Amanda Leonardi é mestranda em Letras pela UFRGS e escritora de horror.
Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
A maneira como inicio o dia depende bastante do momento, na verdade, e da fase da minha vida. Já tive épocas em que eu tinha uma rotina bem estabelecida até, durante a faculdade, mas isso ainda assim mudava de um semestre para o outro, de acordo com as mudanças de horários de aulas. Quando trabalhei com tradução e depois com aulas de inglês, tive rotinas bem diferentes. Agora que estou para iniciar o mestrado, iniciarei uma nova rotina diária. Enfim, acabo adaptando meus horários sempre aos cronogramas de trabalho e estudo, que variam bastante dependendo da época. Não tenho uma rotina matinal, pois não sou uma pessoa muito diurna, por isso, quando não tenho compromissos com trabalho ou estudo, costumo acordar tarde, pois funciono melhor à noite, principalmente durante a madrugada. Foi na madrugada que comecei a me tornar uma leitora e escritora mais assídua, pois entre meia-noite e seis da manhã, quando a maioria das pessoas está dormindo, sinto que há mais tranquilidade e mais espaço para libertar a imaginação, seja para ver com mais vivacidade a ficção alheia em uma leitura, seja para escrever minhas próprias ficções.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Como mencionei acima, costumo escrever melhor de madrugada, ou no início da noite mesmo, quando não encontro tempo para entrar madrugada adentro escrevendo. Durante o silêncio da madrugada, as vozes da literatura parecem ganhar mais força, pois não competem com as vozes da vida externa, e isso faz com que as ideias surjam com mais naturalidade. Se consigo escrever no final da madrugada, já com sono, é aí que produzo os textos que acabo gostando mais, pois estes parecem adquirir um ar lúdico, talvez pela proximidade dos pensamentos neste estado de sonolência com aqueles que povoariam um sonho ou um pesadelo.
E sobre o ritual: então, não sei se o que faço pode ser considerado exatamente um ritual de preparação, mas gosto de escrever no escuro, só com a luz do abajur, se estou escrevendo à mão, ou só com a luz da tela, caso esteja digitando no notebook. Gosto da ideia de que nada ao redor interfira enquanto escrevo, seja em som ou imagem, por isso o escuro, como se estivesse mergulhando em meus próprios pensamentos e os moldando através das palavras. Também acho importante ler muito antes, pois literatura sempre acaba por inspirar a criação de mais literatura, portanto costumo ler alguns contos, poemas ou capítulos de algum romance, ou também livros ou artigos sobre a escrita, pois a leitura destes é bastante motivadora, além de ser importante para aprimorar a escrita cada vez mais.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Já tentei escrever um pouco todos os dias, mas há épocas em que realmente não consigo, seja por horários puxados de trabalho ou estudo, seja por falta de ânimo mesmo, por problemas pessoais os quais não consigo trabalhar através da escrita, pelo menos não de maneira que isso resulte em alguma produção que eu considere de qualidade. Portanto, acabo escrevendo em períodos bem concentrados. Quando tenho uma ideia de conto, anoto-a assim que possível, ou se possível até começo a escrevê-lo. Certa vez, estava aplicando uma prova em uma escola e, enquanto aguardava que o aluno concluísse o teste, iniciei a escrita de um conto pelo bloco de notas do celular mesmo. Já cheguei a escrever durante intervalos de almoço ou entre aulas também. Já me desafiei a escrever um romance de 50 mil palavras em um mês, em 2013, quando participei do NaNoWriMo (National Novel Writing Month), e cheguei a concluir a obra, ainda que não tenha terminado de revisá-la, pois não sei se gostei do resultado final. A experiência de mergulhar na ficção durante trinta dias, porém, foi maravilhosa, eu escrevia durante umas quatro horas por dia, o que resultava em quase duas mil palavras por dia. Preciso tentar voltar a este ritmo, porém muitos compromissos se sobressaíram desde então, o final da faculdade, as traduções, aulas de inglês e estudos para entrar no mestrado. No entanto, voltar a ter uma meta diária é um objetivo. Por enquanto, vou escrevendo quando surge inspiração, o que dependendo da época, pode ser muito ou pouco: tive meses em que escrevi muitos contos e poemas, assim como já passei meses sem escrever nada de ficção. Ainda que eu não tenha sido tão frequente na escrita de ficção ultimamente, sempre escrevo matérias sobre literatura, cinema e artes plásticas para os sites NotaTerapia e Artrianon, e a minha produção desses textos é mais frequente, até porque sinto que é importante contribuir com os sites, então essa forma de escrita às vezes acaba compensando para mim um pouco da falta de produção de ficção e poesia.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
Depende bastante do que estou escrevendo. Quando se trata de ficção, não costumo pesquisar tanto, só depois de já ter estruturado bem a ideia do conto é que pesquiso alguns detalhes de forma a deixar mais verídico, como questões médicas ou legais que acabam por ser relevantes quando escrevo sobre morte, crime e investigação. No entanto, na maioria das vezes, gosto de criar uma atmosfera mais lúdica, então não considero tão essencial que haja veracidade, por exemplo, na velocidade em que uma cabeça decapitada rolaria pelo chão, sendo que o foco da estória é o absurdo de ver sua própria morte dessa maneira grotesca, não a possibilidade de isso ser real.
No que se refere à compilação de notas, costumo tomar notas fazendo estruturas prévias quando se trata de um conto mais longo, novela ou quando escrevi o romance em 2013. Crio uma sequência de acontecimentos e vou escrevendo sobre cada um deles, não necessariamente em ordem, para depois editar algumas coisas de maneira que possam ser encaixados em uma narrativa.
Já quando se trata da escrita de matérias para os sites literários ou de artigos acadêmicos, nesses casos é essencial iniciar pela pesquisa e por em ordem as referências de forma a conectar tudo antes de escrever a matéria ou o artigo. Não digo que seja difícil de começar, só é algo que exige mais cuidado, principalmente no caso de artigos acadêmicos, pois é necessário prestar atenção à formatação e também argumentar de maneira clara e seguir precisamente o raciocínio proposto, chegando a uma conclusão bem construída.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Olha, eu preciso aprender a lidar melhor com a procrastinação, isso é uma coisa que eu preciso melhorar para ontem. Tenho ideias de projetos de contos e romances engavetadas às quais já tentei dar início, mas ainda não me senti pronta para tal feito. Parece que a ideia que imagino tem personagens os quais ainda não pude encaixar nas palavras certas. Cheguei a escrever o mesmo início de um romance três vezes, uma em português e duas em inglês, mas nenhuma das versões me agradou até o momento e acho que vou recomeçar a escrita desse projeto mais adiante. Ultimamente cheguei até a escrever outras estórias, mas travei na ideia de que preciso concluir esse projeto maior do romance, e até que o conclua não sairei dessa obsessão.
O medo de não corresponder às minhas expectativas é o que mais me corrói desde sempre, mas tento tranquilizar minha ansiedade referente a isso pensando assim: não só a escrita, mas a arte em geral, é algo no qual só crescemos se desafiarmos a nós mesmos constantemente até que consigamos atingir um patamar no qual impressionemos a nós mesmos.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Muitas vezes, tantas vezes que tenho um romance o qual, após cinco anos de ter sido escrito, não sinto que está pronto, mesmo que o tenha revisado várias vezes. Já com contos, a revisão não é tão complexa, por isso após reler o texto umas três ou quatro vezes, o vejo como pronto. Gosto de salvar o texto e voltar a ele após alguns dias ou até mesmo semanas, com uma visão nova, para conseguir ter uma visão mais crítica. É difícil ler de forma crítica algo que acabei de escrever, por isso acho melhor deixar o texto respirar e voltar a ele com uma visão mais de leitora e menos de autora.
Quando um texto meu é publicado por uma editora, o mostro a amigos, em maioria também escritores, para ouvir uma opinião de outra pessoa sobre a obra. Então os envio para a editora e lá ele é revisado novamente pelos editores e revisores. Já quando o publico na internet, pelo meu blog, eu mesma o leio e o reviso com intervalos de dias ou semanas, como mencionado acima.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Depende muito de quando tenho a ideia e de onde estou. Se tenho uma ideia na rua, em um intervalo de trabalho ou de estudo, faço um rápido rascunho no celular. Caso eu esteja em casa, à noite antes de dormir, depende do momento e do que estou escrevendo: se é poesia, na maioria das vezes escrevo à mão. Se é um conto, algumas vezes gosto de escrever o primeiro rascunho à mão e, alguns dias depois, digitar e enquanto isso já começar a reescrever o texto, mudar frases, acrescentar coisas, etc. Outras vezes já prefiro digitar tudo direto e ir revisando aos poucos depois. Porém, parece que o papel me traz mais inspiração, talvez seja por nostalgia de quando escrevi meu primeiro conto que foi publicado, pois o escrevi em papel para só algum tempo depois digitá-lo. Talvez seja também por imaginar como meus autores favoritos dos clássicos escreviam e pela vontade de escrever um pouco como cada um deles, pois foram aqueles que primeiro me mostraram como a literatura pode ser transformadora: Poe, Dostoiévski, Plath, Shakespeare, Mary Shelley, Bram Stoker.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativa?
Olha, essas perguntas estão me fazendo repensar em como eu realmente deveria cultivar hábitos que me ajudassem a me manter mais criativa, para que eu escrevesse com a frequência que desejo. Porém, na verdade, não sei se consigo me manter tão criativa quanto gostaria. Os hábitos que influenciam bastante minha criatividade são a leitura, o contato com textos sobre escrita e com outros escritores, assim como assistir a filmes de terror, que é o gênero no qual mais gosto de escrever, observar obras de arte, ouvir músicas, e a vida em geral. O cotidiano às vezes também acaba sendo fonte de inspiração, as pessoas que me cercam, suas histórias, seus jeitos e também sua arte, pois a maioria de meus amigos tem algum envolvimento com arte, seja com literatura, fotografia, artes plásticas, etc.
Além da literatura, das artes em geral e da vida, que não precisam ser necessariamente sempre coisas distintas, outra fonte de inspiração acaba sendo eu mesma, meus próprios demônios. Acredito que umas das grandes funções da literatura é traduzir nós mesmos em palavras de maneira que seja possível compreender nossos demônios pessoais, talvez até mesmo exorcizá-los através da palavra ou, mesmo que não cheguemos a isso, encontrar um sentido neles, uma função. Penso que a ficção serve para revelar aquilo que a realidade não consegue.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesma se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?
Penso que fiquei mais exigente comigo mesma, tanto no ato de escrever quanto no de revisar meus textos. No que se refere à ficção, isso é ao mesmo tempo positivo, pelo fato de que eu pense melhor e planeje melhor o que escrevo e assim consigo resultados melhores nas vezes em que escrevo, mas também tem seu lado negativo: por me tornar mais exigente, acabo escrevendo menos, pois limito minhas possibilidades de escrita ao descartar muitas ideias antes de deixá-las chegarem ao papel ou à tela, o que me tornou menos produtiva.
No entanto, no que se refere a artigos acadêmicos, acredito que aprendi muito nos últimos anos e ainda tenho mais a aprender assim que iniciar as aulas do Mestrado e durante o processo de escrita da dissertação.
E o que eu diria a mim mesma se pudesse voltar à escrita dos primeiros textos? Diria para ler mais, revisar com mais calma os textos, pesquisar muito e buscar referências relevantes.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Um projeto que eu não só gostaria muito de fazer como vou adorar executá-lo é a minha dissertação de mestrado, a qual iniciarei em breve, e que, resumidamente, trata de aspectos em comum entre as obras de Poe e Dostoiévski.
Outros projetos que tenho em mente, agora referentes à escrita de ficção são os seguintes: meu romance de metaficção/suspense/terror (o qual escrevi em 2013 e está em revisão), meu romance de terror psicológico (o qual já comecei a escrever três vezes e cheguei a publicar em forma de conto, porém não só eu penso que tem potencial para um romance, como já me foi dito isso várias vezes), minha coletânea de contos de horror (os quais estão em revisão) e talvez, se surgir a oportunidade, adoraria publicar uma coletânea de poemas e contos curtos de horror ilustrados por algum(a) artista com foco em arte de horror. Enfim, esses projetos são os livros que quero ler e ainda não existem, mas pretendo que existam logo.