Como eu escrevo

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Como escreve Frei Betto

21 de janeiro de 2021 by José Nunes

Frei Betto é escritor, autor de “Diário de quarentena” (Rocco, 2020).

Lago de Genesaré, também chamado de Mar da Galileia.

Como você organiza sua semana de trabalho? Você prefere ter vários projetos acontecendo ao mesmo tempo?

Em geral, não tenho rotina, pois em tempos normais viajo muito. Porém, a pandemia me exige isolamento social e, assim, a semana de trabalho é mais previsível. Escrevo pela manhã e à tarde, jamais à noite, quando as musas vão dormir…

Sim, trabalho em vários projetos literários simultaneamente, mas sempre priorizo um deles.

Ao dar início a um novo projeto, você planeja tudo antes ou apenas deixa fluir? Qual o mais difícil, escrever a primeira ou a última frase?

Por vezes o novo projeto me “persegue” por muitos anos. Sinto-me “grávido” dele. Até que decido redigi-lo. Deixo fluir. Faço esquemas simples, muita pesquisa, e redijo manualmente antes de passar ao computador. Exceto artigos e conferências, trabalho sem pressa ou pressão. O mais difícil é encontrar o “sotaque” do texto. A “voz” original.

Você segue uma rotina quando está escrevendo um livro? Você precisa de silêncio e um ambiente em particular para escrever?

Sou muito disciplinado. Escrevo todos os dias, preferencialmente pela manhã. Levanto muito cedo. Quando me canso de um projeto literário, passo a outro, pois trabalho em vários ao mesmo tempo. Quando me sinto árido, sem inspiração, leio clássicos como Machado de Assis, Dostoievski, Cervantes etc.

Para criar ficção, necessito de silêncio e solidão. Artigos e ensaios escrevo em aeroporto ou até em sala de espera de dentista…

Você desenvolveu técnicas para lidar com a procrastinação? O que você faz quando se sente travado?

Deixo de lado o projeto literário A e passo ao B ou paro de escrever e vou ler, de preferência um clássico da literatura, o que me reanima.

Qual dos seus textos deu mais trabalho para ser escrito? E qual você mais se orgulha de ter feito?

O que me demandou mais tempo e pesquisa foi o romance MINAS DO OURO (Rocco), no qual narro 500 anos da história de Minas Gerais. Levei 12 anos para terminá-lo e consultei mais de 100 obras.

Entre meus 69 livros publicados, destacam-se uma meia dúzia que me dão muita alegria, inclusive por nunca saírem de catálogo: CARTAS DE PRISÃO (Companhia das Letras), meu primeiro livro, cujas cartas não foram escritas para serem publicadas; BATISMO DE SANGUE (Rocco), que me exigiu muita pesquisa para desmontar a versão policial sobre a morte de Carlos Marighella, e também ousadia por editá-lo ainda em plena ditadura. Nele descrevo a participação dos frades dominicanos na luta guerrilheira e as torturas e a morte de frei Tito de Alencar Lima; A OBRA DO ARTISTA – UMA VISÃO HOLÍSTICA DO UNIVERSO (José Olympio), fruto de seis anos de pesquisas e que me obrigou a estudar física, química e biologia; FIDEL E A RELIGIÃO (Companhia das Letras), um longa entrevista na qual, pela primeira vez, um líder comunista no poder, Fidel Castro, fala positivamente da religião; o romance policial HOTEL BRASIL – O MISTÉRIO DAS CABEÇAS DEGOLADAS (Rocco), um desafio literário, pois em narrativa policial há que combinar a criação ficcional com a tensão do mistério; UM HOMEM CHAMADO JESUS (Rocco), os quatro evangelhos em forma de romance; e o romance ALDEIA DO SILÊNCIO (Rocco), cujo personagem principal jamais profere uma única palavra.

Veja o conjunto de minhas obras: www.freibetto.org

Como você escolhe os temas para seus livros? Você mantém um leitor ideal em mente enquanto escreve?

Os temas é que me escolhem. Súbito, sou “possuído” pelo tema e, por vezes, levo muitos anos até iniciar o processo de escrita.

Não, jamais imagino um leitor ideal. Aprendi com meu primeiro editor, Ênio Silveira, da Civilização Brasileira, que o leitor ideal sou eu, ou seja, somente entregar os originais ao editor após sentir esgotado todo o meu potencial criativo e estar convencido de que produzi uma boa obra.

Em que ponto você se sente à vontade para mostrar seus rascunhos para outras pessoas? Quem são as primeiras pessoas a ler seus manuscritos antes de eles seguirem para publicação?

Jamais entrego os originais ao editor sem antes solicitar a meia dúzia de pessoas que leiam. Nunca são as mesmas pessoas. No caso de um ensaio, como A OBRA DO ARTISTA, pedi a vários cientistas e filósofos uma prévia leitura crítica. No caso de um romance, encaminho a quem é afeito a esse gênero literário e me inspira confiança de que fará uma leitura crítica.

Você lembra do momento em que decidiu se dedicar à escrita? O que você gostaria de ter ouvido quando começou e ninguém te contou?

Sim, quando aos 8 anos meu ego bateu no teto da sala de aula ao ouvir a professora Dercy Passos, minha alfabetizadora no Grupo Escolar Barão do Rio Branco, em Belo Horizonte, dizer à toda classe: “Vocês deveriam fazer como o Carlos Alberto. Ele mesmo escreve as composições dele. Não pede aos pais.” E aos 11 anos ouvi de meu professor de Português no colégio marista, irmão José Henriques Pereira: “Você só não será escritor se não quiser”. Hoje, de tanto escrever, produzi até o livro OFÍCIO DE ESCREVER (Rocco), no qual narro meu trabalho literário e dou dicas a escritores.

Desde criança escrevo muito. Mas supunha que produzir um livro estava muito além de minhas possibilidades e talento. Por isso fui cursar Jornalismo… Foram os generais da ditadura que me promoveram de escritor a autor. As cartas que escrevi em quatro anos de cárcere (1969-1973) foram reunidas aqui fora por Maria Valéria Rezende, hoje uma romancista consagrada, e editadas, primeiro, na Europa.

Gostaria de ter ouvido: “Você tem talento para ser romancista”.

Que dificuldades você encontrou para desenvolver um estilo próprio? Algum autor influenciou você mais do que outros?

Cada novo projeto literário é, para mim, começar do zero e enfrentar muitas dificuldades. Mas não tenho pressa, não comento com ninguém o que estou escrevendo, jamais aceito adiantamento de editor e não marco prazo.

Achar o “sotaque” de uma obra de ficção é sempre um enorme desafio para mim. Sei que meu estilo, por razões óbvias, tem muito de jornalístico, pois estou neste ramo há mais de 50 anos. Felizmente tenho conseguido um tom mais poético em algumas obras, como A ARTE DE SEMEAR ESTRELAS (Rocco) e MINHA AVÓ E SEUS MISTÉRIOS (Rocco).

Sou muito influenciado por Machado de Assis, Graciliano Ramos, Érico Veríssimo, Marguerite Yourcenar, Dostoievski, Camus, entre outros.

Que livro você mais tem recomendado para as outras pessoas?

Atualmente, por razões óbvias, o meu mais recente, o DIÁRIO DE QUARENTENA – 90 DIAS EM FRAGMENTOS EVOCATIVOS (Rocco), publicado em fins de 2020.

Arquivado em: Entrevistas

Como escreve Marcella Machado

21 de janeiro de 2021 by José Nunes

Marcella Machado é jornalista e pesquisadora, mestranda em Jornalismo pela Universidade Federal da Paraíba.

Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?

Meu dia começa com um despertador solar entrando pela janela. Como trabalho em casa, meus horários são flexíveis, então, dedico as primeiras horas da manhã ao autocuidado, ao café da manhã, um rápido banho de sol em uma visita ao quintal enquanto brinco com meu cachorro (Luke). Em seguida, já retorno ao meu quarto, que também é meu ambiente de trabalho para começar as atividades. Geralmente, na noite anterior listo as tarefas e os compromissos. Nem todos os dias são iguais, mas, em geral, esse primeiro turno me permite colocar a vida em ordem para as horas seguintes.

Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?

Prefiro começar a escrever pela manhã, por volta das 8h, quando a mente ainda está mais fresca depois de uma boa noite de sono. O mesmo sol que me acorda também traz uma iluminação natural sobre a minha mesa e me ajuda a clarear as ideias. Mas a manhã é só o início porque continuo a trabalhar à tarde e só encerro o dia de atividades lá pelas 18h. Adentro pela noite só quando há um volume de tarefas maior, prazos apertados ou quando a escrita está fluindo bem e me recuso a interromper esse processo. Para iniciar um dia de escrita gosto de ter à mão tudo o que for necessário para aquela jornada, desde água para hidratação, até canetas, papéis, anotações e outras referências informativas que utilizarei naquele trabalho. Só quando tudo está posto sobre a mesa, abro a página no computador e começo a escrever.

Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?

Independente de meu estado emocional e mental, das condições físicas e materiais, a meta é, no mínimo, escrever uma lauda por dia. A produção textual, sobretudo os trabalhos com os gêneros jornalístico-literário e o acadêmico, dificilmente permitem uma escrita prolongada em 24h porque exigem concentração, narrativas bem estruturadas, análise e aprofundamento. Já me sinto produtiva se conseguir desenvolver alguns parágrafos e planejar os passos seguintes.

Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?

Trabalho com pelo menos três gêneros de escrita: o jornalístico, o jornalístico-literário e o acadêmico-científico. Todos eles lidam com a realidade, com fatos concretos, fundamentos e contextualização. Um longo e permanente processo de pesquisa, apuração e checagem antecede o movimento de escrita. Quando há entrevistas com personagens envolvidos ou perfilados, a própria transcrição dos áudios já é uma pré-escrita. Reunir dados é fundamental para iniciar o trabalho, mas também tenho uma certa dificuldade em descobrir por onde começar quando tenho diante de mim tantas informações e possibilidades de entrada e desenvolvimento. Sempre quando isso acontece demoro algum tempo, dias ou horas, para decidir qual caminho seguir. Nesses casos, faço um roteiro dos tópicos a escrever e os dados que disponho para executá-los. Essa estratégia resulta em um primeiro rascunho de texto que irei lapidar, aprofundar, preencher e alterar até chegar a uma versão satisfatória na minha autocrítica e autoavaliação.

Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?

Tenho a escrita como minha atividade e habilidade essencial. Busco sempre me dedicar ao máximo a tudo que faço e não adiar nada. Isso por si só já desperta a minha ansiedade e me deixa na expectativa pela avaliação futura de meu trabalho. Quando a escrita não flui é inevitável que a insegurança surja no caminho. No entanto, tenho aprendido a não me exigir tanto no trabalho. Diante de dificuldades desse tipo procuro me dar um tempo e me afastar daquela obra. Ainda que eu me aflija e tema não dar conta, esses pensamentos não irão me ajudar a desenvolver o trabalho. Busco sempre me recordar dos textos que já escrevi e da satisfação de tê-los escrito. Geralmente, depois de algumas horas ou dias, já estou fazendo anotações de novas ideias e caminhos, sentindo-me pronta para voltar com a minha produção.

Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?

Meus textos não estão prontos antes de pelo menos terem tido três versões, não importa qual o gênero do trabalho. Só depois dessa leitura crítica há a possibilidade de que outras pessoas os leiam. Por mais que me sinta constrangida com a futura avaliação do outro, para mim é importante ter um segundo olhar sobre o meu trabalho, seja de um/a professor/a ou de um/a colega. Entregar um texto para leitura de outra pessoa é um ato de confiança.

Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?

Nasci na segunda metade da década de 1990 e me considero de uma geração em transição, daquela que viveu antes da popularização do computador e da internet. O papel, a caneta e escrever à mão fazem parte do meu processo produtivo e criativo. Toda a concepção de um projeto, as anotações, roteiros e mesmo quando a escrita não flui em telas, é ao papel que recorro. É como se desenhar as letras de próprio punho me aproximasse mais daquela obra e me ajudasse a entendê-la melhor. Mas escrever em telas tem suas facilidades. O computador, tablet, smartphone e gravador são instrumentos que me auxiliam no trabalho de registro, dos primeiros rascunhos até a versão final.

De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativa?

Ler muito, de tudo e sempre, bem como observar e refletir sobre a realidade, os fenômenos, sentimentos e as pessoas são minhas principais formas de manter a mente acesa e criativa. São instrumentos que me ajudam a escrever com mais desenvoltura, tanto os textos acadêmicos, quanto os jornalísticos-literários.

O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesma se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?

Comecei a escrever profissionalmente durante a graduação em Jornalismo. Escrevi minha primeira matéria muito insegura quanto à estrutura desse tipo de texto. Quando a recebi corrigida, cheia de observações, cortes e alterações, compreendi como seria escrever dali para frente. Nos trabalhos acadêmicos ocorreu algo semelhante. Um texto precisa de amadurecimento, conhecimento e prática. Quando comecei, acreditava que bons autores eram aqueles que conseguiam concluir uma obra na primeira tentativa e que o contrário seria sinônimo de fracasso. Até que percebi que as histórias precisam de tempo e a quem escreve cabe compreender esse ritmo, mesmo que existam prazos apertados. Cada novo texto, cada nova leitura e as sugestões que os acompanha é um aprendizado e um melhoramento importantes a se considerar na minha trajetória.

Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?

Interesso-me bastante pelas histórias de vida e por memórias, sobretudo de pessoas mais velhas. Na graduação escrevi um livro de perfis sobre mulheres radialistas pioneiras e um capítulo de um livro sobre magistrados e a relação deles com a arte. Tenho material para escrever uma outra obra, dessa vez sobre jornalistas veteranos que venho pesquisando no mestrado. Em um futuro próximo pretendo ainda realizar trabalhos que envolvam a escrita de perfis, biografias e a pesquisa na temática do envelhecimento.

O escritor Carlos Ruiz Zafón, na série do Cemitério dos livros esquecidos, diz que nós não escolhemos os livros, são eles que nos escolhem. Talvez o livro que eu gostaria de ler e julgo que não exista esteja em um lugar como esse que descreve Zafón.

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Como escreve Raquel Soares

21 de janeiro de 2021 by José Nunes

Raquel Soares é escritora.

Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?

Procuro manter uma rotina igual todos os dias, mas, às vezes, algumas pequenas variantes durante a semana acabam fazendo com que eu mude alguns hábitos e afazeres aqui e ali. Geralmente, tento acordar cedo para conseguir tomar um bom café da manhã e, depois, vou para sala me exercitar um pouco. O resto do dia tento reservar um tempo para ler, outro para escrever (se possível) e um terceiro para desenhar se estiver no clima. Nas minhas leituras, eu costumo fazer um sistema de metas: ler cinquenta ou cem páginas por vez. Claro que se o livro acabar me prendendo com sua história, posso acabar dobrando a meta e esquecer todo o resto que estava planejando para o dia.

Quanto a escrita, depende muito se estou trabalhando em um novo projeto ou se apenas ouvi uma música ou tive um sentimento que precisa ser colocado no papel. Tem dias que basta uma imagem qualquer para eu desatinar a escrever um breve texto sobre. Costumo manter uma boa frequência de textos novos, por conta das minhas redes sociais onde publico de forma independente. Já nos desenhos, é muito uma coisa de saber o que desenhar. Se não me sinto motivada naquele dia, o desenho não sairá, pois sei que farei de má vontade e no fim, acabarei me estressando com os resultados. Nos dias em que preciso trabalhar em encomendas de arte, tento organizar para dar alguns passos de manhã e outros a tarde e/ou de noite. Ainda, no caso de uma sobra de tempo e energia, passo a noite colocando filmes e séries em dia.

Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?

Infelizmente, sou uma coruja: trabalho melhor de noite e a tarde do que de manhã. Isso vale praticamente para tudo, seja a leitura, seja a escrita, seja o desenho. Eu apenas busco trabalhar mais de manhã, para que tenha mais tempo livre ao final do dia, assim poderei descansar e respeitar os meus próprios limites. Além disso, os hábitos noturnos podem ser um problema quando estou fazendo uma encomenda ou até mesmo revisando um livro, pois qualquer tiragem de dúvida que precisa ser feita acaba acontecendo as duas da madrugada, quando o cliente costuma já estar dormindo. Nesses acasos, só resta dar de ombros e esperar pelo dia seguinte. Tem semanas em que acaba não sobrando tempo na parte da manhã para trabalhar e só me resta a noite para focar nos escritos, o que provoca um baita cansaço depois, com direito a dores nas costas e nas pernas.

Eu preparo tudo antes de começar a escrever. Vejo uma posição confortável para sentar – costumo escrever deitada na cama do que sentada numa mesa, já que cadeiras nem sempre são confortáveis –, deixo uma garrafa de água a postos do meu lado para não esquecer de me hidratar, se for perto da hora do lanche, deixo um pouco de comida perto também – eu tenho a tendência super focar quando trabalho, o que me faz desligar do mundo e das minhas necessidades básicas como a alimentação -; e por último, deixo um filme ou música rodando no ambiente para evitar o silêncio total e num nível que não me distraia por completo durante o processo criativo. Ou seja, filme acaba sendo geralmente um repetido, pois assim já saberei a história e não vou acabar fugindo do texto para saber o que acontece em seguida. Outra coisa que ocorre no trabalho é que eu não costumo largar do meu celular quando escrevo, só demoro a responder as pessoas às vezes para não me distrair muito, mas por conta do meu TDAH não consigo ficar parada por muito tempo numa coisa só e tenho um pouco de dificuldade para focar. Volta e meia me pego vendo vídeos no facebook antes de terminar um parágrafo.

Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?

Costumo escrever um pouco todos os dias e também ocorre de eu escrever em períodos concentrados. Vai depender muito da minha rotina, do surgimento de compromissos inesperados e trabalhos não pessoais. Para me organizar e ter um bom rendimento na escrita, crio metas pessoais que variam de um dia para outro, com base de onde o texto ou livro está em seu desenvolvimento. Quando estava escrevendo minha primeira novela – que em breve vai ser lançada – eu marcava como objetivo chegar até o capitulo tal ou escrever não sei quantas páginas. Não gosto muito do método de contação de palavras, pois ele acaba me pressionando mais, dando mais lenha para fogueira que é a minha ansiedade. “Você não fez o suficiente hoje”, mesmo tendo escrito mais de mil palavras naquele dia. Foi a minha principal dificuldade quando tentei participar do NaNoWrimo de 2020, o que me fez largar o desafio bem antes de acabar de fato.

Tem momentos em que acabo dobrando as metas e esse sãos os melhores dias. É quando sei que o texto fluiu com mais naturalidade e quando sei que estou mais disposta para a tarefa. Nesses casos, o problema é conseguir parar de escrever. Não consigo deixar ideias em aberto ou cenas sem o seu desfecho apropriado, sinto a necessidade de chegar até o fim, mesmo que leve mais horas do que sou capaz de suportar. Porém, no fim, acabo sendo vencida pelo cansaço e pela dificuldade de raciocinar como criar a ponte entre a cena A e cena B. O que me leva a um efeito colateral chamado insônia, no qual meu cérebro continua meio ativo tentando buscar respostas para a construção da narrativa e para a motivação dos personagens.

Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?

Eu gosto de dizer que meu processo de escrita é meio sem rumo certo. Está mudando de direção com frequência e muitas vezes acabo em um lugar muito diferente do que eu havia pensado no início. Pode não parecer, mas é um tipo de organização para mim. Tudo funciona por meio de instinto que me guia por entre meus projetos e histórias para eu chegar no melhor resultado possível. Por exemplo, posso estar no meio da criação de um livro novo e acabar mudando de ideia por sentir que ele precisa ser engavetado, pois ainda não é a sua hora de brilhar no mundo. Então dou palco para um outro livro no seu lugar até que eu sinta que ele está pronto para voltar a ser moldado. Acho que de alguma forma, eu apenas sei que é preciso amadurecer mais as minhas ideias para continuar contando aquela história.

Agora, falando sobre anotações, tento esboçar a história ao máximo quase que num brain storm. Vou apenas elencando informações, ideias e características, o que me leva a fazer várias flechas que apontam para todos os lados possíveis, subindo pelas lombadas das páginas. Assim que ponho tudo que planejei até aquele momento em ordem, começo a escrever de fato, usando aquelas anotações como minha bússola e mapa. Não costuma ser muito difícil esse começo, é mais para o meio que as coisas costumam complicar e aí alguns detalhes precisam ser revistos antes de continuar. Já a pesquisa pode acontecer antes e também durante, pois nunca se sabe quando as dúvidas vão surgir. Atualmente estou trabalhando em um projeto com temática sci-fi, o que me rendeu muita busca e leitura para saber como construir o universo com a maior precisão possível, ainda assim, surgem alguns detalhes que me fazem voltar para a pesquisa quando já escrevi boa parte da história.

Outro fator que me leva as abas do google, é a busca por sinônimos. É comum enquanto se escreve, aparecer algumas repetições, só que elas precisam ser podadas com cuidado para não estragar a harmonia do texto. Existe inclusive um site que se chama “sinônimo” no qual eu recorro sempre que preciso, nunca me deixou na mão. Faço uso dessas artimanhas também quando preciso de um título para um conto mais curto, algo que resuma bem a narrativa para evitar o uso de palavras muito genéricas e com uma sonoridade pouco agradável.

Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?

As metas na verdade são as que me ajudam nessa questão de procrastinar. Um outro fato sobre eu ter TDAH é a dificuldade de terminar as coisas, surgindo assim uma tendência de deixar projetos em aberto. É muito fácil apenas ir deixando as coisas para fazer no dia seguinte e esse dia seguinte demorar mais do que devia para chegar. Com as metas eu acabo entrando numa espécie de competição e comprometimento comigo mesma, o que me força a não sair da rotina de escrita. É quase como se fosse um tipo de jogo, sabe? Eu acho divertido poder alcançar os objetivos que estipulei e gosto da sensação de realização que vem no final, como se eu fosse o Mário pulando por entre os canos para chegar até o castelo da princesa. Outra técnica que me ajuda, não só com a organização, mas também a driblar a procrastinação, é a própria criação da rotina.

Com relação aos episódios de trava na escrita ou, melhor dizendo, bloqueio criativo, o projeto acaba, geralmente, engavetado, como expliquei numa outra pergunta. Porém, há momentos em que, quando eu acho que não sei as respostas, elas aparecem. Ter uma playlist pronta ou apenas ouvir algumas músicas que combinem com o tema do texto/história me ajuda a visualizar o projeto de uma maneira mais ampla, a partir daí me permito encenar seguindo o fluxo da melodia e letra tocados no fundo. Fico completamente imersa na narrativa, vivendo a vida dos meus próprios personagens que, para mim, são muito mais do que meras ferramentas: são pessoais reais em seu próprio plano, tendo sentimentos e decisões próprias. Nesse processo de imersão, são eles que me guiam para chegar nas respostas que estou procurando e me mostrar qual será a próxima fase da história. Há também a opção de reler tudo que já escrevi até certo ponto, tipo um rebobinar. Muitas coisas podem nos escapar quando estamos escrevendo e dar alguns passos para trás uma hora ou outra pode ser de grande ajuda a encontrar os pedaços que faltam para continuar.

Sobre o medo de não corresponder e sobre a ansiedade, eu apenas conto com o apoio de meus amigos e do meu namorado. Nem sempre é fácil desligar o botão de autossabotagem sozinha quando a insegurança bate a minha porta com toda a força e intensidade. Conversar com eles sobre o assunto e ouvir suas palavras de consolo e sinceridade me ajudam a passar por esse processo. Depois do desabafo, consigo colocar os pensamentos em uma ordem menos destrutiva. O importante também é a gente lembrar ou sermos lembrados de que a ansiedade, a insegurança são as rainhas das mentiras, apenas tentando te desviar do seu caminho e você precisa tapar os ouvidos sempre que der.

Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?

Eu reviso umas cinco vezes ou mais, além das revisadas que eu dou enquanto escrevo mesmo, quando vejo uma palavra errada ou uma frase mal colocada. Depois quando finalizo o escrito de fato, eu o imprimo todo e começo a ler e anotar por cima no papel. Eu não gosto muito de ler pela tela do computador, acho bastante incomodo, então a versão impressa acaba sendo uma opção mais confortável para os meus olhos e para a revisão. Faço essa leitura e corrigida a mão umas duas ou três vezes antes de passar para versão digital de fato e já nesse processo de passar a limpo eu dou mais uma revisada. Procuro também, quando possível, ler os textos em voz alta como ensinou o meu professor da faculdade, assim posso ter certeza que as frases estão funcionando de maneira coerente e que os diálogos não parecem forçados.

Quando termino essa fase, leio o texto na integra mais uma vez, dessa vez no computador mesmo, para me certificar de que não há mais uma coisa aqui ou ali que tenha escapado dos meus olhos. Tento sempre não ficar muito presa nesse ciclo de revisão, pois sei que mesmo que eu leia cem vezes ainda vai ter coisas que podem ser melhoradas e que eu não sou capaz de enxergar, sem falar que, ao ficar presa demais no texto, começo a duvidar de toda a minha capacidade como escritora. É aí que transfiro o texto para amigos de confiança – em principal, os meus colegas de profissão – para receber as opiniões críticas deles. Pode até chegar nas mãos da minha mãe algumas vezes, já que a mesma é professora de português.

Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?

Os rascunhos na sua maioria vêm a mão. Eu sou a dona dos caderninhos para anotar ideias e esboços, quando um fica lotado já corro para comprar o próximo. Não sei porque essa escolha, apenas acho muito mais confortável escrever no papel do que no computador, além disso, eu tenho a liberdade de fazer o famoso rabisco e as flechas que surgem do nada e vão parar no pé da página. Mas eu nunca escrevo – pelo menos não mais – o livro inteiro apenas a mão, faço mais algumas cenas e ideias para cenas. Depois vou montando a história como uma colcha de retalhos no arquivo do computador. Uma vez que outra volto para o caderno, principalmente quando não posso escrever na versão digital na hora, e crio mais um pouco.

Só que na falta de um caderno, eu me utilizo das notas do meu celular para anotar ideias e textos. Tenho inclusive um arquivo para guardar nomes e seus significados para usar em personagens futuros. Às vezes quando tenho sonhos bons demais que precisam virar um livro, corro para o celular para anotar antes que a memória da experiência noturna desapareça da minha mente. Todos os textos que eu posto nas minhas redes sociais são apenas escritos nas notas, por uma questão de praticidade de ter já na mão para quando for publicar de fato.

De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativa?

As ideias surgem de todos os jeitos possíveis e nos momentos mais inusitados do meu dia. Seja no chuveiro, seja na hora de dormir, seja lavando louça. Nunca sei quando vão acontecer, só me preparo para anotá-las o mais rápido que conseguir. Acho que isso se deve ao fato de eu viver no mundo da lua, sempre imaginando algo aqui e ali, ou talvez seja apenas uma coisa comum entre nós escritores. Quem sabe até as duas opções? Já tive a ideia para a aparência de um personagem quando estava parada na frente da universidade, esperando meu pai vir me buscar, e bati os olhos num homem com um visual um tanto fora do comum. As ideias também vêm de tudo que eu consumo, converso e sinto. Das minhas vivências, das vivências de pessoas próximas.

Não sei se faço muito para me manter criativo, além do básico: ler, assistir, ouvir. Consumir arte com frequência mantém a minha mente ativa e renovada. Afinal, o estudo constante é algo que faz parte de um escritor, há sempre algo novo para se aprender e mudar dentro da nossa escrita. Como sou da área de infantojuvenil, tento me manter por dentro dos livros e filmes que vão saindo para esse público com o passar dos anos, os temas que vão sendo abordados cada vez mais e os temas que vão sendo deixado de lado ou sendo mal explorados. Já a música é algo que me inspira bastante, pois eu acredito que cada letra contra uma história em forma de poesia. Eu tento visualizar essa história e tento criar algo a partir daí, dar nomes e estender os caminhos para onde a narrativa pode seguir. O mesmo acontece com as imagens que salvo e fotografo por aí.

O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesma se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?

Não sei dizer bem o que exatamente, só que eu com certeza sou bem mais madura com a minha escrita hoje em dia do que era quando tinha doze anos por exemplo. O curso de Escrita Criativa da PUCRS teve uma grande participação nessa minha evolução. Com os meus professores aprendi muito sobre narrativa, personagens e métodos que eu nunca tinha ouvido falar antes. Antes, meus textos eram um pouco rasos e eu não me esforçava muito para trabalhar neles como devia. Apenas me contentava com a opinião dos outros de que eu tinha talento para a coisa. Tanto que o primeiro livro que escrevi na vida tem vários furos dentro da história e tudo acontece rápido demais, faltando o desenvolvimento no processo. Também sou uma pessoa mais madura com relação aos temas que pretendo abordar e estudar para os meus livros. Quando era adolescente eu pensava apenas em romances bem melosos, trágicas histórias de amor e paixonites jovens. O que levava a uso forte de clichê – e não de um jeito bom – algo que hoje em dia eu evito ao máximo, a não ser que seja para reinventar o clichê de alguma forma.

Se eu pudesse voltar as minhas primeiras criações, diria para eu mais nova que estamos no caminho certo. Que ainda temos muito o que aprender, muito o que mudar e muito o que entender. Diria que nosso sonho de infância não é bobo, ele é lindo e nos vamos faze-lo acontecer. Diria para não desistir, para não duvidar do seu potencial e para seguir escrevendo. Pois o que eu mais precisava naquela época era força para acreditar em mim mesma e a certeza de que ser escritora era possível. Talvez eu até entregasse alguns livrinhos teóricos aqui ou ali, só para ajudar um pouco mais na nossa escrita e a encorajaria a escrever bem mais do que realmente escrevia na época. Porque, verdade seja dita, eu só fui voltar a produzir com mais afinco quando entrei na faculdade e redescobri meu caminho dentro da profissão. Por fim, lembraria ela de fazer backup dos textos, para depois a gente não se arrepender de tê-los perdido – tantos os feitos no computador quanto os feitos a mão.

Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?

Estou empolgada para começar a minha segunda novela, mas só vou poder mexer nela quando terminar o projeto de conto que estou trabalhando no momento – vai ser a minha segunda publicação na Amazon depois da minha estreia com “Praia das Conchas”. A novela vai ser uma história sobre amizades que surgem nos momentos certos e sobre se tornar a melhor versão de si mesmo. A ideia surgiu quando estava vendo um filme juvenil muito mal executado que me deixou com tanto ranço que eu pensei “eu posso escrever algo mil vezes melhor do que isso”. Era apenas uma brincadeira até eu escrever sinopse nas notas do celular e dar um nome para o novo projeto e para as personagens que fariam parte dele. Não posso contar mais do que isso, pois prefiro manter um pouco de suspense no ar. Além dele, eu tenho várias outras histórias esperando sua hora para serem contadas e talvez alguma até tome o lugar dessa novela na ordem de trabalho. Comigo como criadora, nunca se sabe.

Quanto a livros que eu gostaria de ler e ainda não existe, tem vários – nem todos posso assumir a responsabilidade de criar –, mas atualmente o que eu mais desejo são livros com mais personagens com transtornos de aprendizagem e semelhantes, como por exemplo, o meu próprio TDAH; e personagens portadores de deficiência (não só no papel de melhor amigo). Uma literatura com mais diversidade ajuda a criar um mundo com maiores possibilidades para todos. Sempre busco tratar desses assuntos nos meus livros o máximo que posso e espero que mais escritores procurem fazer o mesmo.

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Como escreve Sergio Abranches

21 de janeiro de 2021 by José Nunes

Sergio Abranches é sociólogo, cientista político e escritor.

Como você organiza sua semana de trabalho? Você prefere ter vários projetos acontecendo ao mesmo tempo?

Sempre tenho vários projetos, ensaios, artigos, posts e livros. Não é exatamente uma preferência. É uma necessidade. Eu tenho a disciplina de escrever — o que inclui ler muito, também — no mínimo quatro horas por dia. Estou sempre envolvido com peças de ficção e não-ficção. Frequentemente, estou cuidando de três, quatro projetos em simultâneo. Sempre fiz isto, desde meus tempos de vida acadêmica.

Ao dar início a um novo projeto, você planeja tudo antes ou apenas deixa fluir? Qual o mais difícil, escrever a primeira ou a última frase?

Depende do que esteja escrevendo. Para os ensaios sempre tenho um plano básico sobre o que pretendo, onde quero chegar e que tipo de informação vou precisar. As ficções, deixo fluir. Às vezes tenho uma frase ou imagem na cabeça e, a partir dela, vou em frente. Outras vezes, tenho uma ideia genérica sobre um determinado enredo.

Acho o começo parte essencial seja em um ensaio, seja em uma narrativa ficcional. No caso do ensaio, a ideia de um começo que anuncie o que vem depois, vem do início da minha vida profissional, na primeira juventude, como repórter. Na ficção, vem do fascínio pelos começos que são armadilhas estéticas que prendem você na narrativa. Gabriel Garcia Márquez era um mestre das primeiras frases. O início de Cem anos de solidão é inesquecível. O início de Metamorfose de Kafka. A frase inicial de Anna Karenina, de Tólstoi. O início de O estrangeiro, de Camus. A abertura de Os irmãos Karamazov de Dostoiévski. E, claro, o começo de Grande Sertão Veredas. A frase inicial de Memórias Póstumas de Brás Cubas, de Machado. Enfim, sou apaixonado pelos começos e isso me desafia muito a refletir sobre a abertura dos meus textos de ficção.

O final, às vezes me surpreende, porque eu não o havia visto antes de escrevê-lo. Tenho um certo fascínio por começar pelo fim e ver como o enredo se organiza. Fiz, isto em Que Mistério tem Clarice?. Mas, porque eu havia escrito o final e decidi começar por ele, o texto originalmente pensado para fechar a estória, acabou praticamente no meio da narrativa e ela me levou a outro final.

Nos ensaios, o final é a conclusão. A última frase é importante para fechar definitivamente o raciocínio. Na ficção, o final pode ficar em aberto, encerrar aquela narrativa, mas deixar uma porta aberta para a curiosidade futura do leitor.

Você segue uma rotina quando está escrevendo um livro? Você precisa de silêncio e um ambiente em particular para escrever?

Eu tenho o privilégio de morar em uma casa e construi meu escritório nos fundos do terreno. Escrevo cercado de árvores e é um ambiente muito silencioso. Mas, já escrevi dentro de aviões, em cafés e restaurantes, na praia, de frente para uma reserva de Mata Atlântica. Não tenho muita rotina, nem preciso de silêncio para escrever. Se puder ter silêncio, melhor. Se não, eu me adapto. Hoje em dia, dedico as manhãs a outras atividades e minhas tardes e noites à escrita. Mas, posso trocar uma pela outra facilmente, depende do que esteja a acontecer.

Você desenvolveu técnicas para lidar com a procrastinação? O que você faz quando se sente travado?

Eu me obrigo a escrever ou ler e escrever quatro horas por dia. Quando travo, se já estou com parte do texto escrito, volto para o começo e sempre encontro o fio da meada nesta releitura. Quando não, leio algo relacionado, fico pensando sobre o que quero escrever. Um conto meu, publicado na Revista Brasileira, da Academia Brasileira de Letras, foi resultado deste esforço de escrever. Abri o computador, o cursor piscando na tela e não me vinha uma frase sequer à cabeça. Fiquei um tempão olhando aquele cursor, até que surgiram duas frases: “ O pequeno traço vertical piscando era enervante, exasperante, secante. Ficava ali, insolente, no branco vazio da tela, suposto papel, avisando-o de seu bloqueio.” Foi tudo que consegui naquele dia. No segundo dia, consegui avançar um pouco no primeiro parágrafo. No terceiro, consegui terminar o parágrafo. Só no quarto dia, o enredo se firmou e consegui destravar e completar o conto. É sobre o bloqueio de um escritor e o título, “O cursor”.

Qual dos seus textos deu mais trabalho para ser escrito? E qual você mais se orgulha de ter feito?

O que me deu mais trabalho, na não-ficção, foi A era do imprevisto. Tinha que tratar de muitos campos de conhecimento para falar da grande transição que vivemos. Escrevi dezenas de versões dele. Foram alguns anos. Ao final, era um livro completamente diferente das primeiras versões. O Presidencialismo de Coalizão: Raízes e evolução do modelo político brasileiro foi trabalhoso porque tive que fazer uma pesquisa bastante detalhada. Mas, eu tinha textos anteriores sobre o tema para me orientar. O problema surgiu quando dei por terminado. Fui reler e odiei o resultado. Deletei o arquivo, para não ter a tentação de reescrever um texto que, para mim, não tinha salvação. Só que eu estava a poucos meses da data em que havia me comprometido a entregar o livro à editora.

Na ficção, acho que o texto mais trabalhoso foi um conto, “O apartamento da avenida Atlântica”. Em geral não tenho dificuldade para desenvolver personagens femininas. Clarice foi construída com relativa facilidade, Nina, a filha dela também. Mas, neste conto, eu precisava entender como a personagem central crescia da pré-adolescência à idade adulta e fazer isto caber em uma narrativa curta. No romance O intérprete de borboletas, que ainda não foi publicado, tive bastante trabalho para resolver como tratar do apartamento entre o mundo dos brancos de classe média e o mundo dos negros de periferia. Quando terminei, pedi a um amigo negro que lesse criticamente o texto para me alertar sobre erros inconscientes de racismo. Também foi penoso dar voz, com credibilidade, a pessoas intolerantes e preconceituosas. Na verdade, escrever é sempre trabalhoso.

Como você escolhe os temas para seus livros? Você mantém um leitor ideal em mente enquanto escreve?

Nunca penso em quem vai ler o livro. Não me vejo escrevendo para ser lido. Muitos dos meus textos de ficção nascem de reflexões dos ensaios. De repente, me dou conta de que trato de certas questões que têm uma carga emocional, afetiva, que não consigo captar nos ensaios, mas posso apreender na ficção. Mas, há outros que nascem de uma imagem que me chamou atenção, uma memória banal, que me retorna repentinamente com um significado insuspeito. Na ficção, quando ela engata, eu passo a viver em diálogo com os personagens, que adquirem vida autônoma. Falam comigo, me impressionam, me encantam, me irritam. São eles que estão em minha mente enquanto escrevo.

Em que ponto você se sente à vontade para mostrar seus rascunhos para outras pessoas? Quem são as primeiras pessoas a ler seus manuscritos antes de eles seguirem para publicação?

Quando termino uma versão que me parece aceitável. Tenho alguns amigos aos quais recorro para ler esta versão criticamente. A primeira a ler meu manuscrito é Míriam Leitão. Eu sou também o primeiro a ler os manuscritos dela. É uma troca séria. Temos muita afinidade de gosto literário e algumas diferenças, também Ela é minha leitora mais crítica e minuciosa. Meu grande amigo, maestro e escritor, Ricardo Prado, lê todos os meus manuscritos de ficção. É um ótimo crítico, culto e inspirado. Minha amiga Heloisa Starling, historiadora e politóloga, tem uma enorme cultura literária. Ela é versátil e, como a Míriam, lê minha não-ficção e minha ficção. Afonso Borges, poeta e contista, um bom amigo, é outro leitor importante de meus textos. São sempre leituras que me ajudam a refinar o texto. Nunca envio para editores antes dessas “leituras beta”.

Você lembra do momento em que decidiu se dedicar à escrita? O que você gostaria de ter ouvido quando começou e ninguém te contou?

Desde o final da minha infância eu queria escrever. Meus primeiros textos, contos, escrevi na pré-adolescência. Fui trabalhar como repórter, aos 17 anos, porque queria escrever e achava que seria uma ocupação na qual poderia me dedicar à escrita e ganhar a vida. Não foi bem assim, mas me ajudou muito a polir meus textos e a escrever em qualquer ambiente. Aí por volta desta idade, eu já frequentava assiduamente o encontro anual de escritores que acontecia em Brasília. Ouvi uma palestra do Murilo Rubião e tive coragem de lhe pedir conselhos. Ele perguntou se eu tinha meus contos comigo. Eu tinha levado os três de que gostava mais. Ele leu os contos naquela noite e, no dia seguinte, me deu conselhos que nunca esqueci, principalmente sobre como escrever diálogos. Era uma pessoa muito generosa, esplêndido contista e teve um papel enorme na formação de escritores e na divulgação da literatura brasileira no suplemento do Minas Gerais. Não convivi com ele, mas amigos meus de Belo Horizonte que conviveram sempre me falam dessas qualidades dele.

O que ninguém me contou foi como seria difícil ser escritor no Brasil. Também, se alguém me tivesse contado, eu teria insistido de qualquer forma. Os livros foram meus companheiros mais importantes, desde minha infância no sertão de Minas Gerais.

Que dificuldades você encontrou para desenvolver um estilo próprio? Algum autor influenciou você mais do que outros?

O autor brasileiro de minha predileção absoluta é Guimarães Rosa. Tenho a afinidade do sertão e das veredas, somos da mesma região e ele tinha uma relação de grande carga emocional com meu bisavô materno, “o médico do Curvelo” das narrativas de Guimarães Rosa e personagem do desfecho de Miguilim. Foi certamente uma influência, mas não na escrita, que a dele era muito pessoal e especial. Machado, desde o começo. E o conheci pela obra romântica. Garcia Márquez é outra presença marcante na minha formação literária. Kafka marcou muito minha juventude, assim como Herman Hesse. Outras presenças marcantes foram Hemingway, Sartre, Camus e Thomas Mann.

Meu estilo nasceu do encontro entre minha personalidade e minhas leituras, na fronteira entre ensaio e ficção.

Que livro você mais tem recomendado para as outras pessoas?

Quando se trata de leituras existenciais marcantes, Grande Serão Veredas, A montanha mágica, O lobo da estepe e Crime e Castigo. Estes quatro são, disparados, os que mais recomendo, dependendo da pessoa e da hora. No dia a dia, costumo recomendar livros que acabei de ler. Aliás, faço isso quase diariamente em uma live com o Afonso Borges no Instagram, 15 minutos de papo. Sempre terminamos recomendando livros. Na temporada do ano passado, recomendei, entre outros, O avesso da pele, de Jefferson Tenório, Torto Arado, de Itamar Vieira Junior e O que ela sussurra, de Noemi Jaffe.

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Como escreve Mariana Belize

21 de janeiro de 2021 by José Nunes

Mariana Belize é escritora, mestranda em Literatura Brasileira na UFRJ.

Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?

Eu começo meu dia às oito feito um zumbi. Durmo pouco. Só depois do café bem forte é que a alma começa a voltar pro corpo. A rotina matinal se resume em voltar ao planeta devagar, vou caminhando pela casa com a caneca de café na mão, sem falar nada, às vezes sento pra ver o sol, o tempo, mas na verdade o cérebro ainda tá reconectando com o espírito. Só dou bom dia ao meu cachorro. Não consigo ler de manhã, eu durmo muito tarde e com a pandemia tenho trabalhado de madrugada. Enfim, uma rotina sempre caótica. Sempre escrevendo, sempre lendo, sempre pensando obsessivamente em assuntos específicos. Quando o cérebro, enfim resolve funcionar, também demora pra desligar, aí junta com o vício do café, as notícias tenebrosas e a angústia de tudo… Às vezes, eu acho que nunca mais vou dormir, às vezes eu me pergunto se realmente acordei. É caótico. Viver é caótico e eu não tenho a menor paciência comigo porque sou muito molenga. Queria viver na velocidade da luz, mas meu corpo e o cérebro só vão a 20 km por hora. É frustrante ser humano.

Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?

Sempre de madrugada, tudo de madrugada é melhor… As coisas só acontecem de meia-noite até às quatro da manhã. Todo mundo dormindo, um silêncio danado, eu penso melhor, o tempo tá mais fresco. Acho que a imaginação funciona melhor nesse horário. Sento no chão da cozinha com alguns livros de pesquisa, com os de poesia também e vejo entrevistas com autores, documentários no computador– tudo de madrugada. As anotações correm mais soltas, as músicas são ouvidas com mais atenção. Eu gosto muito do silêncio, da escuridão, do céu noturno.

Nenhuma preparação especificamente pra escrever, na verdade bem que eu gostaria de ser mais metódica e descrever um ritual milimétrico de conjuração de musas e etc., mas nem tenho tempo pra isso. Talvez um banho bem gelado e um café bem quente, mas não é sempre que faço isso. Eu podia falar um cigarro, porque ficaria mais legal, mas eu nem fumo porque tenho rinite. Também não bebo álcool porque me dá uma dor de cabeça danada. Só o café mesmo que me ajuda, quando ele quer ajudar… Escrevo o que vem na hora e haja revisão pra ter alguma coisa que preste no meio de tanto lixo. É muito difícil o processo de revisar o que eu escrevo porque sempre peso a mão demais e quero achar A Palavra Certa, não qualquer palavra. E esqueço que meu cérebro é um negócio humano, cheio de tretas e cansaço, limitações, símbolos desconhecidos, memórias falsificadas, coisas que eu queria esquecer, ele fica martelando umas coisas que não me interessa…. às vezes ele não tá colaborando e eu tomo café e é sempre uma roleta russa que pode piorar ou melhorar a situação. Não tenho nenhuma paz nesse processo, não queria gostar dessa coisa dolorida de escrever e revisar e viver nessa agonia, nessa vida que também não sei fazer outra coisa que preste. Nasci sem o gene da empreendedora de sucesso. A escrita é só o que me consola e também o que me destrói, eu espero que um dia isso acabe e eu não escreva mais. Antes disso, só queria ter coragem de lançar um livro de qualquer coisa que eu tenha escrito que não me envergonhe tanto e que, no mínimo, seja útil pra alguém de alguma forma.

Mas acho difícil porque sou uma pessoa muito limitada.

Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?

Períodos concentrados, obsessivos e que tomam a vida. É fácil começar a escrever, mas é difícil sair do fluxo da escrita, é difícil sair do momento da revisão, é difícil pensar no leitor e na publicação e é difícil pensar em botar isso no mundo. Aí a escrita acaba do nada porque eu tenho que dar um corte mesmo. E tenho que fazer outras coisas, falar com as pessoas, sobreviver, ganhar dinheiro e sei lá. Mas viver, viver mesmo só quando escrevo. Quando estou fora do fluxo, alguma coisa se perde de mim e que não tenho mais acesso. Aí ter que sobreviver é difícil porque é como perder um órgão, um olho, um pedaço do corpo é como se morresse e não tem volta. Não tenho meta diária porque não sou escritora profissional. E não tenho meta diária porque ainda tento lutar contra a escrita, não aceito essa devoção, mas ao mesmo tempo, desejaria me entregar a isso de uma forma que morresse escrevendo sem parar até o fim.

É complicado.

Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?

Não é difícil começar, difícil é dar limite e voltar pras tarefas cotidianas. A escrita se alimenta da pesquisa. E a pesquisa é via internet, também lendo outros livros, tentando entender a própria mente e viajando na maionese, como dizem por aí. Mas as palavras também são uma pesquisa vasta, difícil, impossível de conhecer tudo e todas. As pessoas também são fontes de histórias nunca contadas, os olhos das pessoas, os gestos – como aquelas pesquisas que os atores fazem pra montar personagem. Os animais me interessam pela sinceridade. As nuvens. Estrelas. O céu e os mistérios da vida. As ciências exatas, biológicas, questões astronômicas. O tarô é um bom livro de pesquisas também, só é chato ficar tirando a mesma carta durante meses e demorar pra entender a mensagem. Fora isso, é uma boa companhia.

Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?

Não lido, vou escrevendo e tento usar essas dificuldades de forma que não me destruam tanto. A procrastinação não me pega na escrita literária. As expectativas: a única que tenho é não passar tanta vergonha quando publicar algo. Sempre penso que ninguém se importa com o que eu escrevo, se escrevo ou não, se é bom ou ruim, sei lá. Trabalhar em projetos longos é sempre um alívio porque traz a sensação de que nunca vão sair do papel então nunca vão realmente fracassar. São bons pra enganar a si mesmo. E eu gosto disso porque não vejo mérito nenhum meu em escrever alguma coisa. E, na verdade, não entendo porque entrei nessa quando era mais nova. Começou com diários infindáveis, aí veio a poesia, que sempre foi uma merda e quando eu vi estava na prosa… Um inferno de amor e agonia, esta é a literatura. Eu prefiro ler. Ler muito. Ler tudo. Ler bula de remédio, ler jornal, ler textos pra revisar, ler mapas astrais, qualquer coisa, qualquer coisa. E fugir. Vou adiando e ponto.

Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?

Nunca estão prontos os textos. Nunca lancei um livro de verdade. Eu deveria mostrar pras pessoas, mas acho tudo muito ruim e sempre volto pra revisão infindável. Uma covardia confortável. Cada um com seus problemas.

Mostrei um conto pra uma escritora uma vez e ela gostou. Mas eu achei que ela estava sendo simpática e nem respondi nada ao e-mail. Queria pedir desculpa porque na verdade foi uma ação meio equivocada da minha parte. Eu nem devia ter enviado o conto pra ela. Tenho um blog no ar com alguns poemas e uns delírios que me envergonham, achei que podia manter no ar, mas não atualizo há meses. Já fui mais disciplinada com essas coisas de postar na internet e querer as pessoas leiam. Hoje não consigo mais ser assim e só publico algo no Facebook quando escrevo pra alguém, quando faço homenagens ou sobre algum assunto que importa, como feminismo, etc. Mas é pouco perto do que tenho guardado e fico reescrevendo.

Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?

Antipatias ocasionais entre o computador e eu. Tudo é manuscrito, desorganizado em cadernos que eu coleciono e vou escrevendo neles, tentando colocar data nas coisas pra não ficar tão perdida. Eu gosto de cadernos, canetas, lápis, desenhos, papel é tudo. Depois vou digitando, aí entra o processo de ter aquela paciência…. e vou corrigindo aos poucos, aí releio, reviso, releio, reviso, reescrevendo, reescrevendo… Parece que nunca vai acabar. Às vezes, deleto tudo, reescrevo. Desisto de tudo, quero largar tudo, não quero escrever mais, não vejo valor nas palavras que escrevo. Aí depois volto, sento, escrevo de novo. Um processo muito lento, muito pensado, devagar quase parando. Uma tartaruga. É bem triste, na verdade, não tem nada de importante nisso, nem de bonito, nem de nada. Quando leio Borges, Leminski, Clarice… é que eu enxergo realmente o tamanho da minha ignorância quanto à poesia. Por isso que escritor, escritora tem que ler, tem que ler pra ver a própria insignificância.

De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativa?

Minhas ideias vêm das coisas que eu sonho, que eu vejo, que eu leio – vem dos cinco sentidos. Os sonhos sempre alimentam uma parte “boa” do processo de escrever, a pesquisa também alimenta essa coisa boa e sem nome que existe neste processo. Mas esta coisa boa é fugidia, escapa quando começa mesmo a escrita em si e a revisão.

Não me acho exatamente criativa ou tenho qualquer hábito pra isso. O que me faz escrever é sonhar, acordada ou dormindo, lutando comigo mesma, sabendo que nada disso faz diferença. O sonho é quem manda, eu só assino embaixo porque não há outro caminho.

Como diz o Leminski: “Não discuto com o destino. O que pintar, eu assino.” Mas eu reviso pelo menos, eu juro que reviso. Até porque eu escrevo mal, então se não revisar é pior.

O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesma se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?

O que mudou no meu processo? Eu me cobro muito mais do que antes, cada dia me cobro mais. Um processo exponencial. E se eu pudesse pediria à minha versão adolescente que não deletasse os textos ou jogasse os rascunhos fora. Deixasse tudo guardado numa caixa, num e-mail, num blog, sei lá. Mas sei que ela não me ouviria, mesmo que pudesse. Ela era melhor que eu e não queria mesmo que eu lesse as coisas dela. Como eu acho hoje sobre o que escrevo, ela também achava os poemas muito ruins, infantis e piegas. Ela achava que o mundo ia acabar e ficava perturbada com isso…. eu acho que já acabou e não fez diferença.

Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?

Queria lançar um livro de poemas que eu trabalho há três anos. E um livro de resenhas publicadas no Projeto Literário Olho de Belize, que acho que valeria mais a pena pros leitores do que os meus poemas, contos – essas minhas bobagens. O livro que eu gostaria de ler: uma tese longa, bem longa, sobre escritoras contemporâneas fora do eixo RJ-SP. Elas têm obras magníficas que as universidades fazem questão de não olhar com a atenção devida e isso me incomoda muito e profundamente…

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Como escreve Anchella Monte

21 de janeiro de 2021 by José Nunes

Anchella Monte é poeta e escritora, autora de “A Trama da Aranha” e “Haicais Imperfeitos”.

Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?

Tenho uma rotina matinal. Meu dia começa muito cedo, e isso há anos, hábito adquirido pelos 37 anos trabalhando como professora de Língua Poetuguesa. Mesmo em feriados, indo dormir pela madrugada em ocasiões de festas, o relógio interior manda que me levante, o que costuma acontecer entre 5h30 e 6h. Depois vem a sequência de preparar o café (que costumo tomar sozinha, porque os demais ainda dormem) e ir cuidar do jardim. Tenho um jardim grande e todo dia passo pelo menos uma hora a molhar as plantas, tirar folhas secas, eliminar pragas e ver a festa dos pássaros. Há muito movimento em um jardim. E depois vêm as mais diversas atividades, de cuidados com a casa a trabalho com revisões (depois de aposentada).

Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?

Pela manhã costumo estar com a mente mais ativa. Porém não tenho uma disciplina no que diz respeito a escrever, nem quanto ao horário nem quanto à frequência. Há tempos em que escrevo direto, uma ideia alimentando outra, uma inquietação que me dita poemas e meio que desequilibra o meu dia, porque fico ansiosa para estar diante do computador e as outras atividades ficam desinteressantes e pesadas. Depois não tenho vontade de escrever por um tempo. Sou disciplinada com muitas coisas, mas nem um pouco com a escrita.  Se há um ritual é tão somente ficar diante de uma tela iluminada, sentindo uma satisfação imensa pela “folha” em branco estar se transformando, porque ali estou com palavras que vão criando forma e texto.

Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?

Como disse na pergunta anterior, não escrevo todos os dias e somente às vezes ocorre em períodos concentrados.  Recentemente, diante das incertezas causadas pela pandemia, que nos obrigaram a pensar na morte de forma mais constante, como algo muito próximo e muito possível, senti uma imensa vontade de escrever histórias infantis. Era um projeto antigo,  quando minha neta mais velha, hoje com dezessete anos, ainda era uma menina bem pequena. Na época, escrevi a primeira historinha, a qual levava seu nome – Clara.  As histórias seriam batizadas com os nomes das crianças da família, cada uma delas protagonista de um enredo ficcional, não baseado “na vida real”. Ou seja, os nomes dos contos seriam uma fonte inspiradora inicial, apenas isso. E assim fiz. Em menos de dois meses, escrevi as 21 narrativas, em livro já na gráfica, intitulado “Histórias de Crianças”. Não pensei que conseguiria publicá-lo nem tão cedo, pois livros infantis são caros, demandam ilustrações, cores, e eu não teria como custear o meu. Mas então amigos me incentivaram a buscar os recursos da Lei Aldir Blanc. Achei complicado o edital, parecia que tudo estava escrito em mandarim! Então Ivan Jr. (da Offset Gráfica e Editora) e Aluísio Azevedo (Unilivreira) assumiram o projeto, inscreveram meu livro e fomos contemplados. Histórias de Crianças findou sendo meu único livro concebido como projeto. E durante a criação das histórias infantis realmente escrevi todos os dias, quase sempre pela manhã. Mas foi uma exceção. Escrevo com muita liberdade.

Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?

Como escrevo principalmente poesia, pesquisa não é uma preocupação. A escrita é que muitas vezes me leva para a pesquisa. Vou citar dois exemplos de poemas que estão em dois livros diferentes. Em “Temas Roubados” há o poema “A menina que cantava para dentro”,  apresentando  Dona Militana, romanceira de prodigiosa memória que passou a vida ocultando a  poesia musical que a habitava porque, segundo seu pai, moça “direita” não podia cantar. Poema já no papel, procurei artigos de jornal que falavam sobre ela, descoberta pelo pesquisador e poeta Deífilo Gurgel. Assim também procedi com os poemas “Relíquia” e “Também Luzia”, do livro “Entre Tempos”, nos quais Santa Luzia aparece como a mulher corajosa que morreu em sofrimento por defender suas ideias e não voltar atrás nas decisões. Primeiro os poemas, depois a pesquisa para ter certeza de que não estava cometendo equívocos quanto às histórias (embora com diferentes versões, os pontos principais se assemelham) presentes no meu texto. Isso ocorreu em muitos poemas, e continua sendo assim. Então não é difícil começar. Escrevo somente quando estou com poemas em mim.

Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?

Não me preocupo, de verdade.  Há períodos em que não escrevo nada, mas acho isso normal. Acredito estar armazenando ideias e sentimentos. Como não sou “profissional” da escrita, raro ter projetos (exceção ao “Histórias de Crianças”, como relatei). Meus livros não surgiram concebidos como livros, eu estava escrevendo poemas, depois reunidos. Mesmo o meu último trabalho, lançado em 2020, o “Haicais Imperfeitos”, reúne tercetos escritos em anos diferentes. Resultam de uma paixão por haicais, tão somente. Talvez seja uma falha minha, a falta de “unidade temática”. Mas é como me sinto à vontade. Às vezes os poemas acontecem numa sequência que estabelece uma relação entre eles, como é o caso da primeira parte de “Temas Roubados”. Esse roubo diz respeito a minha motivação para escrever ter partido da leitura de poemas de outros poetas, não  simplesmente como epígrafe, mas porque havia em minha vivência uma identificação com o tema, uma narrativa que dialogava com a do autor escolhido.  Sobre medo de não corresponder às expectativas, não tenho medo, mas me sinto responsável com a qualidade do que escrevo. Aí bate uma insegurança, apesar do longo tempo de escrita, porque não sei de fato se escrevo bem. Mas sei que há tanta gente que escreve maravilhosamente, inclusive em nossas terras potiguares, por isso penso, diante desses autores que me encantam: quando crescer, quero escrever assim.

Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?

Reescrevo bastante.  Procuro a concisão, nem sempre alcançada. Alguns poemas reescrevo muitas vezes, não sei quantas. E embora professora de Língua Portuguesa e revisora, passo sempre para outra pessoa a tarefa de revisar meus livros antes de serem diagramados. Difícil o autor perceber certos erros que comete, talvez até por hábitos adquiridos ao longo da vida ou pela proximidade emocional com o que escreve. Além da revisão, costumo mostrar os poemas para leitores próximos, da família ou amigos, o que já me fez tirar alguns textos ou decidir por manter outros que me causavam dúvida sobre se mereciam seguir em frente.

Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?

Quem não escreveu poemas em mesa de bar? Estacionou o carro no acostamento para anotar um pensamento antes que a memória apagasse?  Ou interrompeu uma conversa subitamente e correu para registrar  um verso? Fiz e faço isso frequentemente.  No livro “Entre Tempos” há o poema “Laranjas” que me surgiu enquanto estava num barzinho, escutando um cantor que admiro e interpretava no momento uma canção de amor, sem relação alguma com meu pai. Mas algo me fez tê-lo diante de mim, descascando laranja com a perícia que me deixava encantada quando menina. O poema foi praticamente pronto para um guardanapo. Quase nada mudei ao digitá-lo no dia seguinte. Porém prefiro escrever no computador. Com os recursos que possui, apago, mudo de lugar, reescrevo os versos com a rapidez e as muitas ideias que vão surgindo (uso, na verdade, como uma mágica máquina de escrever). Acho mais lúdico que a caneta. A minha filha mais nova, Juliana, recebeu menção honrosa num concurso de poesia da UFRN com o poema “Mãe e Filha”, no qual ela fala sobre nós duas: ela, a jovem que gosta de escrever no papel; e eu, a mais velha, adepta do computador. Versos finais do poema de Juliana: “[…]mundo moderno/ ela digita/ com o tempo sempre corrido/ ela se habita em seus versos./ Eu sigo os seus passos/ de maneira mais primitiva./ Gosto de calos nos dedos/ gosto da letra feia no papel./ Somos mãe e filha./ Ela é jovem/ eu sou antiga.” Quanto a outras tecnologias, principalmente no que tange a blogs, sites, lives, podcasts, assisto/escuto, mas não gosto. Ler na tela só vale para textos curtos. Artigos e livros só funcionam para mim em impressos.

De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativa?

Minhas ideias vêm do dia a dia, das vivências de ordem pessoal e familiar (tempo e memória), mas também do que leio, escuto, vejo e está posto em nosso contexto.  Meus temas são bem variados, tenho também uma ligação muito forte com a natureza. Matérias de jornal e histórias contadas por amigos também costumam virar poesia. Escrevi o poema “A árvore que chovia” baseado num fenômeno que aconteceu na cidade de Mossoró, num dia de muito sol e nenhuma chuva, mas da copa de uma árvore frondosa começou a cair uma chuvinha fina. “O carneiro” partiu do relato de uma amiga sobre o animal sacrificado para um churrasco, na casa de praia de seu irmão. Em tudo há poesia, muitas vezes triste.

O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesma se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?

A maturidade traz muitas mudanças. Só estátuas não mudam, acho natural que a experiência traga também novas exigências. Como autora, sou antes de tudo leitora, e a leitura contínua faz com que você conheça um universo sem fim de textos fortes, vitais, emocionantes. No meu caso, penso mais no que escrevo, descarto muitos textos e reescrevo os que salvo – mas dificilmente me dou por satisfeita. Se eu pudesse voltar às primeiras publicações, deixaria menos poemas nos livros. Da maioria ainda gosto, porém de outros não.

Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?

Não estou com um “projeto” em mente, mas com poemas novos em processo de maturação. Sem pressa.  Esse período de pandemia com certeza vai criar matéria-prima para todos os escritores, experiência triste e inédita para as pessoas deste tempo. O confinamento e a dor das perdas estarão em poemas e romances, mesmo que não como registro histórico, mas como uma marca na alma. Os poemas que estou escrevendo dizem respeito a essas tatuagens que a vida imprime com muita intensidade, cor e sangue.  Todos os livros que gostaria de ler já existem, agora ou no futuro. Sei que de uma forma ou de outra terei acesso a eles. A criatividade e a capacidade de transformar as palavras em arte atravessa o tempo e o espaço, e como leitora estou sempre a procurar os bons autores e sei que bons livros sempre hão de chegar, surpreendentes.

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Como escreve Otavio Linhares

21 de janeiro de 2021 by José Nunes

Otavio Linhares é escritor, autor de “O Cão Mentecapto”.

Como você organiza sua semana de trabalho? Você prefere ter vários projetos acontecendo ao mesmo tempo?

tenho uma torrefação de cafés especiais e trabalho efetivamente nela de segunda a sexta. minha rotina basicamente consiste em torrar cafés, vender cafés, fazer entregas e voltar pra casa. no meio disso vou encaixando o resto. teatro, cinema, literatura, e a nossa mais nova aquisição: a maria luíza que nasceu em agosto. meio que não sobra muito tempo mas a gente se organiza pra que todo mundo possa respirar e fazer o que gosta. tenho lido e escrito mais à noite agora, e nos intervalos durante o dia. vou fazendo anotações e escrevendo quando dá e aí nos fins de semana sento e arrumo tudo. tem funcionado. estou conseguindo trabalhar num romance desse jeito. talvez demore mais que o normal pra ser lançado, mas, no momento, é o único jeito. não sei se gosto de tudo acontecendo ao mesmo tempo, mas tudo sempre aconteceu assim na minha vida.

Ao dar início a um novo projeto, você planeja tudo antes ou apenas deixa fluir? Qual o mais difícil, escrever a primeira ou a última frase?

não faço planos. vou fazendo e acontecendo. as coisas acontecem. quando tenho vontade de escrever, escrevo. se não tenho, não. tenho ideias o dia inteiro. uma atrás da outra. se fosse dar atenção a todas elas, não terminaria nenhum livro. mas às vezes tem umas que são boas, que eu penso, opa! acho que temos algo aqui! aí anoto e depois trabalho em cima pra ver se vira alguma coisa. às vezes vira. às vezes não e aí abandono. e nessa filtragem de ideias lá no fim tem-se um livro. acho que o mais difícil é sempre começar. depois que engrena e eu começo a sentir tesão no negócio, aí vai embora e no fim é só gozo, festa e alegria. terminar um livro é a coisa mais tesão do mundo. começar é foda. róla uma inércia fudida.

Você segue uma rotina quando está escrevendo um livro? Você precisa de silêncio e um ambiente em particular para escrever?

mais ou menos. quando sobra um tempinho eu prego o pé e escrevo. porque assim, quando tô no processo de um livro novo, muito provavelmente eu vou estar com muito tesão naquele troço, então vou querer ficar mexendo nele até acabar, mas não tenho todo o tempo do mundo pra isso e aí é foda. queria ter mais tempo pra escrever mais e melhor, pra trabalhar mais a escrita. e aí tem sempre a maldita inércia pairando sobre minha cabeça. gosto de escrever no silêncio porque aí eu coloco alguma música, ou gosto da bagunça, da cacofonia. o que não dá é tentar se concentrar pra escrever quando tem um barulho apenas. aí não tem como. sentar num café com bastante gente conversando é gostoso, não vejo problemas. já escrevi muita coisa nesse ambiente. ou até em bares, cantinas de faculdade, enfim… mas ultimamente tenho preferido escrever no meu escritório, no computador, tomando um cafezinho, ouvindo a música que embala o livro. tem funcionado melhor.

Você desenvolveu técnicas para lidar com a procrastinação? O que você faz quando se sente travado?

tem que escrever. o único jeito de destravar é escrevendo. é começar um negócio que dê tesão e pregar fogo nele. achar o tom, a cor, a musicalidade do texto, e acelerar. acho que pra tudo tem que ter tesão. se fizer meia bomba não adianta, vai ficar uma merda. e aí é melhor nem fazer. então, acho que tem que fazer pra destravar, mas, ao mesmo tempo, tem que fazer com tesão, pra não ficar paia. eu tenho uns lugares existenciais que me ajudam a retomar o prazer pelo fazimento da coisa. reler um livro, ouvir determinadas músicas, caminhar por certos lugares, encontrar e conversar com pessoas interessantes. por exemplo, tem um livro que eu sempre recorro a ele quando preciso acelerar a cabeça: trilogia suja de havana, do pedro juan gutiérrez. adoro o livro inteiro, mas o último capítulo tem uma energia que me puxa pra cima de novo. quando tô meio down com a escrita recorro a essas droguinhas.

Qual dos seus textos deu mais trabalho para ser escrito? E qual você mais se orgulha de ter feito?

o último. o último é sempre o mais difícil e sempre o melhor. porque vai ficando sempre mais difícil se superar. a gente se gasta. e se gastando perdemos o interesse. quando eu sacar que tô deixando de ser interessante vou parar, fazer outra coisa. acho que trabalhar com plantas. esse ano vou lançar meu primeiro romance, cavalo de terra, pela editora moinhos. sem dúvida é meu melhor texto. tenho muito orgulho dele. mas vai passar porque eu já tô trabalhando num lance novo e daqui a pouco o novo é que vai ser melhor. e por aí vai até acabar.

Como você escolhe os temas para seus livros? Você mantém um leitor ideal em mente enquanto escreve?

nunca escolhi tema. sempre fui fazendo o que dava na telha meio que por intuição. o cavalo de terra ainda tá nesse lugar intuitivo, histórico-emocional, biográfico, flertando com o imagético infanto-juvenil, que permeia todos os meus textos. nesse novo trabalho, não. começou com intuição mas tô tendo de trabalhar mais racionalmente determinadas coisas, por exemplo, uma questão que pra mim é muito cara no brasil: a propriedade privada. por enquanto é muito difícil falar sobre e nem sei como vai ficar, mas já venho sentindo isso. parece que algumas coisas amadureceram. acho que o frescor, o senso de humor irônico, sarcástico, isso vai perdurar, mas acho que as questões nos meus trabalhos estão levantando a cabeça e tirando os olhos do próprio umbigo.

sim. existe um povinho que fica na minha cabeça lendo enquanto eu escrevo e dizendo como as frases ficam melhor escritas e me mandando mudar determinadas partes do texto. eles têm a mania de ficar falando as palavras seguintes que eu vou escrever. eu escolho A e eles ficam, B é melhor, B é melhor, B é melhor. aí eu coloco B e realmente fica melhor, aí eles ficam não te disse! não te disse! não te disse!

é ruim mas é bom.

Em que ponto você se sente à vontade para mostrar seus rascunhos para outras pessoas? Quem são as primeiras pessoas a ler seus manuscritos antes de eles seguirem para publicação?

quando tá pronto. nunca mostro antes. a olívia ♥ é sempre a primeira pessoa. depois tem meus amigos mais próximos que dão uns palpites antes da coisa ir pra adiante: leprê, francinha, diego, bia. geralmente pessoas que são muito íntimas e que manjam meu jeito e conhecem minha história e aí não precisa ficar explicando o porque das coisas. já vai direto no que importa.

Você lembra do momento em que decidiu se dedicar à escrita? O que você gostaria de ter ouvido quando começou e ninguém te contou?

devia ter uns 15, 16 anos. escrevia umas letras de música, uns poemas. gostava deles. achava que podiam ir pra frente. o que faltou na época foi diálogo com pessoas que pensassem parecido pra que isso virasse estímulo. então meio que a coisa esfriou. quando conheci essa piazada que citei acima o sentimento de escrever voltou. a pior coisa pra alguém que tá começando é a vergonha. depois é a alta baixa-estima. se juntar essas duas coisas a pessoa não avança, não evolui. tem que ter diálogo, estímulo.

porra piá! que tesão! cê manda bem! isso aí já ajuda qualquer pessoa a querer mais. crianças e jovens precisam ser estimulados. adoro falar sobre literatura pra esse público. falar sobre escrita, sobre leitura, sobre processos textuais. eles se sentem mais valorizados, mais capazes de fazer as coisas. e não necessariamente na literatura. a gente precisa estimular as pessoas pra que elas se sintam mais capazes de fazer qualquer coisa. tem que mexer com a estima de cada um. jogar pra cima. confiar. depois a vida sabe mais. a vida é o melhor filtro. ninguém precisa de alguém dizendo que você não serve pro bagulho. é paia dizer isso. tá cheio de gente frustrada por aí querendo puxar teu tapete. então se possível estimule os mais jovens pra eles não se sentirem perdidos quando um mané chegar pra eles e dizer que eles não sabem o que tão fazendo.

Que dificuldades você encontrou para desenvolver um estilo próprio? Algum autor influenciou você mais do que outros?

ser fiel ao seu daemon. ouvir a voz íntima que sussurra em nossas cabeças e aceita-la. o mais difícil é não fugir de si próprio, da exposição da sua intimidade. uma questão estética é sempre uma questão existencial. ser original significa encontrar a origem, mas a origem do que? eu acho que é a sua própria origem. a estética dos textos diz muito mais sobre quem escreveu do que propriamente o que a pessoa poderia dizer sobre ela mesma, mas desde que ela seja fiel à voz daemoníaca que sussurra na cabecinha dela.

acho que a grande influência da minha vida foi nietzsche.

Que livro você mais tem recomendado para as outras pessoas?

vai muito do momento, das leituras que eu tô fazendo e do que elas representam no momento presente. recentemente dei pra minha mãe o torto arado, do itamar vieira jr, e o cem anos de solidão, do garcía marquez.

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Sobre o autor

José Nunes (@comoeuescrevo) é doutor em direito pela Universidade de Brasília.

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