Como eu escrevo

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Como escreve Leandro Carlos Esteves

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Leandro Carlos Esteves é escritor, jornalista, pesquisador e candidato a roteirista.

Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?

Acordo nunca depois das 8, na maioria às 6:30hs. Tomo café lendo (e ouvindo) notícias e cuido da Kika, minha cachorra. Me exercito um pouco. Levo minha esposa ao trabalho e volto um pouco mais às notícias, respondo e-mails e coisas como: pagar boletos e etc.

Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?

Prefiro trabalhar o mais cedo possível. Não tenho nenhum ritual para escrever, a não ser ler bastante, em especial os clássicos (leio, de novo, Sthendhal e Kafka) além dos contemporâneos brasileiros e língua portuguesa, temperados com dicionários (adoro ler dicionários).

Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?

Escrevo todo dia, quer profissionalmente (vez em quando a atividade literária se confunde com o trabalho, no meu caso) ou com literatura, o problema é que jogo fora a maioria do que escrevo. Não tenho meta diária, lembro que a Hilda Hilst tinha e ríamos dela porque ele escrevia muito mais do que a meta, tornando-a ociosa.

Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?

Vez em quando não tem pesquisa, além da memória pessoal, outras praticamente só tem pesquisa, depende do tema.

Sou de natural preguiçoso. Gosto de ser ou ter a ilusão que sou. Vai daí que – na literatura- o tempo é meu aliado. Não tenho pressa. Escrevi um livro de contos que demorou 30 anos para ser editado. Tenho um romance no prelo que mereceu 10 anos mais ou menos. Minha mania é escrever e guardar. Se o que escrevi ficar na memória, me espicaçar vez por outra, é porque merece ser trabalhado e retrabalhado, quantas forem necessárias. Gosto de cortar texto, fazer sair sangue.

Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?

Noto sua preocupação com as travas da escrita, a dificuldade de começar, o medo da página em branco. Tenho e não tenho. Ocasiões existem em que saio correndo para escrever com pavor danado de esquecer uma frase. Isso nunca acontece com uma ideia, mas com construções felizes de sentenças, frases, parágrafos. Acontece também de sentar e não sair nada. Paciência. Você pode achar que tem algo a escrever, mas não tem. Geralmente são repetições, digressões do que já está dito e bem-dito! Se não é uma coisa original, pra quê encher a paciência do leitor?  Essa é a causa mais comum de jogar fora o que escrevo. Tempo atrás eu tinha prazer em amassar uma folha datilografada, hoje o prazer é deletar.

Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?

Vezes sem conta. Só concluo textos (sou jornalista, roteirista e pesquisador além de escritor) por decreto. Dou-lhes por terminado. A faxina e a escrita não tem fim, são atividades gêmeas. Sempre mostro (coitada da Leusa), mesmo sem acabamento. Tem alguns amigos que os chamo de beta testeiros. Afinal, você vai ter de mostrar para o editor, supervisor, diretor, copy-desk, revisor antes da publicação. É obrigatório e eu sempre considero as sugestões. Pode ser que não as adote, mas analiso tudo que me falam.

Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?

Nem sei mais assinar meu nome. Tecladiei-me definitivamente. Tomo notas a mão e só. Mesmo assim, velho repórter, uso uma espécie de estenografia, por exemplo, palavras em “dade” são duas barras //; capital é K, palavras em “ente” transformam-se em um travessão, além dos resumos: que é q, texto é tx, beijo é bj…

De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativo?

Vem de muitos lugares, de muitas coisas, geralmente inesperadas. Tenho vários contos que foram sonhos que me acometeram. Sonho como todo mundo. Quase nunca me lembro deles e acredito até não ter sonhado, o que é impossível. Mas tive uma dúzia deles que se recusaram ao esquecimento. Se impuseram. Então os escrevi (no meu livro de contos: Anhangaçu). Poucos literais, os outros tive de completá-los (havia lapsos que não davam uma sequência lógica, apenas imagens). Creio que esses sonhos têm origem em filmes que assisti (os filmes são poderosos). Ainda tem mais uma meia dúzia que por enquanto não consegui escrever.

Outras vezes são fatos marginais de livros, especialmente de história; detalhes que o autor apenas aponta sem maior atenção, mas que por acaso me interessam. Outras histórias são frases, parágrafos e não uma “ideia”, escrever pelo texto, por escrever, despertar palavras que estão mudas, congeladas em forma de dicionário, usá-las, impedir que elas morram. As palavras são símbolos e por isso tem memória e vida própria.

Outras ainda são reminiscência de juventude, matérias de jornal etc.

Como escrevo sempre, não há um hábito específico para a criação. Anoto tudo… o que merece ficar, ficará.

O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesmo se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?

Demorei muito para escrever como escrevo agora. Vivo de escrever desde meus 15 anos e nunca me faltou pão, porque poucos sabem escrever, então sou trabalhador essencial. Devo isso a Machado de Assis. Tropecei em Memórias póstumas de Brás Cubas e aprendi maravilhado que escrever não me era complicado: os capítulos eram curtos, as frases simples, claras, exatas.

Não existem “primeiros textos”. Só publiquei literatura “ficcional” aos 56 anos. Como disse, não tenho pressa.

Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?

Tenho projetos. Por ora, os roteiros “de encomenda” tomam meu tempo. Gosto deles, mas projetos pessoais vão esperar um pouco. São mais contos. O livro que gostaria de ler é o meu romance (memórias de um melancólico delirante) que deveria ter sido publicado há um ano, mas a pandemia adiou. Quem sabe mais uns 45 dias e ele venha à luz.

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    Como escreve Ana Suy

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    Ana Suy é psicanalista, professora universitária e pesquisadora, autora de “Não pise no meu vazio” (2017), “As cabanas que o amor faz em nós” (2019) e “A corda que sai do útero” (2020), todos pela editora Patuá.

    Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?

    Cada dia é um dia. Tenho uma filha pequena, de 2anos e 9meses e tenho os meus trabalhos com a pesquisa, a universidade e a clínica para cuidar. Não tenho rotina fixa e gosto muito disso. O que se repete, toda manhã, é que para mim não tem vida possível antes de tomar café – e me refiro ao líquido, mesmo.

    Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?

    Até o momento, me reconheço melhor produzindo à noite. Pensei que isso fosse mudar com a maternidade, porque é preciso dormir mais cedo e acordar mais cedo para acompanhar o ritmo de um bebê ou de uma criança pequena. Mas não. Sigo sendo uma pessoa noturna.

    Há dois tipos de escrita presentes em minha vida e elas não acontecem do mesmo jeito, então devo me referir aqui a uma e a outra, constantemente.

    Para a escrita poética não tenho ritual algum. Escrevo em qualquer lugar, porque o texto me invade. Não escrevo por gosto, mas por uma espécie de necessidade.

    Para a escrita acadêmica antes eu tinha muitas condições. Precisava de silêncio e de muitas horas de estudo que antecedessem à escrita. Muitas mesmo. Fica 12, 14, 17 horas escrevendo, com mínimas pausas, geralmente orquestradas pelo meu marido, para comer, falar alguma banalidade, ir ao banheiro etc. E no outro dia recomeçava. Sentia como se, caso eu me envolvesse com alguma atividade para além da escrita, não poderia retornar a ela. Mas quando se tem um bebê não se é mais dono do seu tempo. E quando se tem uma criança pequena em casa, em plena pandemia, com os adultos trabalhando em casa, a castração força à reinvenção. Hoje eu escrevo em qualquer intervalo, mas precisa ser no computador, é melhor se tiver café e se eu não estiver no mesmo ambiente em que a minha filha.

    Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?

    Tenho um imenso prazer na escrita, então evito intoxicá-lo com obrigações superegoicas. Ter meta de escrita, para mim, seria desastroso. Então me limito a cumprir prazos. Quase sempre escrevo ali, no limiar do prazo. Quando tenho muito tempo para revisar, tenho tempo demais para destituir meu trabalho. É melhor quando PRECISO enviar. O tempo faz uma gentileza à castração.

    Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?

    Eu faço notas ao ler, mas não as retomo ao escrever. Acabo lendo tudo ou quase tudo (os grifos, especialmente) na hora de escrever. Então, tenho uma escrita acadêmica extremamente lenta, porque preciso estar relendo as coisas para poder escrever. Para mim, a escrita é uma consequência da leitura. Escrevo porque leio.

    Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?

    Dá-lhe castração! Escrever é um furo no narcisismo. Publicar é um rombo no narcisismo. Então é disso que se trata, de perder narcisismo, essencialmente. Escrevo para mim. Escrevo por necessidade, como eu já disse, é o meu modo de viver a vida, escrevendo. Publico porque me interessa fazer laços com as pessoas. Acho maravilhoso ter notícias do que as pessoas leem daquilo que escrevo. Lacan nos ensina que a relação sexual não existe. Barthes nos ensina que o leitor, ao ler, escreve um novo texto. E eu adoro encontrar com os textos que os leitores escrevem a partir do que leem daquilo que escrevo. Esses mal-entendidos na comunicação, esses furos na linguagem sobre os quais fazemos laços, são coisas que me encantam profundamente.

    Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?

    Isso varia muito. Mas de maneira geral, eu não mostro para ninguém o que escrevo. Publico do jeito que escrevi, mesmo. Por muitos anos, mais de oito, publiquei textos semanais em um coletivo chamado confraria dos trouxas. Raramente eu publicava sem que ninguém lesse e comentasse comigo o que escrevi. Nos últimos anos da minha participação, já não mostrava para ninguém. Tenho uma clareza cada vez maior de que eu escrevo para mim. Compartilho porque gosto de saber o que os outros leem a partir do que escrevi, mas escrevo porque preciso escrever e não para ser lida. Isso me encoraja bastante. Se eu escrevesse para ser lida eu certamente não teria publicado nada do que já escrevi. Não acho que as minhas ideias tenham alguma coisa de diferente da ideia da maior parte das pessoas. Eu gosto de escrever e sou um pouco ousada, é só isso.

    Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?

    De novo, tenho duas respostas.

    Na escrita poética eu escrevo em qualquer lugar. Mesmo. No computador, no guardanapo, no caderno, tanto faz. Claustrofobia, para mim, seria não ter onde ou como escrever. Preciso ter sempre algo à mão. Mas como acontece de estarmos quase sempre com o celular por perto, acontece de eu escrever no celular, com mais frequência. Tenho vários “grupos” de whatsapp comigo mesma, apenas. Geralmente é ali que eu escrevo.

    Na escrita acadêmica eu escrevo no computador. E se por acaso escrevo uma ideia que me passou rapidamente à cabeça no celular ou no papel, para não perdê-la, quando vou transportar a escrita acadêmica para o computador, não encontro serventia. Preciso de muita concentração e disciplina para a escrita acadêmica.

    De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativa?

    Minhas ideias vêm da vida. Não só a minha vida, mas do que penso ser a vida dos outros. Nesses tempos de pandemia eu sinto muitas saudades de sentar em um café, no transporte público, em um restaurante e ficar exercitando, sozinha, minha fantasia acerca da vida do outro. Recentemente descobri que os jovens chamam isso de fanfic. Sou uma fanfiqueira, por natureza. Adoro olhar uma pessoa estranha e imaginar sua vida, suas dores, seus segredos, seus amores. Escrever, para mim, é um modo de viver várias vidas, é um modo de engambelar a castração, que nos permite viver apenas uma.

    O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesma se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?

    Eu sempre escrevi para mim, e não para ser lida. Mas cada vez mais eu tenho clareza disso, do prazer que tenho por escrever e por compartilhar o que escrevo para as raras pessoas que me leem. Eu tenho muito mais leitores do que jáimaginei um dia na vida poder ter. Mas é engraçado isso, porque eu não me sinto lida. Na verdade publicar um texto é se livrar dele, é dizer para o outro, olha, é seu, tome como preferir. Então, se escrever é uma necessidade, publicar é uma libertação. Acho que eu era muito mais tímida antes, mais identificada ao que escrevia. Cada vez mais me separo do que escrevo.

    Quanto à segunda parte da pergunta é difícil responder… até porque eu não sei dizer quando comecei a escrever meus primeiros textos –  mas acho que foi antes de ser alfabetizada. Me lembro de quando criança bem pequena ficar sentada, em silêncio, inventando histórias na minha cabeça. Aprender a escrever foi uma libertação, um modo de me conectar a alguns outros. Acho que eu não teria nada a dizer para mim mesma, que eu já não soubesse naquele tempo. O máximo que eu diria é algo como “é isso aí”.

    Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?

    Tem uma coisa que eu gostaria muito de fazer na vida, que é escrever um romance. E publicá-lo! Compõe a minha fantasia tirar férias, um tempo de reclusão para escrever em um outro país, onde se fale uma língua estrangeira, onde eu seja uma estranha. E que eu esteja sozinha, substancialmente sozinha. Mas o que é estar sozinha, né? Estamos sempre sozinhos, mesmo que com os outros. É preciso estar sozinha para escrever. Eu pude ser sozinha desde muito cedo, embora nunca tenha sofrido disso.

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      Como escreve Gabriel Sanpêra

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      Gabriel Sanpêra é roteirista em formação e articulador cultural.

      Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?

      Eu acordo muito cedo e isso me ajuda muito em meus processos. Estou de pé geralmente às 7h e corro pra janela. Para ver a cidade e tomar um café.

      Após isso eu tento me atualizar sobre as notícias e tomo um enorme copo de café.

      Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?

      Eu trabalho melhor nas quintas e sábados.

      Deveria ser o contrário, porém no meio da semana percebo que minha mente está digerindo muitas coisas e expurgando outras também.

      Eu possuo uma mesa de trabalho para os compromissos do universo CLT e tenho uma mesa para escrita. Nela eu guardo meus elementos essenciais de escrita: O álbum de fotografia da minha bisavó, que me dá inspirações para meus escritos. Mapas mentais que utilizo quando quero criar o espaço onde ocorrem estórias.

      A fotografia é um elemento sempre presente em meus espaços de trabalho. Seja ela de um membro familiar ou encontrada em algum processo criativo.

      Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?

      Não possuo uma meta de escrita diária. Acredito muito que o bloqueio criativo não é um elemento presente para corpos diaspóricos. Pois em África, se pensa muito na pausa como um momento de cura e observação.

      Então gosto de escrever semanalmente, porém posso passar duas semanas sem escrever e isso está ocorrendo de forma mais tranquila nos dias de hoje.

      Já me cobrei muito em ter uma meta semanal e diária de escrita e vejo hoje que essa ansiedade possui um pé no mercado editorial e suas pressões.

      Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?

      Eu possuo um processo ligado a memória e observação.

      Possuo um álbum de fotografias que ganhei de minha bisavó. Descobri recentemente que ela escreve neste álbum, nas partes de trás e estou em um processo de descoberta dentro destas anotações.

      Então escolho uma fotografia e realizo um escrito recontando o que ocorreu numa outra perspectiva. A perspectiva de um observador que possui ligação ancestral e/ou familiar com os fotografados.

      Também gosto de retirar inspirações visuais. Então, recorro muito a vídeos e curtas de cinema também.

      Acredito que o escritor é um antropólogo.

      Eu inclusive li em uma revista que o artista é funcionário público e que sua obra está sempre em serviço.

      Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?

      Como disse anteriormente. O medo de não produzir já foi um elemento de tensão.

      Observava colegas postando todos os dias e ficava com certa ansiedade.

      Será que devo postar com foto?

      Será que devo investir mais em divulgação?

      Será que meu blog está bacana?

      Vejo que isso me causou muita ansiedade e hoje tento lidar com meu processo criativo de forma que eu sinta meu tempo respeitado.

      E nisso, digo que posso passar semanas sem escrever, porém acredito que o escritor, o artista não se desliga quando está em observação. E isso faz com que escrever se torne parte do processo absorvido.

      Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?

      Não mostro para outras pessoas.

      No início tinha uma pressa enorme em já publicar na internet e acabava por não revisar.

      Lembro de ser chamado por um amigo de Escritor de Facebook, e ele tinha me dito que o novo poeta do busão seria o escritor nos corredores da internet.

      Acredito que a revisão é muito importante. Também não dou descrédito para uma publicação com erros ortográficos.

      Pois isso diz mais sobre a formação de nossa língua e a imposição de uma normalidade linguística. Do que sobre capacidades.

      Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?

      Eu escrevo muito em meu celular.

      Meu primeiro livro foi escrito todo em meu telefone pois não possuía computador.

      De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativo?

      Sim.

      Eu sou um tanto nostálgico e repetitivo quanto as minhas referências.

      Sempre que estou desanimado ou alegre demais recorro a uma playlist que criei e nela possuo textos, vídeos, clipes musicais e filmes que me inspiram.

      Inclusive uma curiosidade é que sou fã de teasers. Adoro ver teaser de festival e coleciono os que gosto. Me inspira muito.

      Coleciono também muitas fotografias que gosto de observar para fazer estudos.

      O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesmo se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?

      Eu acredito que me ancorei demais no que o mercado acredita ser o ideal literário. Isso me afastou no início, em conhecer referências que estavam bem próximas e na mesma cidade.

      Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?

      Eu possuo uma pesquisa literária que quero transformar em livro que fala sobre comemorações de aniversário.

      É um complicado de poesias e fotografias de família que tenho carinho e por isso não consegui ainda concluir este processo.

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        Como escreve Elieni Caputo

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        Elieni Caputo é escritora, mestre em Literatura e Crítica Literária pela PUC-SP, autora de “Violência e brevidade” (Penalux, 2020), “Casa de barro” (Patuá, 2018) e “Poema em pó” (7Letras, 2006).

        Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?

        Embora eu seja relativamente organizada com minhas tarefas, nunca fui de estabelecer horários muito rígidos, a não ser quando isso era uma exigência de trabalho. Acabei de concluir o mestrado em Literatura e Crítica Literária na PUC-SP, e estava dividindo meu tempo pela manhã entre assistir às aulas e escrever minha dissertação e outros textos acadêmicos e literários, além de organizar a casa e cuidar dos meus gatos: tenho dois, Oscar e Esther.

        Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?

        Eu sempre preferi a noite, inclusive para escrever. A escuridão e o silêncio forneciam para mim uma espécie de limiar de apreensão, um locus de trânsito entre as palavras e a imaginação. Também gosto do crepúsculo, da cor e do sentido da transição das horas. Nunca fui muito afeita à manhãs, mas isso mudou radicalmente com a pandemia. Passei a ter hábitos mais diurnos, a escrever de manhã, a sentir uma clareza de raciocínio e a habilidade com a língua fluindo até melhor nesse período do dia. Então, atualmente eu acordo, tomo café e escrevo textos literários e acadêmicos.

        Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?

        Olha, essa meta eu crio mais para os textos acadêmicos. Acabei de finalizar dois artigos, um sobre Machado de Assis e outro sobre Hilda Hilst (já no prelo). Também estou finalizando uma autoficção, mas como ela foi construída num fluxo de pensamento que suplanta o tempo cronológico e até o subverte, não faz muito sentido eu estabelecer metas diárias de escrita. Mas isso não diminui meu grau de exigência e rigor com o que produzo. Sou bastante perfeccionista, até a exaustão se for necessário para alcançar o efeito que pretendo.

        Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?

        O tempo da minha escrita está entre o tempo (atemporal) do inconsciente e o tempo cronológico. Não sigo um padrão de livre associação ou de expressão sem critério, mas também não crio um esquema fixo e padronizado. Tenho uma escrita de limiar, pré-verbal, entre a imaginação e a linguagem, e eu preciso estar nesse entre-lugar para a tessitura da minha poética fluir. É claro que o domínio da língua, dos gêneros textuais, dos recursos estéticos e expressivos são importantes para a escrita, mas certo estado mental que propicia uma visão de si, do outro, do mundo e do próprio corpo com uma atenção especial ajuda na criação. No passado, era mais comum eu alcançar esse estado de limiar no período noturno, principalmente quando era muito jovem. Agora tenho mais domínio de minha escrita e até de minha imaginação, e consigo guiar melhor meu processo criativo; não fico à mercê da “tal inspiração.” Acredito que a criação espontânea sem a dimensão da alteridade não significa muita coisa: você sempre escreve para alguém; o outro nos habita mesmo na solidão. Para acessar o leitor, a técnica e o domínio da língua (não necessariamente da norma-padrão) são imprescindíveis.

        Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?

        Eu não sinto muitas “travas” em meu processo. Eu respeito o tempo da escrita, que pode não ser o meu tempo consciente. O tempo da publicação também segue uma lógica própria: às vezes você só começa a ser lido anos depois de ter criado expectativas sobre um texto, e é até engraçado quando você mal se lembra dele e as pessoas comentam (rsrs). O tempo da recepção pelo leitor costuma ser diferente do tempo da escrita, e a forma como ele ou um crítico percebem e avaliam seu texto muitas vezes transcende o que você pensou ao escrever; essa é a mágica da produção literária e aí reside grande parte de seu fascínio. Por exemplo, recebi uma crítica de um poema premiado em Portugal que, de tão bela e elaborada, criou sentidos que eu mesma não pensei ao escrever, ao menos não conscientemente.

        Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?

        A preocupação em revisar evoluiu muito com a maturidade. Publiquei meu primeiro livro com pouco mais de vinte anos de idade, o Poema em pó, pela 7Letras. O ímpeto, o imediatismo, a fúria jovem não possibilitavam naquele período ter a calma necessária para revisar. Não quer dizer que, por causa disso, os textos que produzi nessa fase não são bons: são bons a seu modo, pois o conteúdo urgente exigia uma forma de escrita também de urgência, mesmo que com erros. Sabemos que os erros são constitutivos da própria evolução da língua, então é melhor aceitá-los do que brigar muito com eles. Hoje tenho muito mais calma para revisar meus textos, reelaborar; penso mais na recepção, no leitor. Mostro a várias pessoas, geralmente próximas, antes de publicar. Com o tempo, deixamos de viver de urgências…

        Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?

        Até recentemente eu só conseguia escrever textos literários à mão, e depois os digitava. A minha criatividade estava atrelada ao movimento da escrita manual, mas recentemente houve uma transição, meu processo criativo inscreveu-se no meio digital e até lança mão de seus recursos – a autoficção que estou finalizando vai abarcar bricolagem de textos digitais e digitalizados…

        De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativa?

        As ideias às vezes vêm da angústia, do desconforto, porque a angústia é um afeto sem forma que quer virar linguagem. Minhas ideias não são minhas no sentido consciente do termo; são antes um ímpeto de linguagem que pode virar um livro; são algo latente que quer emergir e ser visto.

        O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesma se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?

        Tenho mais paciência para revisar meus textos, sou mais crítica, mais parcimoniosa na escrita, mas não daria lições para a Elieni muito jovem porque houve uma razão de ser do meu processo criativo mais cru do passado; ele inclusive é constitutivo do que me tornei hoje.

        Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?

        Eu estou cada vez mais aproximando a escrita acadêmica da dita criativa, procurando desfazer as fronteiras rígidas entre os gêneros textuais. Quero iniciar o meu doutorado sob tal elo entre o acadêmico e a fluidez do literário propriamente dito. O que gostaria de ler? Bem, estou curiosa pelas produções durante e pós-pandemia. Essa experiência terrível e dolorosa provavelmente se tornará um trauma coletivo, e a linguagem é um dos únicos meios de elaborar vivências assim. Nesse sentido, a linguagem nos salva, e a literatura dá nome ao que é feito só de dor…

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          Como escreve Mikka Capella

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          Mikka Capella é escritor, roteirista, editor, copidesquer e revisor.

          Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?

          Tenho sim. Antes de fazer qualquer coisa, vou para a cozinha e preparo um café. Esse passo é essencial para fazer meu espírito voltar ao corpo (risos). Costumo tomar café sozinho, porque, em geral, quando acordo meu companheiro já saiu para o trabalho; então assisto alguma coisa no YouTube, geralmente vídeos de canais sobre casos misteriosos, sobrenaturais ou de true crime. Isso acaba favorecendo meu processo criativo, também. Depois disso, alimento os peixes do meu aquário, vou para o computador e começo a trabalhar.

          Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?

          Não tenho nenhum ritual de preparação para escrever, mas, como bom taurino, não gosto de variações na rotina. Faço tudo quase sempre do mesmo jeito, então pode-se dizer que, de alguma forma, esse é o meu ritual. Eu sinto que começo a render mais no final da tarde e a noite é, em geral, a parte mais produtiva do meu dia. Por render mais, quero dizer que me torno mais resistente à procrastinação, o maior inimigo da produtividade de qualquer pessoa que trabalha com criatividade. Parece que todos nós, em alguma medida, sofremos de distúrbio de atenção!

          Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?

          Gostaria muito (ênfase no muito) de conseguir escrever todos os dias, mas não é isso o que acontece. No momento mesmo desta entrevista, já faz quase cinco meses que não consigo produzir um texto autoral. Acontece que, além de escritor, também sou editor, preparador (copidesquer) e revisor de textos. Quando estou com uma demanda muito grande de serviço (e esse tem sido o caso desde o final do ano passado), dificilmente consigo me concentrar em escrever. A escrita é um ofício meio ciumento. Quando estamos no processo criativo, é muito difícil desviar a atenção para qualquer outra coisa… Pelo menos é assim que funciona comigo.

          Então eu diria que escrevo melhor em períodos concentrados. Quando não tenho um prazo definido, relaxo com as metas diárias. Escritores experientes devem concordar que alguns dias, por alguma razão indeterminável, rendem mais do que outros; e tudo bem. Acho que cada parte de um texto tem ou deveria ter seu próprio tempo… Algumas vezes, porém, estou trabalhando com prazo, seja para cumprir o calendário de algum edital ou para entregar um texto encomendado. Nestes casos, preciso deixar um pouco de lado o processo mais orgânico de escrita e trabalhar com metas diárias mesmo.

          O último texto que escrevi assim foi Senhoras do Pássaro da Noite, uma aventura de RPG para o concurso ABEA, em outubro do ano passado. Quebrei alguns recordes pessoais escrevendo essa aventura, chegando a produzir cerca de vinte mil palavras em uma semana. Foi extremamente desgastante e estressante, mas, ao final, valeu a pena. Eu ganhei aquele concurso.

          Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?

          Acho que o processo de escrita de todo escritor profissional começa muito antes da escrita propriamente dita. Existe toda a coisa da pesquisa, que em alguns trabalhos pesará mais do que em outros, e da adequação à estrutura narrativa. Eu só começo a escrever quando já tenho todos os pontos principais da minha história bem definidos. Se for um texto mais longo, como uma novela ou romance, faço um planejamento detalhado dos capítulos, deixando muito bem definido o objetivo de cada parte do texto. Isso facilita demais no processo de pós-escrita (ou reescrita), que todo escritor profissional, igualmente, faz. Com isso tudo pronto, começo a escrever.

          Se tiver seguido cada etapa do processo direitinho, vou me sentir confiante e não acho nada difícil passar do planejamento para a ação. Na verdade, eu me eduquei a simplesmente sentar e escrever, sem me preocupar demais com a forma. Deixo isso para a pós-escrita, para a lapidação do texto.

          Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?

          A procrastinação é sempre um problema, como eu disse lá em cima (risos). Acho que todo artista lida com ela, em alguma medida. Jamais conheci um artista absolutamente concentrado. Por outro lado, se isso é tão comum assim, deve fazer parte do processo de alguma forma, certo? Desde que comecei a pensar desse jeito, fiquei em paz com a procrastinação. Acho que nossa mente precisa dessas escapadas, precisa ter tempo de fugir da pressão e ficar navegando entre as nuvens de pensamento, nessa espécie de suspensão existencial. Estou inclinado a crer que é por causa desses momentos que surgem as boas ideias.

          Quanto às expectativas, um dos meus sabotadores internos (acho que todos temos muitos) é a síndrome do impostor. Já ouvi muitas pessoas falando sobre isso, essa sensação persistente de não ser bom o bastante, não importa o que você faça… Nesse sentido, alguns dias são mais difíceis que outros. Às vezes a gente trava mesmo. Em geral, sou forte o bastante para continuar trabalhando apesar dessa sensação e celebro cada resultado bem-sucedido, transformando-o em um argumento para a discussão interna que inevitavelmente acontecerá quando a sensação surgir outra vez. Isso tem dado certo para mim: fazer o que faço porque gosto de fazer e me orgulhar das minhas conquistas.

          Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?

          Antes de considerar um texto pronto, ele passa por, pelo menos, uma autoedição e uma revisão. É o que chamamos de pós-escrita ou reescrita. Ao terminar a primeira versão, eu fecho o arquivo e deixo ele descansar por, no mínimo, uma semana; algumas vezes mais. Tento não pensar nele nesse período, vou fazer outras coisas. Finalmente, quando o pego novamente, estou com a visão clara e desprendida o bastante para encontrar tudo o que não funciona e o que poderia funcionar melhor — é a autoedição. O que não funciona ou está sobrando no texto, muitas vezes dando aquela sensação de lombada, é excluído; o que poderia funcionar melhor é reescrito; neste processo, palavras são substituídas, verbos mudam de tempo, advérbios e adjetivos desaparecem, enfim, é feita uma engenharia do texto, um trabalho de lapidação. Por fim, procedo à revisão propriamente dita, lendo o texto todo novamente, algumas passagens em voz alta, caçando erros de digitação, inconsistências, problemas ortográficos e gramaticais… Quando termino essas duas etapas, já posso mostrar o original para outras pessoas.

          Meu companheiro é meu leitor beta oficial e eu levo muito a sério a opinião dele. Quase todos os meus textos tiveram alguma modificação sugerida por ele, que também dá uma mãozinha na revisão ortográfica e gramatical. Depois disso, mando o texto para a editora e para a revisora, nesta ordem. Sim, o texto considerando pronto ainda pode ser melhorado e nada, absolutamente nada substitui um olhar profissional. Só com essas duas etapas completas, começo a preparar diagramação, capa e publicação… para minhas publicações independentes, quero dizer. Quando estou trabalhando para alguma editora, essa parte, bem como a edição e revisão por outros profissionais, é com eles.

          Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?

          Minha relação com a tecnologia é pacífica (risos). Não sou resistente, mas também não se pode dizer que seja um entusiasta. Uso bem as ferramentas tecnológicas. Ser um profissional do texto, hoje, exige isso de nós. Por outro lado, não estou antenado às últimas novidades em termos de software e fico um pouco irritado quando as novas versões do Word travam mais do que as antigas…

          Apesar de achar o e-reader uma inovação revolucionária, ainda sou apegado ao livro de papel. Gosto do cheiro, da sensação tátil e da experiência. Além disso, costumo fazer meus rascunhos à mão primeiro; só depois passo a escaleta para o computador e imprimo, para ter ao meu lado enquanto estou escrevendo. Acho que fica mais organizado assim, porque minhas anotações manuscritas costumam ser uma bagunça.

          De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativo?

          Minhas ideias vêm de toda parte. Eu costumo assistir a vídeos de certos canais no YouTube, como disse lá em cima, bem como ler livros sobre casos afins ao gênero em que mais escrevo (horror). Consumir boas produções também fomenta a inspiração e estou sempre procurando coisas novas e boas, seja no universo dos livros, dos filmes, das séries, das HQs ou dos jogos eletrônicos. Minhas ideias, contudo, continuam vindo de toda parte.

          Sépia, a bruxa de Jaqueiral, por exemplo, nasceu de um desafio. Meu companheiro me desafiou a escrever uma história de bruxas realmente assustadora e essa foi a primeira semente. A Canção do Rochedo, minha última noveleta para o Kindle, veio de uma conversa com amigas escritoras. Minha próxima noveleta, O Cemitério dos Insepultos, veio de um sonho… Enfim, ser escritor é estar sempre atento, porque nunca se sabe de onde a próxima história virá!

          O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesmo se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?

          A profissionalização foi a maior mudança, seguida bem de perto pela experiência. Escrevi meu primeiro romance em 2001, quando tinha apenas 19 anos. Foi o ano em que as Torres Gêmeas caíram, por isso é inesquecível… Eu havia lido um livro de Anne Rice (que até hoje é uma de minhas maiores referências literárias), A Rainha dos Condenados, e me apaixonado definitivamente por literatura; então resolvi escrever minha própria história.

          O resultado foi um romance de aproximadamente trezentos e cinquenta páginas, até que bem escrito, mas muito mal feito (porque, sim, são coisas diferentes). Foi uma coisa orgânica, intuitiva, sem nenhuma noção de estrutura de enredo e fluxo narrativo. Muitas pessoas começam e escrever assim; e hoje, com o advento da autopublicação, muitas pessoas começam a publicar assim também. Ainda tem muita gente pensando que escrita é uma espécie de dom ou dizendo falácias como “arte não tem regra”. Ora, o que arte mais tem é regra! Sem as noções básicas, no mínimo, ninguém pinta um quadro, faz uma escultura nem escreve um livro.

          Costumo dizer que escrever bem é o resultado do casamento perfeito de um trisal — muita leitura, muito estudo e muita prática de escrita. Ninguém chega a ser um escritor decente se não for um voraz consumidor de livros, se não se interessar por aperfeiçoar as próprias habilidades e, finalmente, se não praticar a escrita, porque a gente melhora a cada dia.

          Então, se pudesse voltar no tempo e dizer alguma coisa a mim mesmo, seria: “seja humilde e não desista. Você tem futuro, mas também tem um longo caminho pela frente.” Felizmente, ainda estou neste caminho.

          Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?

          Sabe o romance que mencionei ter escrito em 2001? Tenho o projeto de reescrevê-lo, desta vez do jeito certo. Infelizmente, por causa de outros projetos que foram surgindo, ainda não consegui começá-lo. Quer dizer, já fiz a pesquisa e uma parte da escaleta, mas falta alguma coisa antes de poder me sentar e começar a escrever. Romances são como maratonas, exigem fôlego; mas ainda vai chegar a hora dele… e espero que não demore. Também espero que, ao final, seja exatamente o livro que quero ler, mas ainda não existe.

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            Como escreve Priscila Carvalho

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            Priscila Carvalho é escritora, coautora de “Negras Crônicas” e “(Re)existência”.

            Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?

            Bom, ao acordar eu procuro ter uma conexão com a minha espiritualidade para agradecer por mais um dia, sobretudo, nesses tempos pandêmicos. Em seguida, me levanto, bebo água, me alimento e inicio minha rotina de trabalho checando os e-mails.

            Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?

            Eu funciono melhor a noite. É o momento do dia que as ideias fluem com mais tranquilidade.

            Não tenho um ritual específico para escrever. Eu chamo meu processo criativo de “trabalho de parto”. Quando alguma ideia me vem à cabeça e ali vai sendo gestada, eu sinto uma inquietação intensa até o momento do parto, que é a escrita propriamente dita. Não há uma regra, só busco estar conectada comigo mesma para continuar gerando e parindo escritos.

            Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?

            Meus textos costumam vir de uma vez só, em períodos concentrados.

            Eu gosto de deixar a minha criatividade livre, exceto quando estou envolvida em um projeto com prazos. Nestes casos, sim, eu estabeleço metas de acordo com a data de entrega e o tamanho do texto final.

            Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?

            Já tive processos de escrita bastante complexos em que as ideias pareciam não ser traduzíveis em palavras. Porém, na maioria das vezes, há uma fluidez entre a inspiração e a construção textual que torna o processo tranquilo e prazeroso. Escrever é um momento de deleite, de liberdade, de criatividade. Faço o possível para não perder estas sensações durante as minhas produções.

            Sobre as pesquisas, eu procuro concentrar o máximo de informação possível e depois faço uma triagem focando no que de fato será útil para aquele trabalho. A partir daí eu vou trançando as minhas ideias com os materiais de pesquisa até que o produto seja um texto coeso.

            Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?

            As travas são bastante comuns, principalmente em projetos de escrita acadêmica ou com temas muito específicos e fechados. Com as travas, a procrastinação acaba sendo uma consequência, uma fuga daquele momento de tensão. O medo de não corresponder é o passo seguinte, mas, tento fazer deste medo algo desafiador e não algo que vá me paralisar.

            Para interromper este ciclo de bloqueios criativos, quando as ideias se esgotam eu busco me afastar daquela escrita por um período curto, porém, procuro leituras que tenham alguma relação com o tema. Estas leituras costumam trazer insights importantes para a retomada do texto.

            Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?

            Eu sou a minha maior crítica. Só divulgo um texto se eu de fato gostar dele. Por isso, os textos são revisados algumas vezes antes de serem publicados ou submetidos à alguma seleção. Meu processo de escrita é bastante individual. Até que estejam prontos, não costumo mostrar meus escritos para ninguém.

            Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?

            De modo geral, as primeiras ideias eu anoto no bloco de notas do celular. Eu sou uma pessoa muito conectada ao virtual, trabalho com isso, portanto, minha escrita também se dá através destas ferramentas tecnológicas.

            De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativa?

            A minha maior fonte de inspiração é a minha essência enquanto mulher negra e a minha ancestralidade africana, incluindo aí a cultura, as tecnologias, os sistemas espirituais. Escrevo também sobre a perspectiva das relações étnico-raciais, ou seja, denunciando o racismo que estrutura a nossa sociedade e seus desdobramentos. Porém, é importante salientar que, embora eu e tantos outros escritores negros façamos questão de trazer as nossas narrativas para nossos textos, nós não falamos apenas sobre racismo ou sobre cultura africana. Tenho escritos sobre muitos outros temas, inclusive, pesquisas acadêmicas. Eu escrevo sobre tudo aquilo que me toca.

            Não tenho um conjunto de hábitos para me manter criativa, mas diria que ler e estar atenta aos detalhes da vida rendem bastante material.

            O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesma se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?

            Eu costumo dizer que nasci escritora. É mais do que uma atividade profissional, é parte de quem eu sou.

            Meu primeiro texto publicado foi em 1999, eu tinha nove anos de idade.

            Na infância eu tinha uma escrita bem lúdica. Gostava de escrever sobre a natureza e suas cores, nuances e como aquilo me tocava.

            Com o passar dos anos, minha escrita se tornou mais crítica, mais política, mas, sempre conectada com a minha essência.

            Escrever, para mim, é um exercício político, além de um processo terapêutico. Neste sentido, produzo também para atender a esta minha demanda de me posicionar, de ter voz, de fazer ecoar as minhas impressões. A escrita é um grito.

            Se eu pudesse dar um conselho para aquela Priscila de nove anos de idade que escrevia suas primeiras poesias, diria: confie no seu talento e continue.

            Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?

            Tenho dois objetivos literários bem claros na minha mente. Um deles é o meu livro solo, no qual eu pretendo reunir meus contos e poemas e o outro é fazer parte do Cadernos Negros, pela importância histórica que este projeto tem para a visibilização de escritores negros brasileiros.

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              Como escreve André Giusti

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              André Giusti é escritor e jornalista, autor de “Voando pela noite (até de manhã)”.

              Como você organiza sua semana de trabalho? Você prefere ter vários projetos acontecendo ao mesmo tempo?

              Não há de minha parte uma organização muito engenhosa não. Procuro apenas ter um horário do dia, nem que seja meia hora, para trabalhar no livro que escrevo. Dependendo do momento, esse horário pode ser de manhã, depois do almoço, meio da tarde ou início da noite. Trabalho em apenas um livro, o que já me parece bastante.

              Ao dar início a um novo projeto, você planeja tudo antes ou apenas deixa fluir? Qual o mais difícil, escrever a primeira ou a última frase?

              Há uma mistura de planejamento e de fluição. Não há como prever exatamente tudo o que você colocará em um livro, mas também não há como fazer tudo ao sabor do vento. O mais difícil é entreter o leitor, seja no início, no meio ou no fim.

              Você segue uma rotina quando está escrevendo um livro? Você precisa de silêncio e um ambiente em particular para escrever?

              Preciso de um local em que eu possa me concentrar. Já escrevi até em praça de alimentação de shopping (claro que em um horário mais vazio). Antes da pandemia eu fazia isso. Punha fones com música de relaxamento e mandava ver, nem via o que estava a minha volta. O silêncio, ou essa condição da música que me levava à concentração, são importantes, bem como um local em que eu fique em uma postura adequada e confortável em relação ao computador.

              Você desenvolveu técnicas para lidar com a procrastinação? O que você faz quando se sente travado?

              Quando você adquire a disciplina de escrever todos os dias, raramente você “trava”. Pode não haver uma fluição 100% em todos os dias, mas algo, nem que seja um parágrafo, sairá.

              Qual dos seus textos deu mais trabalho para ser escrito? E qual você mais se orgulha de ter feito?

              Os contos deram sempre mais trabalho dos que os poemas, e agora o romance, o meu primeiro, está me exigindo muito, há alguns anos, inclusive (estou na 3ª e última versão, pois escrever é reescrever). Gosto muito de três livros meus, de contos, que em minha opinião formam uma trilogia: A Solidão do Livro Emprestado (que está n 2ª edição, pela Penalux), A Liberdade é Amarela e Conversível (que ganhará por agora uma 2ª edição da 7Letras) e A Maturidade Angustiada (Penalux, 2017). Acho que neles obtive um bom resultado.

              Como você escolhe os temas para seus livros? Você mantém um leitor ideal em mente enquanto escreve?

              Escolho para escrever o que vivo diariamente, esse é o tema da minha literatura: homens de cidades grandes, acuados entre a rotina e o sonho, entre a necessidade de lutar e a vontade de fugir. Quem se identificar com isso, será meu leitor.

              Em que ponto você se sente à vontade para mostrar seus rascunhos para outras pessoas? Quem são as primeiras pessoas a ler seus manuscritos antes de eles seguirem para publicação?

              Me sinto à vontade para mostrar quando eu gostei do que escrevi. Geralmente quem lê primeiro minhas coisas são pessoas do meu círculo íntimo.

              Você lembra do momento em que decidiu se dedicar à escrita? O que você gostaria de ter ouvido quando começou e ninguém te contou?

              Não houve um momento. Quando vi, estava me dedicando. Gostaria de ter ouvido “Olha, vai ter um bando de mala dizendo que não vale a pena escrever porque ninguém lê nesse país. Cague solenemente para eles. Escreva se achar que é o que você precisa fazer na vida”.

              Que dificuldades você encontrou para desenvolver um estilo próprio? Algum autor influenciou você mais do que outros?

              Vários autores me influenciaram e influenciam até hoje. Tenho relido muito Bukowski para escrever meu romance. Essa coisa de estilo próprio… um bom batedor de falta só será um bom batedor de falta se ele treinar bater falta todos os dias. Sem trabalho você não encontra nada, nem seu estilo.

              Que livro você mais tem recomendado para as outras pessoas?

              Os meus (rs). Há muita coisa boa para recomendar (muita coisa também que dizem ser espetacular, mas que, em minha opinião, deixa um gosto de ‘ué, era isso?’). Como estou fazendo uma releitura da obra dele, recomendo O Amor é um Cão dos Diabos, de Charles Bukowski. Poesia cortante, como deve ser.

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                Sobre o editor

                José Nunes é editor da Colenda.

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