Aline Pascholati é artista plástica, historiadora da arte pela Sorbonne, escritora e tradutora.
Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Apesar de ser a pessoa menos matinal do planeta – acordo todos os dias entre meio-dia e duas da tarde –, eu considero o horário que me levanto como minha “manhã” e até falo bom dia aos meus cachorros. A primeira coisa que faço é mexer no meu celular. Tenho muita dificuldade em acordar, e verificar e-mails e redes sociais ajuda a me reconectar com o mundo após uma noite de sono. Em seguida, desço as escadas, encho uma caneca com leite de soja e chocolate extracacau e sento frente ao computador.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Eu trabalho bem logo que acordo, pois nada me distraiu ainda. Também funciono muito bem de madrugada, pois, como disse a Amanda Leonardi em sua entrevista, o mundo todo dorme e podemos ter paz e tranquilidade para ouvir nossos próprios pensamentos e nos concentrarmos. Pintura, por exemplo, eu faço quase que exclusivamente de madrugada.
Meu ritual para escrever artigos e textos sobre arte é ligado exatamente a sentar frente ao computador acompanhada de uma caneca fumegante. Não sei por que, mas ela me ajuda a começar. Como escrevo sobre arte, a melhor maneira de espantar a preguiça e engrenar no texto é ver imagens da ou das obras sobre as quais pretendo escrever e ir preparando as legendas, a formatação do texto, etc. Depois que entrei no universo da obra, os textos saem bem mais fácil, algumas vezes sem esforço nenhum!
Já na escrita de contos é algo totalmente aleatório. A inspiração aparece e a qualquer hora posso começar a primeira versão do trabalho. Às vezes, essa primeira versão fica só na minha mente, para depois ser colocada no papel. Felizmente, minha memória ajuda no caso de eu não poder escrever imediatamente.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Não possuo meta de escrita diária. Minha única meta semanal é a de escrever o texto da minha coluna Obra de Arte da Semana, publicada em meu site Artrianon. Como o texto é publicado às terças-feiras, eu geralmente escrevo-o nas segundas. No início, essa obrigação semanal era muito incômoda. Cheguei a tentar preparar muitos textos com semanas de antecedência, mas a procrastinação sempre vencia! Atualmente, já me acostumei com essa rotina e a escrita sai bem mais fácil graças ao meu hábito da caneca e visualização de imagens. Acredito que descobrir o que te ajuda a se colocar para trabalhar, mesmo quando a preguiça bate, é a chave para conseguir escrever ou fazer qualquer outra coisa com regularidade.
Atualmente, tenho tentado escrever e revisar o máximo possível meu próximo livro: Castelos da França: Histórias e Símbolos. Ele está parcialmente pronto desde 2011, mas foi abandonado por vários motivos, desde problemas pessoais até dúvidas sobre os castelos a serem incluídos e a qualidade do que já estava escrito. Agora estou realmente determinada a publicá-lo e tomei as decisões necessárias para tanto, assim sempre que tenho um tempo, me dedico a ele.
Quanto à escrita literária, escrevo quando tenho alguma ideia. Sou relativamente nova nessa história de escrever contos e por enquanto ainda é um hobby gostoso, por isso ainda não tenho metas e ainda não descobri os rituais que ajudam a me colocar no clima de escrita literária.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
Leio sempre muita coisa, então muito do que preciso para escrever meus textos sobre arte já estão pairando em minha mente, assim, na hora que sento para escrever, acaba sendo bastante natural. Para citações e detalhes, tomo notas ou marco no livro o local onde encontro a informação, assim fica fácil para colocá-las no texto na hora da escrita ou durante a revisão. Para textos mais longos, penso em alguns tópicos que se tornarão capítulos ou subcapítulos. Muitas vezes minha primeira escrita é “vomitada” em um primeiro momento, tanto em escrita sobre arte quanto nos contos, se eu estiver muito inspirada, havendo assim poucas modificações a serem feitas no momento da revisão, que pode se dar logo em seguida.
Estudar história da arte na Sorbonne, na França, onde os textos devem ter uma organização muito rígida, foi essencial para que eu aprendesse a me organizar. Confesso que penei muito até finalmente aprender o que era esperado de mim pelos professores – eles me diziam e escreviam em minhas provas e trabalhos que eu havia aprendido muito bem o conteúdo, mas que havia um problema de “méthode” e era muito irritante me esforçar sem conseguir o resultado desejado -, mas acabei chegando perto do objetivo no final da faculdade. Ou seja, é todo um trabalho e treinamento, repleto de erros e acertos.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Os prazos ajudam a procrastinação a não vencer, por isso, colocar alguma meta, por exemplo, a que tenho com a minha coluna Obra de Arte da Semana pode ser bem útil para criar hábitos de escrita, além das maneiras que nos ajudam a engrenar no trabalho. O importante é cada um descobrir o seu.
Quanto a corresponder às expectativas, acredito que é algo que desaparece com a experiência. Hoje não tenho mais medo de não escrever bons textos sobre arte ou estar falando besteira, pois faço bem minhas leituras e pesquisas e só escrevo sobre algo quando me sinto segura sobre o tema. Se receber críticas, elas acabam não tendo tanta força, pois tenho certeza do que estou falando. Acabo tendo muita insegurança quanto à escrita literária, já que é algo mais recente para mim e não tenho tanta experiência e reconhecimento. Eu na verdade só descobri que escrevo contos recentemente! Eu não sabia bem o que eram alguns dos meus textos curtos e a querida Fernanda Mellvee me deu muita força para escrever mais. Ela, uma escritora que admiro muito, me considera uma escritora, então concluí que devo estar no caminho certo.
Já fui muito ansiosa e quase desesperada para terminar projetos longos, mas hoje percebo que cada projeto tem seu tempo. Às vezes é interessante deixar uma ideia embrionando na mente antes de realmente colocá-la em prática.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Não reviso muitas vezes, pois tenho bastante prática de revisão já que todos os textos do meu site Artrianon passam sob meus olhos e acabo revisando muitos livros de amigos escritores. Ou seja, acabo percebendo os erros rapidamente já em uma segunda leitura, e só leio mais vezes se tiver algo na estrutura da escrita que me parece errado. Entretanto, se a estrutura estiver me desagradando muito, revisar não adianta. Eu simplesmente jogo fora e começo do início. Se eu estiver “na vibe” quando escrevo uma primeira versão, revisar uma ou duas vezes é mais do que o suficiente e as modificações são bem poucas.
Como já disse, me sinto bastante segura quanto a minha escrita sobre arte, então acabo não mostrando para ninguém, a não ser que seja um projeto mais longo, como meu livro sobre os castelos. Nesse caso, mostro para os mais próximos e alguns amigos escritores e entendidos sobre o assunto. Já meus contos, eu mostro para a Fernanda Mellvee, definitivamente minha mentora literária!
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Meus textos sobre arte são geralmente escritos diretamente no computador e meus contos são escritos primeiramente à mão, para depois serem passados para o computador e revisados ao mesmo tempo, e esse processo de digitação e revisão nunca acontece no mesmo dia da escrita inicial.
Acredito que haja essa divisão artigo-computador e conto-papel, pois a escrita dos artigos é muito mais racional e ligada à pesquisa, enquanto que os contos estão muito mais próximos de minha expressão artística que é muito mais interiorizada e ligada ao inconsciente e sempre realizada no papel ou tela.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativa?
Eu tenho ideias até demais! O difícil é colocar todas em prática. Tem de haver uma seleção do que realmente vale a pena executar, seja em criação artística ou em escrita, mas isso se dá com o tempo, com o tal do embrionamento da ideia.
Acho que me manter criativa não é um problema, pois sempre estou em contato com coisas que me inspiram: leio bastante, tanto romances, quanto livros sobre arte e outros temas; assisto filmes e séries, principalmente as séries históricas; visito exposições de arte; e viajo. Conhecer lugares novos é muito legal para nos tirar do centro e entrar em contato com coisas novas. Entretanto, o dia-a-dia também pode ser inspirador e algumas ideias, tanto na arte quanto na escrita, acabam vindo de coisas bobas ou aleatórias.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesma se pudesse voltar aos seus primeiros textos?
Acho que evoluí muito nesse tempo. Lendo meus primeiros textos, acho que são uma porcaria! Não havia nenhuma fluidez, algo que considero superimportante. Ter paciência e respeitar as etapas de revisão e embrionamento são essenciais, além de aprender quais são os hábitos que ajudam a escrever e focar no trabalho. Acredito que foi o tempo e a escrita contínua que fizeram com que eu melhorasse, além das obrigações de escrever na universidade e as colunas.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Gostaria muito de escrever um romance! Já tenho a ideia básica do livro, tentei rascunhar algumas vezes, mas para mim ainda é bastante difícil pensar na trama e na organização de um texto tão longo. Às vezes me pergunto se algum dia conseguirei realizar tal feito, mas como aprendi ao longo dos anos, paciência e respeitar o tempo das ideias é fundamental, portanto, sigo esperando o momento propício.
Quanto aos livros que gostaria de ler e ainda não existem, o problema é a quantidade de livros que já existem e quero ler! Deixa-me extremamente nervosa saber que existem mais livros interessantes do que conseguiria ler em três vidas muito produtivas.
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Ao dar início a um novo projeto, você planeja tudo antes ou apenas deixa fluir? Qual o mais difícil, escrever a primeira ou a última frase?
Geralmente, deixo fluir. Conforme vou escrevendo, o texto vai tomando forma, e, depois, faço as correções que se fizerem necessárias. No passado, eu era muito desorganizada e tinha dificuldade em escrever dessa maneira, mas durante a faculdade – estudei História da arte na França – tive que me adaptar ao método francês, e acabei aprendendo a criar essa organização na minha mente – a prática com certeza também ajudou! Lá a maioria das provas eram dissertações bastante longas e não havia tempo para fazer um rascunho e depois passar a limpo, assim tive que aprender a duras penas a escrever quase que o texto final de primeira, só com a divisão deste em partes – introdução, parte I, A,B, C, parte II, e assim por diante -, que são obrigatórias no método francês.
Como você organiza sua semana de trabalho? Você prefere ter vários projetos acontecendo ao mesmo tempo?
Prefiro ter vários projetos ao mesmo tempo, não somente de escrita, mas também de ilustração e criação de maneira geral, vídeos para meu canal no YouTube, etc. Um projeto só acaba ficando um pouco maçante, em minha opinião. Organizo-me de maneira a trabalhar em alguns dias da semana em alguns projetos e outros dias em outros, pensando nos prazos e no tempo disponível. Minha coluna Obra de Arte da Semana, por exemplo, é publicada no site Artrianon toda terça-feira, assim trabalho nela no início da semana e deixo os outros dias para outros projetos que não tenham obrigação semanal.
O que motiva você como escritora? Você lembra do momento em que decidiu se dedicar à escrita?
Acredito que as mais diversas situações e emoções da vida acabam se tornando motivações. Sempre há algo interessante sobre o qual escrever. Eu acabei começando a escrever quase que sem querer, primeiro sobre arte, quando me convidaram para colaborar em um jornal da cidade em que nasci, o extinto Jornal Residenz, ainda em 2011; e depois, ficção, com o convite da Fernanda Mellvee para participar da antologia Sem/Cem Palavras, na qual cada conto possui exatamente cem palavras, um desafio e tanto para quem havia esboçado apenas poucas histórias na vida. Foram ambas as situações sem volta, nunca mais consegui parar de escrever.
Que dificuldades você encontrou para desenvolver um estilo próprio? Alguma autora influenciou você mais do que outras?
Nunca tentei encontrar essa voz, esse estilo próprio tão discutido, tanto que não consigo identificá-lo lendo meus próprios textos, apesar de outros me apontarem essa ou aquela característica. Acredito que é algo que vem naturalmente quando se mistura na caixinha da mente tanto as influências, quanto a personalidade do autor.
Você poderia recomendar três livros aos seus leitores, destacando o que mais gosta em cada um deles?
Gostaria de recomendar, primeiro, dois livros sobre artistas, biografias deliciosas de se ler e repletas de informações interessantes muito bem embasadas e curiosidades: Frida, de Hayden Herrera; e Leonardo da Vinci, de Newton Isaacson. Ambas mostram, além da arte, a personalidade magnética desses dois gênios da arte, Frida e sua vida atribulada, seu relacionamento digno de novela com o muralista Diego Rivera; e Leonardo, que fez de tudo um pouco e vislumbrou conceitos científicos complexos a partir da observação da natureza e da experiência muito antes do que os cientistas que os descobriram – e usou tudo para criar pinturas incríveis!
Também gostaria de recomendar uma ficção, A bruxa de Paris, de N.P. Schleiden, que conta as aventuras da adorável e excêntrica Florence. Fui eu que ilustrei o livro – sou artista antes mesmo de ser escritora –, entretanto, o leitor pode confiar em minha indicação, pois quando li pela primeira vez o romance, quando ainda era um manuscrito, praticamente implorei ao autor para me deixar ilustrá-lo, tamanha minha paixão pela personagem e sua história.