diogo Yamanishi, João Innecco, Caetano Romão, Luiza Romão, Mel Duarte, Luz Ribeiro, Fino d’Flow, Andersson Antonangelo, Marina Dúbia, Cidinha da Silva, André Vallias, Etcoetera.

Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?

A maioria dos meus poemas são primeiro escritos em papel e depois digitados, mas a tempos tenho meu interesse criativo voltado para o uso das tecnologias digitais e interações virtuais do leitor com o texto. Meus primeiros canais de divulgação foram blogs. O primeiro blog, intitulado “Meu lado crônico e fulminante” foi deletado algum dia por vergonha da minha exposição adolescente, mal sabia que a tênia da poesia já estava instalada e continuei e continuo até hoje nessa saga. Os blogs voztinta.blogspot.com, wordinwar.tumblr.com e o 5into.tumblr.com são três repositórios de textos online que ainda guardo e gosto de hora ou outra revisitar. Dos trabalhos recentes todos têm algum envolvimento com o ambiente tecnológico. “5INTO”, meu penuúltimo livro lançado em 2019 pelo selo do burro, traz poemas que investigam os sentidos e sentimentos através desses tempos mediados por máquinas. Cada um dos seus capítulos foi impresso em uma das cores básicas das telas (RGB – vermelho, verde, azul). “SAÍDA”, meu último livro que lancei também em 2019 como autor-editor, navega através de imagens em perspectiva no interior de um edifício-poema. As palavras são inscritas nessa sua superfície virtual, que é lida conforme se explora seu interior. Recentemente tenho trabalhado em uma versão online interativa em que será possível entrar e ler/ver/ouvir esse poema. Em breve, cenas de 2021. E por fim “amar é ñ” é um filtro de stories do Instagram que desenvolvi em 2020 em parceria com o Shima. Clicando na tela você sorteia entre uma variedade de escritos uma definição (e uma antidefinição) de amor. Em tempos líquidos, os poemas e os sentimentos rodam acelerados.

De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativo?

Minhas ideias vêm de fora e vêm de dentro, mais precisamente do entre. Os livros, as músicas, as conversas, as imagens, os acidentes, as miudezas, as aulas, os saraus, as indignações, as lembranças, os sonhos, as comidas, os medos, as felicidades, os choros, os risos, tudo é fonte. O segredo está justamente na capacidade de ler esse fluxo que me chega e reinventá-lo com a minha percepção. Manter-me atento ao mundo e alimentar-me de arte tem sido a chave para crescer as ideias.

O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesmo se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?

Eu acredito que a minha escrita é uma constante reinvenção do que eu já vivi, por mais que eu vá consolidando formatos diferentes de escrita e diversificando e ampliando a minha técnica, aquele mesmo impulso de expor uma voz que existe apesar do silêncio se mantém. O convívio com o meio literário me trouxe novas vozes e formas de se expor o pensamento. Noções estéticas e vivências diversas que me ajudam a tomar consciência das minhas escolhas, e me instigam a experimentar outras linguagens. O que eu diria para o meu eu mais novo: vá em mais saraus, frequente as rodas de escritores que te cercam. Percebi que o contato com poetas e suas formas de expressão foi o que realmente afetou o crescimento da minha escrita e apresentação. Fora a leitura de literatura que é esse infinito maravilhoso de sempre.

Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?

Os projetos que eu gosto de fazer em sua maioria já estão começados, o desafio é finalizar. Tenho composto músicas e cantado, é uma coisa que sempre quis e fiz, mas ainda não consolidei um formato bem acabado. Estou nesse processo. Também tem o poema online e interativo “SAÍDA” que está quase pronto, acho que vai ser bem interessante como proposta de linguagem e texto para esse nosso presente cada vez mais virtualizado. Difícil essa pergunta do livro que não existe, mas eu gostaria de ler um livro que explore todos nossos sentidos. Um livro comestível, com cheiros, texturas, sons, cores. Algo que desafie nossa percepção, e nos ajude a ler o mundo por inteiro.

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Sobre o autor

José Nunes (@comoeuescrevo) é doutor em direito pela Universidade de Brasília.

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