Como eu escrevo

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Como escreve Elisa Pereira

21 de janeiro de 2021 by José Nunes

Elisa Pereira é poeta e escritora, autora de “Memórias da Pele” (Chiado Books, 2018) e “Sem Fantasia” (Venas Abiertas, 2020).

Crédito: Lee de Paula

Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?

Sou assistente administrativo em uma ONG, ainda em tempo integral, então minha rotina não começa com literatura. Eu tomo banho e uma boa xícara de café preto para acordar e enfrentar o dia.

Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?

Penso que trabalho melhor, ou seja, rendo mais no que eu proponho a realizar no período da tarde e a noite. Fico bem inspirada também durante as madrugadas. Ainda não tenho nenhum ritual de preparação para escrita. Ela acontece dentro de mim enquanto eu preparo o café, lavo a louça, respondo o email da minha chefe, penso no que vou cozinhar para o almoço e nasce um verso.

Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?

Escrevo em períodos concentrados. Já tive metas, meu último livro saiu depois de um compromisso comigo mesma de escrever um conto por dia.

Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?

Eu publiquei dois livros, um de poesia, Memórias da Pele e um de contos Sem Fantasia, foram processos desenvolvidos dentro do conceito que a escritora Conceição Evaristo, cunhou de escrevivência, são narrativas baseadas nas minhas próprias vivências. Mas acredito que a escrita passa por fases, e a fase da pesquisa está chegando.

Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?

Ao menos na escrita eu ainda sou minha própria chefe, então não sofro nenhum tipo de pressão para terminar um trabalho. Eu mesma crio minhas expectativas e também me frustro muitas vezes, mas penso que faz parte. Sou bastante ansiosa e não gosto de projetos longos demais.

Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?

Reviso dezenas de vezes, sempre mostro para no mínimo uma 05 ou 06 pessoas de diversos seguimentos, mostro para um amigo que é professor de português, para outro que escreve bem, para outro que é viciado em leitura, para outro que me conhece há muito tempo…enfim, gosto de obter opiniões variadas.

Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?

Até hoje sempre à mão. Meu último livro está todo rascunhado em um caderno de capa dura. Me sinto melhor assim. Talvez possa mudar com o tempo, vamos ver.

De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativa?

Eu vejo filmes, séries, ultimamente tenho assistido muitas “ aulas” no youtube de muitos filósofos, sociólogos, mestres da literatura, escuto muita música, enfim, mas continuo apostando na leitura, leio bastante, e gostaria de ler mais.

O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesma se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?

Acho que antes eu escrevia muito por escrever, sem um compromisso com o “ outro”. Escrevia para mim. Hoje penso que escrevo para ser lida, e isso muda muita nossa postura como escritor.

Diria a mim mesma: Você pode!

Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?

Quero “ parir “ um projeto que é uma mistura de música digital e poesia.

O que pretendo escrever em 2021.

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Como escreve Marcelo Labes

21 de janeiro de 2021 by José Nunes

Marcelo Labes é poeta e escritor, autor de “Paraízo-Paraguay” (Caiaponte, 2019), romance vencedor do Prêmio São Paulo de Literatura em 2020.

Como você organiza sua semana de trabalho? Você prefere ter vários projetos acontecendo ao mesmo tempo?

Eu acho que não sei lidar com tempo livre. Mesmo enquanto escrevo um romance preciso fazer diversos outros trabalhos para conseguir dinheiro (desde revisão de trabalhos acadêmicos a edição de livros, desde leitura revisão crítica de livros a algum eventual ghost-writing que me aparece), então me acostumei com a bagunça. Sorte é ter tempo e tranquilidade para escrever o que eu quero. Em geral, é tudo ao mesmo tempo.

Ao dar início a um novo projeto, você planeja tudo antes ou apenas deixa fluir? Qual o mais difícil, escrever a primeira ou a última frase?

Cada projeto é um projeto, então acho que não é possível responder genericamente. Paraízo-Paraguay foi escrito sem projeto. Eu sabia de onde partir, mas não tinha ideia de onde chegar. Talvez isso tenha a ver com o fato de ser um romance de memória mais que um romance histórico. Mesmo a questão da Guerra do Paraguay foi surgindo na história conforme ela era escrita. Três porcos, meu segundo romance, já foi bem melhor planejado. Desde o início, eu sabia onde queria chegar, sabia que o romance culminaria na vingança do personagem, e precisava guiar a história até aquele final. Na verdade, escrevo sem fórmula. Como cada projeto é único, e é preciso saber que estratégia utilizar em sua escrita.

Você segue uma rotina quando está escrevendo um livro? Você precisa de silêncio e um ambiente em particular para escrever?

Escrevo no meu “escritório”, que é também a sala de estar do meu apartamento. Como não há mais cômodos além do quarto e da cozinha, preciso escrever aqui, não tenho saída. Gosto de ouvir música enquanto escrevo. Mas também depende. Tenho pra mim que há momentos distintos na escrita de um romance. Há momentos que exigem muita concentração, e durante a escrita desses prefiro o silêncio. São aqueles momentos gozosos, quando eu penso que estou escrevo algo importante. E há os momentos de escrita protocolar, como chamo, que são os caminhos que a história toma até alcançar novamente um ápice, outro gozo, e nesses momentos gosto da distração da música.

Você desenvolveu técnicas para lidar com a procrastinação? O que você faz quando se sente travado?

A técnica mais importante é lidar com a culpa. Tenho formação cristã protestante. A culpa, aqui, sempre tem a ver com trabalho: é preciso trabalhar, é preciso trabalhar, é preciso trabalhar… Para lidar com isso, passei a pensar que mesmo quando não estou trabalhando de fato, ou seja, sentado à mesa escrevendo, estou juntando material para escrever. E isso vai além de ler, pesquisar, imaginar que rumos tomar na história. Enquanto escritor, e talvez por conta da poesia, decidi que estou trabalhando mesmo que esteja distante do texto. Porque descobri (ou passei a acreditar) que o momento final de escrita, quando sento diante do computador para digitar palavras, ocupa o menor tempo na construção da história. O romance acontece durante o dia, enquanto vou ao mercado, aos correios, ao banco; enquanto caminho a esmo pelo centro da cidade; enquanto encontro um amigo para tomar café. Nesses momentos todos, estou pensando no que escrevo, ainda que não tenha consciência disso no momento. Mas enquanto não estou de fato escrevendo, estou pensando nele (ou minha cabeça está), e se há algo ainda não resolvido a respeito do que fazer ou do que evitar, não é preciso ficar somente diante do computador encarando o texto. É possível deixar o texto quieto e ir fazer outras coisas, porque a cabeça, essa nunca se aquieta.

Qual dos seus textos deu mais trabalho para ser escrito? E qual você mais se orgulha de ter feito?

Depende o tipo de trabalho de que falamos. Paraízo-Paraguay deu trabalho no encadeamento das épocas, na continuidade de personagens, nos registros de épocas distintas, pois se trata de uma história que percorre mais de 130 anos. Então foram muitas anotações, muitos cálculos, muita coisa reescrita porque havia calculado mal a idade de uma personagem em tal e tal momento. Três porcos, por sua vez, me custou a sanidade. Diferente de Paraízo-Paraguay, Três porcos é um romance confessional, uma autoficção em que são debatidos temas como a formação da masculinidade num homem abusado sexualmente quando criança e a formulação de uma possível vingança contra seus abusadores. A escrita de Três porcos quase me custou minha sanidade, porque me levou a situações das quais eu consegui me manter distante por todos esses anos. No entanto, precisava falar sobre isso, precisava desenterrar esses fantasmas. Então, novamente, cada romance é um romance; aqui, falo de dois livros complemente diferentes tanto em linguagem como em propósito. Acho que me orgulho dos dois por razões distintas: Paraízo-Paraguay não fala por mim, mas por um povo, representa os descendentes de teuto-brasileiros e suas famílias, traz à tona questões caras ao conservadorismo sulista, como a escravidão, o genocídio indígena, a pobreza e a ignorância desse povo de olhos azuis, e ainda a participação de imigrantes na Guerra do Paraguay. Já Três porcos fala de pedofilia e vingança, e representa muitas pessoas abusadas durante a infância, homens e mulheres, e que tiveram suas vidas esculhambadas por isso. São pesos diferentes, são trabalhos diferentes, e são diferentes formas de orgulho.

Como você escolhe os temas para seus livros? Você mantém um leitor ideal em mente enquanto escreve?

Antes, penso se vale a pena. Se terá algum valor para além do meu ego. Se ensinará algo a alguém. Se poderá servir para um encontro ou se poderá permitir uma busca por quem o ler. A partir disso, dessa “descoberta” (o livro servirá para isso ou aquilo) empreendo a escritura já sem pensar onde quero chegar, porque o que de maior existe por trás do livro já está definido. Então, não escrevo em busca de algo, pois esse algo já foi pré-definido. O que não quer dizer que o livro se limite ao que eu defini previamente como um objetivo. Às vezes, ocorre de o livro alcançar outros lugares, e isso passa também pela experiência de leitura que se faz dele, depois.

O leitor ideal sou eu mesmo, em geral. Primeiro, porque minha autocrítica e minha insegurança quase me fazem desistir de meus projetos enquanto eles ainda estão em andamento. Então escrevo para mim, pensando se eu gostaria de ler aquilo que vai ali sendo escrito, se seria uma boa experiência de leitura. Não quer dizer que ignore as pessoas à minha volta, mas o papel delas virá depois, quando o livro começar a ser lido ainda no original, e criticado, e revisado. No momento do ato, prefiro não pensar em quem não está aqui. E quem está aqui sou sempre eu.

Em que ponto você se sente à vontade para mostrar seus rascunhos para outras pessoas? Quem são as primeiras pessoas a ler seus manuscritos antes de eles seguirem para publicação?

Depois da última palavra, no primeiro final. Digo “primeiro” porque o texto nunca fica pronto, sempre há o que refazer, reescrever, editar etc. Mas há um cansaço aí, também. Então quando coloco o ponto final no que me parece ser o último capítulo, sinto segurança para mostrar a primeira versão a amigas e amigos escritores (que vou nominar por amor e respeito: Amanda Vital, Daiane Oliveira, Caio Augusto Leite, Carlos Henrique Schroeder, Eduardo Sens, Gustavo Matte, Juliana Maffeis, Matheus Guménin Barreto e Rodrigo Sarubbi, principalmente).

Você lembra do momento em que decidiu se dedicar à escrita? O que você gostaria de ter ouvido quando começou e ninguém te contou?

Eu escrevo desde cedo, publiquei meu primeiro livro de poemas em 2008. Comecei a escrever “profissionalmente” quando vim morar em Florianópolis; primeiro, escrevendo memoriais familiares sob encomenda. Depois foi que comecei a escrever Paraízo-Paraguay e, em dado momento, quando não tinha dinheiro para o aluguel ou as contas todas e continuei escrevendo o livro, foi ali que vi que tinha virado mesmo escritor. Como se se tratasse de uma decisão diante da vida, algo como “ou arrumo um emprego formal, de carteira assinada, ou termino de escrever essa história”. Terminei de escrever o livro, montei minha editora, e agora vivo de ler, editar, revisar e escrever – quando sobra tempo para isso.

O que ninguém me contou é que o glamour em torno da literatura é uma farsa; não há nada de sublime, como faz crer certa parcela blasé de escritoras e escritores. A escritura é uma profissão como as outras. Tem suas peculiaridades, claro, mas tem suas dificuldades também. E disso, das dificuldades, pouca gente fala ou tem coragem de assumir.

Que dificuldades você encontrou para desenvolver um estilo próprio? Algum autor influenciou você mais do que outros?

Diz Marcelo Mirisola em uma entrevista ao Antonio Abujamra que é preciso permitir que autoras e autores que lemos e de quem gostamos falem através de nós, naturalmente, porque em algum momento essas vozes vão silenciando, e o que resta é o nós mesmos temos a dizer. Acredito nisso. Tanto que enquanto escrevo meus livros não leio nada parecido com o que estou escrevendo. Prefiro ler outras coisas, em outras linguagens – porque ler é necessário, sempre –, para que essa leitura não interfira diretamente no meu processo de escrita. Trago comigo os autores que me formaram enquanto leitor: Sartre, Camus, Saramago, García Márquez, Cony, Godofredo de Oliveira Neto e o próprio Mirisola; mas também trago os nomes de escritoras e escritores que me formam ainda, porque essa constituição não termina nunca: Amanda Vital, Samantha Abreu, Anne Karine, Maria Valéria Rezende, Micheliny Verunschk, Mar Becker, Gustavo Matte, Caio Augusto Leite, Marcelo Pierotti, Matheus Guménin Barreto e mais um monte de gente importante.

Que livro você mais tem recomendado para as outras pessoas?

Desde que terminei a leitura de Do lado de dentro do mar (Patuá), de Daniela Stoll, tenho exigido que as pessoas à minha volta o leiam. Este é o romance de estreia de Daniela e foi finalista do Prêmio São Paulo de Literatura em 2019. É um livro de estreia de uma autora que parece fazer isso há muito, muito tempo. Também tenho dito às pessoas para lerem Coração fodido (Caiaponte), do poeta Heyk Pimenta. Sobre o Heyk, de quem sou fã, nem falo nada. Mas sobre o livro que ajudei a editar, esse Coração fodido, morro de orgulho de tê-lo ajudado a vir ao mundo.

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Como escreve Fernanda Senna

21 de janeiro de 2021 by José Nunes

Fernanda Senna é poeta, fonoaudióloga e palhaça.

Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?

Tomando café da manhã. Não sou uma pessoa digna de convivência antes disso, não vejo motivos para alguém acordar sorrindo e cantando. Acho lindo, pros outros.

Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?

Os textos chegam, sabe? Em qualquer lugar, ao longo do dia, a partir de uma imagem, de algo que alguém disse, de uma história. Daí eu registro aquilo. Às vezes tenho a disciplina de recuperar – geralmente no fim do dia ou à noite – e trabalhar sobre até que vire algo. Outras, esse material fica dormente e pode ou não ser resgatado depois, como num banco de ideias. Infelizmente, inúmeras vezes esses textos ficam tanto tempo guardados que quando emergem já não acho que sirvam… Mas uma coisa que aprendi é ter uma rotina de escrita que me exija sentar e escrever, senão todo dia, quase.

Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?

Como a escrita não é meu único trabalho, passei a criar momentos para isso. Prefiro escrever em jatos, e aproveitar quando a ideia chega pra ir burilando, mas quando você passa dias sem escrever, quanto menos escreve, passa a escrever menos ainda. Escrever é trabalhoso, exige um tempo dedicado para isso e a gente às vezes tende a evitar. Conclusão: nenhuma, porque escrever sempre é ótimo, mas se vira uma obrigação sufocante, deixa de te deslocar para lugares novos; concentrar a escrita é incrível mas também pode te prender a uma escrita monotemática. Conclusão da conclusão: talvez seja se lançar a novas provocações sempre que possível, mais que definir um método de escrita ou método: não há método.

Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?

Quando algo me desperta pra escrita, é puro desejo: eu quero escrever sobre, é prazeroso escrever. Por isso, acabo ficando mais feliz com o que escrevo no contato com aquilo que me fez querer escrever – ou o mais perto disso. O que me move pra escrita é o acontecimento, ele próprio vai se configurando como pesquisa e muito rápido as coisas acontecem na minha cabeça. Naturalmente, desse caos de dentro pro caos no papel, muita coisa não consegue sair ou se perde, e aí é que está a criação: a escrita deixa de ser descrição do acontecimento (e me refiro a qualquer acontecimento – os pelos no ralo do banheiro, o rabo do cachorro, um bebê sujo ou a morte) e passa a ser criação, uma invenção do real, uma interpretação autoral.

Ler muito, ouvir poetas e estar nos saraus, participar de oficinas de escrita e coletivos de trabalho compõe o arsenal de pesquisa, o arquivo: como um bibliotecário isso te permite conexões, dialogar seu material, ter novas ideias antes e a partir do texto.

Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?

Não sei o que é um projeto longo, nunca deixei sequer o cabelo crescer, próxima pergunta.

rs…

Gosto da intensidade da escrita e projetos mais longos são um desafio pensando em como manter o máximo dessa potência. Projetos mais longos tendem a ter momentos mais em baixa e é um grande desafio manter-se interessado. E se você perde o interesse em escrever algo, isso também deixará de ser interessante pra alguém ler ou ouvir. Pra manter o tesão pelo que você está escrevendo, manter aquilo vivo, mostrar pras pessoas, ouvir suas percepções, pedir leituras em voz alta (outras vozes nesse texto), se aventurar em provocações inusitadas podem ser bons auxílios. Exemplo: quando não sai mais nada, escolho um exercício bem simples de destravamento como escrever sobre um objeto ou cor, ou usando uma mesma letra inicial ou som final, ou escrever por um determinado tempo sem pensar podem gerar pílulas preciosas de novas ideias que tiram você e seu texto da chatice ou do vazio. Às vezes nada disso funciona, você se obriga a escrever e tem que trabalhar essa tranquilidade iogue de que não será o melhor texto da sua vida, quem sabe o próximo e fim.

Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?

Pensei muitas vezes antes de escrever: eu odeio ler o que eu escrevo antes de terminar, o que pode ser um problemão, mas eu amo que as pessoas leiam. Pode parecer um pouco sacana, porque no fim eu uso as pessoas como revisoras, rs, mas a verdade é que cada leitura alheia traz tanto oxigênio que penso que as minhas revisões iniciais são em vão. Já pensei a fundo sobre isso e acho que tem um pouco a ver com permitir que minha neurose não sufoque os atos falhos, aquilo que chamamos de erro. O erro na escrita é valioso, é pura polpa, e é importante olhar para ele não como um professor de português, mas como uma criança.

Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?

Eu adoro o papel!. Eu gosto do cheiro do papel, das texturas, das cores, acho que a plataforma diz muito sobre o que estará disposto ali. Então costumo ter sempre papel comigo e uso papéis pra escrever em casa. Mas a coleta de acontecimentos geralmente não permite essa pausa, esse tempo pra criar o cenário, um ambiente para a escrita. Além disso, anotar tudo só no papel é perigosíssimo. Passei a usar ferramentas no celular pra registro no dia a dia, tipo escrever no messenger, assim tudo já fica salvo. Desorganizado, mas salvo, rs. Depois criei meu próprio grupo no whatsapp, é mágico, escrevo pra mim mesma e envio áudios com mais facilidade. Porque às vezes a palavra chega não sob a forma de texto, mas chega como fala e gravar faz toda diferença. Na hora de reunir tudo, se sinto que preciso do papel, vou pra ele e depois volto pro computador. Acho que pra começar um projeto ou também pra acrescentar novos elementos, poder manipular o papel, sentir o peso da caneta ou do lápis, explorar outros jeitos de escrever ou ler um texto, outras posições é bem legal. A pergunta era sobre relação com tecnologia e eu tô aqui quase defendendo o kama sutra do papel.

De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativa?

Tá tudo aí, é só a gente estar atenta. E forte, não é trocadilho: os acontecimentos são de uma profundidade difícil de lidar. E profundidade não no sentido subjetivo de algo que nos toca fundo, mas no sentido de algo raro, denso como uma experiência única a cada vez. Quero dizer: aquilo que acontece, só acontece daquela forma pra mim, naquela única vez. Então eu tento estar sempre atenta, de ouvidos e olhos bem alertas pra o que atravessa meu caminho, para quem eu cruzo. Aprender a fazer perguntas também. Rir de si ajuda a tornar a experiência da profundidade menos fardo. Eu trabalho no SUS e isso me traz tanta, mas tanta história…as pessoas são uma coisa bem louca mesmo. Aí é preciso se organizar só pra esse material todo não virar gaveta, não desvirar a beleza simples e funda que é.

O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesma se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?

Mudaram a compreensão de linguagem, de poesia, de autoria. Mudaram minha relação com quem leio: passei a procurar ler autores vives, dessacralizar a escrita e compreendê-la também como experiência, compartilhá-la – por muito tempo escondi meus textos por me sentir despida através deles e hoje já penso que nem todo mundo quer me ver pelada, né? Rs. Mas não diria nada muito diferente pra Fernandinha…diria pra ela ir lá e descobrir sozinha – ou acompanhada, já que a experiência compartilhada da escrita é muito mais gostosa. Aliás, isso é outro aprendizado: a escrita não é necessariamente solitária. E aqui tenho que agradecer a todas essas pessoas que viraram companhia, e especialmente ao Minchoni, como sempre, por ter me mandado um email achando que minha insegurança era confete, há uns anos atrás. Ele me deu o choque de realidade que eu precisava pra parar de me esconder e encontrar um mundo de poetas incríveis. Que quase me fizeram desistir, tamanha a qualidade de trabalho – mas a essa altura, eu já tava na pixxxta. E aí, agora sou amiga de alguns dos meus escritores preferidos. Bom, né?

Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?

O projeto longo ali de cima…rs. Quero fazer uma reunião de textos que nem sei bem o que são, contos poema, poemontos. São textos curtos dos quais gosto e quero botar na roda tudo junto. Também gosto muito da exploração da forma na relação com o texto e meu primeiro livro, o 8, é justamente fruto dessa exploração. Seguir me aproximando de artistas de outras linguagens, investigar outras plataformas. Tenho um projeto de outro material, desta vez um jogo de memórias que sai este ano (quem sabe escrevendo fica mais real). Sei lá, pro que mais me chamarem, só vamos. O que eu adoraria ler e ainda não existe, tô esperando chegar e me surpreender. Tanta gente incrível, não demora pra isso acontecer.

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Como escreve Sergio Leo

21 de janeiro de 2021 by José Nunes

Sergio Leo é escritor, jornalista e artista plástico.

Como você organiza sua semana de trabalho? Você prefere ter vários projetos acontecendo ao mesmo tempo?

Não é questão de preferência, mas de contingência. Organizo meus planos conforme o tempo que os compromissos (free lancers em jornalismo, consultorias) me deixam…

Ao dar início a um novo projeto, você planeja tudo antes ou apenas deixa fluir? Qual o mais difícil, escrever a primeira ou a última frase?

O mais difícil é começar. Até lá, fico fazendo anotações.

Você segue uma rotina quando está escrevendo um livro? Você precisa de silêncio e um ambiente em particular para escrever?

Silêncio, nem sempre; mas é bom, rendo mais à noite, por isso. Me acostumei a escrever sempre em meu escritório, em casa. Gostaria de respeitar uma rotina…

Você desenvolveu técnicas para lidar com a procrastinação? O que você faz quando se sente travado?

Já pensei em pesquisar e treinar técnicas para lidar com a procrastinação, mas sempre deixo para depois…. Quando me sinto travado… eu travo. E busco distração.

Qual dos seus textos deu mais trabalho para ser escrito? E qual você mais se orgulha de ter feito?

O ultimo, sempre. Meu maior orgulho, atualmente, é o conto “Tarzan, Filho do Alfaiate”, para a coletânea “Conversa de Botequim”, organizada por Marcelo Moutinho e Henrique Rodrigues para a editora Mórula. Porque penso que realizei exatamente o que tinha em mente ao começar o conto, e, ainda assim, me surpreendi com o resultado.

Como você escolhe os temas para seus livros? Você mantém um leitor ideal em mente enquanto escreve?

Cada um atende a uma demanda particular. De um tema com que esbarrei e me interessou ao desejo de tratar de questões que me cativam há tempos…

Escrevo para um leitor, como eu, que aprecie o esforço de fugir ao convencional, seja nas escolhas do texto, seja no enredo, seja na representação da realidade.

Em que ponto você se sente à vontade para mostrar seus rascunhos para outras pessoas? Quem são as primeiras pessoas a ler seus manuscritos antes de eles seguirem para publicação?

Raramente mostro os rascunhos, embora não tenha nenhum preconceito contra fazê-lo. É que tenho receio de incomodar os amigos. Em geral, as primeiras pessoas a ler meus manuscritos são aquelas que os encomendaram, ou jurados de algum prêmio literário.

Você lembra do momento em que decidiu se dedicar à escrita? O que você gostaria de ter ouvido quando começou e ninguém te contou?

Na infância, lendo crônicas e recebendo elogios pelas redações na escola, decidi que queria escrever; mas ainda não tinha ideia de me tornar escritor. Acabei indo estudar jornalismo, aos 17 anos, pela vontade em trabalhar com textos e criação. Vejo esse ofício como algo tão ligado às idiossincrasias de cada escritor que não creio que exista um conselho mágico, revelador, capaz de facilitar o processo. O que eu gostaria mesmo de ter ouvido quando eu comecei é: “quer assinar um contrato com minha editora?”

Que dificuldades você encontrou para desenvolver um estilo próprio? Algum autor influenciou você mais do que outros?

Ainda me pergunto se tenho estilo próprio, ou me metamorfoseio conforme o texto, aproveitando influências. Sobre elas, as influências, não tenho um autor único a indicar como referência para o que escrevo; estou sempre buscando soluções e sugestões nas leituras que faço. De Machado de Assis e Eça de Queirós a Onetti e Kafka, de cada um roubo um pouco.

Que livro você mais tem recomendado para as outras pessoas?

Varia conforme a época. Sempre recomendo que leiam César Aira, escritor argentino que deveria ser mais conhecido no Brasil. Já recomendei muito “Um Defeito de Cor”, por exemplo, pela qualidade do relato sobre a história de vidas negras no Brasil. Hoje recomendo vários livros de amigos escritores, conforme o leitor em foco; e livros de não ficção, como “Sociedade do Cansaço” para amigos lidarem com o mal estar atual na cultura e na civilização…

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Como escreve Maya Falks

21 de janeiro de 2021 by José Nunes

Maya Falks é publicitária, jornalista e escritora.

Como você organiza sua semana de trabalho? Você prefere ter vários projetos acontecendo ao mesmo tempo?

Na verdade não organizo, as coisas sempre acontecem no seu próprio ritmo. Não tenho uma vida estável, cada dia é algo novo e imprevisível, então sempre que tento fazer planos de uma rotina, dá errado. Além disso, minha escrita é muito visceral, é comum acontecer de eu mergulhar de tal forma que sai livro novo em poucos dias, ou de começar uma história com uma empolgação gigante e esfriar.

Dos projetos, gosto quando tem um monte de coisa acontecendo, gosto desse movimento e da possibilidade de muitas perspectivas, o grande problema é que minha bipolaridade não me permite manter um ritmo acelerado por muito tempo; entro em vários projetos sabendo que em alguns momentos ele podem se tornar um martírio porque nunca deixo de fazer minha parte, independente do meu estado. Sou muito aconselhada a pegar leve, a assumir um compromisso por vez, e acho que devia seguir esses conselhos, mas…. Não perco oportunidades por medo do que vem depois ou de não conseguir lidar.

Ao dar início a um novo projeto, você planeja tudo antes ou apenas deixa fluir? Qual o mais difícil, escrever a primeira ou a última frase?

Depende muito, cada novo projeto é também uma nova oportunidade de experimentar processos diferentes, maneiras diferentes de percorrer o mesmo caminho. A experimentação é meu maior combustível, tanto que meus livros – mesmo que tenham aquele toque que é só meu – são bem diferentes um do outro, cada um aconteceu de um jeito. Acredito na importância do planejamento e da organização, inclusive ensino isso nas minhas oficinas, mas esse processo não funciona comigo, é algo bem particular, funciono no caos. Santuário é o exemplo perfeito disso; cada texto foi escrito de forma independente e sem pretensão, não havia sequer o plano de um livro, muito menos um caminho a ser trilhado, e ele não apenas deu muito certo como muitos leitores realmente achavam que seu formato não linear e diverso era uma estratégia. Não era, foi simplesmente como aconteceu. Já o Histórias de Minha Morte comecei sabendo onde queria chegar, mas o caminho até lá aconteceu de forma orgânica, poucas coisas no andamento do livro foram previamente pensadas.

Das dificuldades, a primeira frase. É na primeira frase que começa o processo de encantamento com a história. Uma primeira frase mal feita ou opaca pode atrapalhar muito no engajamento do leitor. Claro que o que vem depois é ainda mais importante, não adianta ter uma primeira frase incrível e depois jogar o leitor em uma história medíocre e mal elaborada. A última é um pouco mais fácil porque já estamos no clima da história, mas ainda é fundamental sem muito bem pensada, é o último contato do leitor com a história.

Você segue uma rotina quando está escrevendo um livro? Você precisa de silêncio e um ambiente em particular para escrever?

Sem rotina, é na vontade mesmo. Quando a história está acontecendo,a vontade de continuar é o grande combustível, as ideias surgem, se encaixam, amadurecem e a escrita se torna uma necessidade, não é possível não escrever.

O ambiente conta, sinto a diferença quando tenho a possibilidade de trabalhar em um ambiente tranquilo e silencioso, ou com a trilha sonora ideal, mas isso nem sempre é possivel; minha primeira produção de 2021 aconteceu em meio a vários tipos de caos, sem silêncio, sem espaço de trabalho e boa parte dele foi escrito no celular porque fiquei um bom tempo sem nenhum outro artefato, daí ganhei um tablet usado de uma leitora que viu minha dificuldade e isso ajudou bastante. A gente nem sempre consegue trabalhar nas condições ideais, é importante conseguir se adaptar.

Você desenvolveu técnicas para lidar com a procrastinação? O que você faz quando se sente travada?

Por incrível que pareça, a procrastinação é ruim quando existe um prazo ou um plano pré-estabelecido, caso contrário pode ser até bem positivo. Acredito muito no ócio criativo; quando procrastinamos, podemos não estar agindo, mas a cabeça segue funcionando. É justamente nesse funcionar descompromissado que as ideias fluem melhor. Me cobro muito esse excesso de produção, e os dias de completa inatividade acabam sendo um ganho no meu processo criativo.

Nem todo mundo entende como pode ser positivo um dia jogada na cama assistindo bobagem no YouTube, mas ajuda, até para limpar a mente e preparar o cérebro pra próxima empreitada.

Os travamentos também são muito naturais. Somos humanos, a cabeça cansa, quando se trabalha com criatividade os travamentos podem ser até uma forma de a cabeça avisar que está sobrecarregada. Pessoalmente gosto de ouvir músicas calmas e respeitar meu tempo. Não que não dê o desespero quando tem prazo, mas forçar muito não ajuda.

Qual dos seus textos deu mais trabalho para ser escrito? E qual você mais se orgulha de ter feito?

O primeiro livro de 2021. Eu já tinha a ideia em mente, mas não fluiu com a mesma naturalidade dos demais. Embora eu goste do resultado, não foi nada fácil, inclusive foi bastante sofrido.

De orgulho, é difícil responder porque cada livro tem suas particularidades que me dão orgulho, mas acho justo citar Santuário, não apenas pelo livro em si, que ficou ótimo, mas por todo contexto: foi meu primeiro livro depois de um ano parada por conta da depressão, foi todo ilustrado por mim sendo que comecei a desenhar como forma de terapia e teve um envolvimento muito profundo da editora (Macabéa), o que tornou esse livro muito emblemático.

Como você escolhe os temas para seus livros? Você mantém uma leitora ideal em mente enquanto escreve?

Não escolho, são eles que se escolhem. Acho que por isso o primeiro livro de 2021 foi tão sofrido: escolhi um tema de forma muito racional e não tive tempo de internalizar a ideia para torna-la mais visceral. Trabalhos mecânicos não funcionam comigo, e esse livro, embora não tenha sido, digamos, friamente calculado, também não “escorregou”, como costumo falar dos livros que parecem que se escrevem sozinhos. O “Eu também nasci sem asas” foi um que fluiu de forma tão natural que nem pareceu ter sido escrito, foi como se já tivesse surgido pronto. Gostei do resultado do livro novo (não cito nome porque concorre ao prêmio CEPE), mas foi um processo doloroso, como se meu cérebro dissesse “não era esse o livro que você deveria estar escrevendo”.

Do público, o que tenho sempre em mente quando escrevo é que existem pessoas em sofrimento pelos mais diversos motivos; trabalho muito com denúncia e preciso dosar o ímpeto do choque com o respeito a quem enfrenta os problemas denunciados.

Quero que minha literatura cause impacto, quero que as pessoas saibam diferentes da leitura, que sintam e reflitam, mas não quero de forma alguma que meu trabalho seja fruto de dor ou que contribua com algum estigma ou preconceito. Luto por um mundo melhor e minha literatura está a serviço disso.

Em que ponto você se sente à vontade para mostrar seus rascunhos para outras pessoas? Quem são as primeiras pessoas a ler seus manuscritos antes de eles seguirem para publicação?

Sempre me senti à vontade. Embora eu seja extremamente sensível e trabalhe com responsabilidade pra garantir um trabalho o melhor possível, não sou perfeita, estou muito longe disso. Muitas vezes, expor o rascunho, as primeiras linhas, pode ser a chance perfeita para corrigir defeitos já de largada, ou para discutir ideias que mudem para melhor o rumo da narrativa.

Em geral, a primeira pessoa a ter acesso ao meu material é minha mãe! Depois varia muito.

Você lembra do momento em que decidiu se dedicar à escrita? O que você gostaria de ter ouvido quando começou e ninguém te contou?

Acho que já nasci decidida! Não há, em toda a história da minha vida, algum momento em que eu não tenha me dedicado à escrita. Desde a primeira infância ditando histórias pra minha mãe, depois eu nessa escrevendo, daí vieram as escolhas profissionais que começaram na publicidade, onde atuei quase 20 anos como redatora, depois me formei em jornalismo e hoje estudo Letras. Em todo esse tempo, a literatura esteve presente.

Não consigo imaginar o que teria sido importante ouvir quando comecei porque comecei muito cedo, mas hoje ministro oficinas com dicas daquilo que eu queria ter aprendido de forma menos dolorosa. Tudo o que aprendi nesses 35 anos de literatura foi na porrada mesmo. Recebi alguns conselhos, os quais sou muito grata, mas no começo da minha jornada em publicação foram as rasteiras minha maior escola. Primeiro que o fazer arte é muito glamourizado e a vida real é bem diferente. Tem diferença entre ser artista e ser celebridade, por exemplo. Você entra no mundo real e vê uma galera talentosa passando fome enquanto tem muita gente medíocre com muitos dígitos na conta bancária. Eu escrevo, não quero sair na capa da Caras nem pisar em tapete vermelho, só queria conseguir pagar as contas do mês, daí a gente precisa se humilhar horrores, perder noite de sono tentando decifrar edital, deixar de fazer nosso trabalho pra correr atrás de mil documentos pra concorrer a edital de baixo valor com desconto imenso de IR que a gente é isento porque nem por milagre consegue faturar o bastante pra declaração anual.

Sou uma que estou sempre inventando alguma coisa para sobreviver, a galera tá sempre se virando pra vender livro nas redes sociais. Não há glamour, há trabalho, muito trabalho, é preciso muita persistência, muita paixão e resiliência. Faço porque amo, faço porque não existe vida possível sem literatura.

Que dificuldades você encontrou para desenvolver um estilo próprio? Alguma autora influenciou você mais do que outras?

Nenhuma dificuldade, na verdade. Nosso estilo vem da experiência e da própria vida, pode inclusive mudar bastante com a passagem dos anos justamente porque amadurecemos, conhecemos coisas novas, recebemos novos estímulos e influências. Trabalho muito com o tema “morte”, mas cada livro que trato o tema é de um jeito novo, particular. Embora seja possível reconhecer meu “toque” no que produzo, gosto que cada livro tenha sua própria individualidade.

Muitas autoras me influenciam diariamente, em especial entre as brasileiras contemporâneas. Prefiro não citar nomes para não ser injusta, mas posso dizer com segurança que a mulherada da literatura está fazendo muito bonito.

Que livro você mais tem recomendado para as outras pessoas?

Como eu resenho para o meu blog Bibliofilia Cotidiana, acabo recomendando muitos livros, mas um que me marcou de forma muito profunda foi Torto Arado. 

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Como escreve André Galvão

21 de janeiro de 2021 by José Nunes

André Galvão é escritor, autor de “Depois do sonho” (Penalux, 2020).

Como você organiza sua semana de trabalho? Você prefere ter vários projetos acontecendo ao mesmo tempo?

Na verdade, como minha praia é a poesia, o fluxo de trabalho tem muito a ver com o momento, com os insights. Geralmente deixo a ideia chegar, registro no computador ou em um papel, depois, com calma, penso sobre essa ideia, e os ajustes que farei para finalizar aquele poema. Então, os projetos podem acontecer ao mesmo tempo.

Ao dar início a um novo projeto, você planeja tudo antes ou apenas deixa fluir? Qual o mais difícil, escrever a primeira ou a última frase?

Deixo fluir primeiro, para depois pensar sobre ele. A não ser quando o projeto em questão é a organização de um livro, de vários poemas em uma obra. Isso exige organização prévia e um processo de escolha árduo, que só se finaliza quando envio o arquivo à editora. Creio que a primeira frase, em poesia, seja mais difícil que a última, pelo menos pra mim, pois dependo do insight para começar um poema. Sem esse insight, o poema não nasce.

Você segue uma rotina quando está escrevendo um livro? Você precisa de silêncio e um ambiente em particular para escrever?

Não sigo rotina, nem mesmo quando estou organizando os poemas para formar um livro. Tudo flui de acordo com o meu estado de espírito, disponibilidade de tempo e vontade de fazer, já que não tenho prazo definido para publicar. Quando estou lapidando as ideias, prefiro fazer esse trabalho à noite, em silêncio, que é quando e como me sinto mais produtivo.

Você desenvolveu técnicas para lidar com a procrastinação? O que você faz quando se sente travado?

A procrastinação é dos piores inimigos da escrita. Às vezes registro uma ideia para desenvolver, para aperfeiçoar, e ela fica lá esperando, esperando… Chego a abrir o arquivo no computador ou a folha de caderno em que a anotei, mas isso não é certeza alguma de que me debruçarei sobre ela naquele momento. Não tenho técnicas para lidar com a procrastinação, o que faço quando me decido a escrever é ficar de frente ao texto, até que algo saia e a escrita flua. Mas isso nem sempre funciona…

Qual dos seus textos deu mais trabalho para ser escrito? E qual você mais se orgulha de ter feito?

Acho que o texto mais difícil é sempre o próximo, até que o termine. Não consigo determinar qual foi o mais difícil de fazer, cada um tem sua idiossincrasia, e quando termino um texto, sempre tem a possibilidade de voltar a ele para mudar. Assim, o esforço é sempre bem relativo. O texto que mais me orgulho de ter feito é o poema Primeiro de Abril, publicado no meu livro A Travessia das Eras. Esse poema é um divisor de águas na minha produção, e me incentiva a continuar escrevendo. Trata da realidade e dos nossos medos e defeitos, e até agora não envelheceu.

Como você escolhe os temas para seus livros? Você mantém um leitor ideal em mente enquanto escreve?

Geralmente meus livros não têm um tema específico, apenas reúnem poemas que mantêm uma certa identidade entre si pelo meu estilo de escrita. Como a poesia que produzo bebe sempre na fonte da realidade, do contexto social, é natural que os poemas de um mesmo livro se identifiquem com essas diretrizes. Às vezes há variações, sem sair do eixo central, ao tratar da cidade, da própria poesia, entre outros. Sinceramente, não idealizo um leitor. A poesia é, pra mim, acima de tudo, um ato de libertação, e o que vejo e sinto, e depois traduzo nos poemas, não encontrará um leitor ideal, apenas alguém que goste de poesia.

Em que ponto você se sente à vontade para mostrar seus rascunhos para outras pessoas? Quem são as primeiras pessoas a ler seus manuscritos antes de eles seguirem para publicação?

Esse ainda é um bloqueio. Até hoje não consegui fazer isso. Mas farei já no meu próximo livro. Nos meus dois últimos livros, os primeiros a lerem os manuscritos foram os editores…

Você lembra do momento em que decidiu se dedicar à escrita? O que você gostaria de ter ouvido quando começou e ninguém te contou?

Eu escrevo desde adolescente, e foi algo muito natural pra mim, até porque não tinha a pretensão de publicar o que escrevia. Quando decidi que seguiria escrevendo já estava bem mais maduro, e entendi que precisava disso pra seguir vivendo. Gostaria de ter ouvido, desde cedo, para não me importar com os silêncios sobre o que escrevo.

Que dificuldades você encontrou para desenvolver um estilo próprio? Algum autor influenciou você mais do que outros?

Sinceramente, a concepção de estilo próprio, pra mim, é bem relativa. Temos interesses, modos de escrever, de selecionar o que dizer, mas estamos sempre nos influenciando com o que lemos, com o contexto ao nosso redor, com as coisas que nos motivam, encolerizam ou comovem. Se a ideia de estilo próprio se traduz naquele formato que mais gostamos de imprimir ao que escrevemos, isso surge de forma espontânea, quando nos aproximamos do prazer de escrever. Quanto às influências, elas são muitas e estão sempre aumentando a cada descoberta. Mas desde cedo, sempre me influenciaram, na poesia, Carlos Drummond de Andrade, Cecília Meireles e Augusto dos Anjos; e na prosa, Clarice Lispector, João Guimarães Rosa e Machado de Assis. E são muitos outros os que me ajudam a continuar escrevendo.

Que livro você mais tem recomendado para as outras pessoas?

Sempre que posso, recomendo as distopias clássicas, por instigarem um pensamento crítico sobre o momento em que vivemos. Mas o realismo fantástico também tem seu espaço para promover essas reflexões. Ultimamente, o grande fenômeno da literatura cuja leitura recomendo fortemente é o Torto Arado, do Itamar Vieira Júnior. E sempre recomendo poesia, claro!

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Como escreve Paola Santi Kremer

21 de janeiro de 2021 by José Nunes

Paola Santi Kremer é poeta.

Como você organiza sua semana de trabalho? Você prefere ter vários projetos acontecendo ao mesmo tempo?

Separo dias da semana para me dedicar a um ou outro projeto, quando possível. Se ambos prazos são curtos, me dedico a mais de um durante os dias. Tento evitar isso porque não são todos os dias em que consigo me dedicar aos projetos literários, de edição e tradução literária.

Ao dar início a um novo projeto, você planeja tudo antes ou apenas deixa fluir? Qual o mais difícil, escrever a primeira ou a última frase?

Deixo que cada texto determino seu rumo enquanto vou pensando que traço mais me interessa do que oferece para fortalece-lo. A última linha é a mais difícil, com certeza, não no sentido lineal do texto, mas no sentido de decidir quando termina um texto e o que continua sendo trabalhado já é um começo de maduração de outra.

Você segue uma rotina quando está escrevendo um livro? Você precisa de silêncio e um ambiente em particular para escrever?

Vivo a escritura, no momento, como a experiencia de plena autonomia da minha voz sobre a experiência, como a possibilidade de transformação da vida. E nesse sentido em que escrever é uma experiencia que começa antes da escritura, não há rotina que a contenha, está misturada à vida, é a vida mesma e ocorre quando alguma voz que me habita se amplifica e enche o espaço, tocando tudo. Quanto mais se expande meu fascínio pela voz, mais convencida estou disso: me interessa mais o desenvolvimento da autonomia das vozes que o de tatuá-las. A voz é a cor impossível de representar no entardecer da escritura.

Você desenvolveu técnicas para lidar com a procrastinação? O que você faz quando se sente travada?

Acho que a procrastinação é inevitavelmente o desenvolvimento de alguma coisa que se gesta, livre da noção de utilidade. Não tenho pressa para escrever.

Qual dos seus textos deu mais trabalho para ser escrito? E qual você mais se orgulha de ter feito?

Os textos que mais orgulhecem são os que me tomaram menos trabalho: são os que encontrei, não sei como, o ritmo de algum gesto vital sobre o qual a palavra pôde surfar. Surf ou não surf, disse um poeta argentino.

Como você escolhe os temas para seus livros? Você mantém uma leitora ideal em mente enquanto escreve?

Só me faço consciente dos temas principais depois de ler um conjunto. Ao final de trabalhar meu segundo livro de poemas, ainda inédito, em que os espirais intensivos da vida aparecem em ritmo e imagens, em uma clínica de obra com Rocío Muñoz Vergara, poeta espanhola que vive na Argentina, entendi que tenho um próximo livro se gestando em que o mar é o protagonista.

Em que ponto você se sente à vontade para mostrar seus rascunhos para outras pessoas? Quem são as primeiras pessoas a ler seus manuscritos antes de eles seguirem para publicação?

Às vezes mostro à minha família. Mas sempre que posso os levo à clínicas e oficinas com outras escritoras.

Você lembra do momento em que decidiu se dedicar à escrita? O que você gostaria de ter ouvido quando começou e ninguém te contou?

Desde o colégio, em que encontrava pouco espaço para a paixão além de levar bebidas alcólicas em garrafas de ginástica, a leitura e a escritura eram espaços de expansão certo fluxo de poder que me atraía. Entrei na faculdade de jornalismo seguindo esses impulsos, mas só entendi que essa não era a escritura que queria desenvolver quando um dos professores mais interessantes e apaixonados pela escritura me perguntou que (droga, acho) eu tinha usado para escrever uma reportagem.

Que dificuldades você encontrou para desenvolver um estilo próprio? Alguma autora influenciou você mais do que outras?

Enquanto leio me surgem as coisas que mais me interessam nos textos. Mas a leitura enquanto experiência sonora: as experiências de leitura mais intensas foram as que, entre a voz da escritora e a minha escuta, outra voz se gestou com uma música própria. Sempre menciono aqui Galáxias, de Haroldo de Campos. Li o poema como uma canção de percussão intensa que apareceu em poemas meus e só depois o escutei recitando-o, e Haroldo o havia composto como um mantra.

Que livro você mais tem recomendado para as outras pessoas?

Las Malas, de Camila Sosa Villadas, Cometierra, de Dolores Reyes, e uma seleção de poemas da June Jordan recentemente publicada na Argentina que se chama Cosas que hago en la oscuridad.

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Sobre o autor

José Nunes (@comoeuescrevo) é doutor em direito pela Universidade de Brasília.

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