Valesca Lins é pedagoga, escritora, poeta e estudante de psicanálise, autora de “Minhas Conversas Florescidas no Khat” (Giostri, 2020).

Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Eu tenho uma filha em idade escolar. Então, a rotina é tomar um café e acordá-la para que ela assista as aulas ou levar até a escola. Que neste momento está no modelo híbrido (remota e presencial). Mas se eu sonhei algo muito interessante, mantenho um caderno próximo a cama e a primeira coisa que faço ao acordar é anotar o que lembro do sonho.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Eu sou notívaga. Durante o dia não me sinto desperta nem para ler nem para escrever. À noite estou sempre mais disposta. Gosto do silêncio da madrugada. Ultimamente, eu tenho escolhido uma trilha sonora quando estou escrevendo.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Costumo dizer que mesmo quando não estou escrevendo, estou escrevendo. Eu tenho exercícios de escrita. Anoto palavras que achei diferente, anoto ideias que, às vezes, vêm de um olhar mais atento. Estou sempre lendo livros e observando o formato da escrita.
Eu não tenho meta de escrita diária, mas exercícios. E quando tenho uma história para contar, sento e escrevo.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
Não sinto dificuldade em iniciar uma história, isso acontece ao longo do processo. Porque a personagem tem os caminhos dela e eu tenho intencionalidade. O conflito se dá entre a estrada que a personagem está trilhando e minha intenção. Isso dificulta o desenvolvimento da história que vai se resolvendo à medida que a história vai fluindo e se encaminhando.
Eu penso na personagem, nas suas características e no ambiente em que ela vai circular e é isso que move minha pesquisa. Se quero falar de um determinado assunto do século XIX, por exemplo, vou para lá saber como era a vida das pessoas.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Eu cresci num ambiente onde a escrita não era algo apreciado nem estimulado. Aprendi a gostar de ler, já tarde, com 18 anos de idade. Passei a escrever há apenas 4 anos atrás. Então, ainda, tenho muitas inseguranças, síndrome do impostor. Medo de dar certo e medo de não dar certo. Eu escrevo para manter o espírito da minha revolta vivo e criar mundos que possam compensar este em que nós vivemos, a expectativa é essa.
Passo períodos sem escrever, apesar de me exercitar. Não fico ansiosa ou desesperada porque não estou escrevendo. Têm períodos que escrevo bastante e guardo. Quando aparece algum projeto que desperta meu interesse, geralmente, tenho comigo algo para apresentar.
Os projetos longos trazem aprendizado seja lidar com as pessoas ou no aspecto técnico da escrita. Terão dias de euforia e outros de baixa energia e tudo bem. É importante sentir variadas emoções, acho que não devemos medicalizar isso ou tentar aplacar o que é desconfortável.
Não sou muito ansiosa, o que acontece é que tenho muitas ideias e os pensamentos fervilham bastante quando estou escrevendo e, consequentemente, custo a dormir por causa dos devaneios.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Não conto as vezes que reviso, mas são muitas. Troco palavras e sempre dou para outras pessoas lerem. Pessoas nas quais confio e sei que não vão fazer bajulação, vão ser sinceras e também não vão usurpar o texto. É importante ter parceiros, neste sentido, apesar de eu discordar de alguns argumentos e impressões e em outras ocasiões concordar e rever o que pode estar truncado.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Eu ainda escrevo à mão, parece que esta atividade me ajuda cognitivamente. Mas tenho progredido com o computador e o celular. As poesias, geralmente, escrevo no celular. Os contos muitas vezes termino no computador e passo a limpo o que está à mão depois.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativa?
Como disse acima, mantenho exercícios de escrita. Anoto palavras, ideias, observo, escuto muita música, leio bastante. Também faço cursos em diversas áreas desde arte visual até àqueles ligados a alguma cultura diferente da minha.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesma se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?
Com o tempo aprendi técnicas de escrita, deixando meus textos mais fluidos e simples. Acho que isso se comunica melhor com os leitores. Além de ter criado consciência e intencionalidade, não escrevo mais como leitora. O que eu diria pra mim? Cuidado com os clichês, pode usar, sim! Mas não de qualquer maneira.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Um romance, eu ainda nem pensei sobre isso.
Toni Morrison disse “Se há um livro que você quer ler, mas não existe ainda, você deve escrevê-lo”.