Priscila Carvalho é escritora, coautora de “Negras Crônicas” e “(Re)existência”.

Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Bom, ao acordar eu procuro ter uma conexão com a minha espiritualidade para agradecer por mais um dia, sobretudo, nesses tempos pandêmicos. Em seguida, me levanto, bebo água, me alimento e inicio minha rotina de trabalho checando os e-mails.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Eu funciono melhor a noite. É o momento do dia que as ideias fluem com mais tranquilidade.
Não tenho um ritual específico para escrever. Eu chamo meu processo criativo de “trabalho de parto”. Quando alguma ideia me vem à cabeça e ali vai sendo gestada, eu sinto uma inquietação intensa até o momento do parto, que é a escrita propriamente dita. Não há uma regra, só busco estar conectada comigo mesma para continuar gerando e parindo escritos.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Meus textos costumam vir de uma vez só, em períodos concentrados.
Eu gosto de deixar a minha criatividade livre, exceto quando estou envolvida em um projeto com prazos. Nestes casos, sim, eu estabeleço metas de acordo com a data de entrega e o tamanho do texto final.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
Já tive processos de escrita bastante complexos em que as ideias pareciam não ser traduzíveis em palavras. Porém, na maioria das vezes, há uma fluidez entre a inspiração e a construção textual que torna o processo tranquilo e prazeroso. Escrever é um momento de deleite, de liberdade, de criatividade. Faço o possível para não perder estas sensações durante as minhas produções.
Sobre as pesquisas, eu procuro concentrar o máximo de informação possível e depois faço uma triagem focando no que de fato será útil para aquele trabalho. A partir daí eu vou trançando as minhas ideias com os materiais de pesquisa até que o produto seja um texto coeso.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
As travas são bastante comuns, principalmente em projetos de escrita acadêmica ou com temas muito específicos e fechados. Com as travas, a procrastinação acaba sendo uma consequência, uma fuga daquele momento de tensão. O medo de não corresponder é o passo seguinte, mas, tento fazer deste medo algo desafiador e não algo que vá me paralisar.
Para interromper este ciclo de bloqueios criativos, quando as ideias se esgotam eu busco me afastar daquela escrita por um período curto, porém, procuro leituras que tenham alguma relação com o tema. Estas leituras costumam trazer insights importantes para a retomada do texto.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Eu sou a minha maior crítica. Só divulgo um texto se eu de fato gostar dele. Por isso, os textos são revisados algumas vezes antes de serem publicados ou submetidos à alguma seleção. Meu processo de escrita é bastante individual. Até que estejam prontos, não costumo mostrar meus escritos para ninguém.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
De modo geral, as primeiras ideias eu anoto no bloco de notas do celular. Eu sou uma pessoa muito conectada ao virtual, trabalho com isso, portanto, minha escrita também se dá através destas ferramentas tecnológicas.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativa?
A minha maior fonte de inspiração é a minha essência enquanto mulher negra e a minha ancestralidade africana, incluindo aí a cultura, as tecnologias, os sistemas espirituais. Escrevo também sobre a perspectiva das relações étnico-raciais, ou seja, denunciando o racismo que estrutura a nossa sociedade e seus desdobramentos. Porém, é importante salientar que, embora eu e tantos outros escritores negros façamos questão de trazer as nossas narrativas para nossos textos, nós não falamos apenas sobre racismo ou sobre cultura africana. Tenho escritos sobre muitos outros temas, inclusive, pesquisas acadêmicas. Eu escrevo sobre tudo aquilo que me toca.
Não tenho um conjunto de hábitos para me manter criativa, mas diria que ler e estar atenta aos detalhes da vida rendem bastante material.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesma se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?
Eu costumo dizer que nasci escritora. É mais do que uma atividade profissional, é parte de quem eu sou.
Meu primeiro texto publicado foi em 1999, eu tinha nove anos de idade.
Na infância eu tinha uma escrita bem lúdica. Gostava de escrever sobre a natureza e suas cores, nuances e como aquilo me tocava.
Com o passar dos anos, minha escrita se tornou mais crítica, mais política, mas, sempre conectada com a minha essência.
Escrever, para mim, é um exercício político, além de um processo terapêutico. Neste sentido, produzo também para atender a esta minha demanda de me posicionar, de ter voz, de fazer ecoar as minhas impressões. A escrita é um grito.
Se eu pudesse dar um conselho para aquela Priscila de nove anos de idade que escrevia suas primeiras poesias, diria: confie no seu talento e continue.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Tenho dois objetivos literários bem claros na minha mente. Um deles é o meu livro solo, no qual eu pretendo reunir meus contos e poemas e o outro é fazer parte do Cadernos Negros, pela importância histórica que este projeto tem para a visibilização de escritores negros brasileiros.