Zoraya Cesar é escritora, formada em jornalismo e direito.
Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Meu dia começa na academia – o exercício me deixa mais disposta e alerta, consigo perceber uma porção de incorreções no texto. Depois disso a rotina varia de acordo com a necessidade do momento. É engraçado, a manhã deveria ser dedicada a escrever, né? Mas não, comigo a imaginação está mais fértil à noite.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
À noite, sem dúvida. Acho que, de certa forma, o cansaço me desliga da realidade (fico desatenta e dispersa, por isso praticamente nunca reviso à noite, é um horror, deixo escapar cada impropriedade!). Isso favorece minhas ‘viagens’ interiores e a criatividade, é mais fácil escrever.
Tenho uma espécie de ritual sim: costumo ler alguma coisa antes, livro, revista, jornal, uma espécie de aquecimento mental. Mas não me prendo a isso, tem vezes que não faço nada, simplesmente sento na frente do computador e pronto.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Quando tenho de entregar um texto, escrevo em períodos concentrados. Ou quando a necessidade exige. Se eu não tive tempo num dia, compenso no outro. Mas, de qualquer maneira, escrevo de quatro a cinco horas por semana. Adoraria conseguir ter uma meta diária. Mas a vida nem sempre deixa e acabou sendo uma fonte de frustração, em vez de estímulo. Me sentia péssima, parecia que eu estava traindo a mim mesma. Desisti. Quem sabe um dia.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
Meu processo de escrita: varia de acordo com a inspiração (risos) – às vezes a história ‘vem’ e eu escrevo direto. Às vezes mil imagens e possibilidades me atropelam e eu as vou escrevendo num documento em separado. De qualquer forma, escrevo tudo o que vai fluindo, sem revisar, sem bloquear ou julgar. Erros, palavras repetidas, períodos prolixos, ideias desencontradas, tudo. Não refreio nada. Ao final, reviso e reescrevo parágrafo por parágrafo. E depois, tudo de novo, até chegar a um texto de, no máximo, mil palavras. Me imponho essa condição para manter a concisão. Se a história pede, escrevo até duas mil. Não mais. É uma maneira de exercitar a capacidade da síntese e o desapego ao texto. Às vezes o que você escreve é lindo, foi de uma inspiração maravilhosa, mas… não cabe direito, não encaixa naquela história. Tem de saber cortar, sem dó ou piedade.
Por fim, uma lição que custei a aprender, mas da qual não abro mão: deixar o texto descansar antes de fazer a revisão final e entregar. Quanto à pesquisa, para dizer a verdade eu me movo da escrita para a pesquisa. Só depois de definir o tema e começar a escrever é que eu pesquiso o que vou precisar para o conto. E se percebo que a pesquisa vai de encontro ao que eu queria no início, mudo o rumo da história, aproveitando apenas o arcabouço inicial. Não me aborreço. Faz parte do ofício.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Nossa, eu lido mal com isso tudo! Com as travas, não tem jeito, a única maneira, para mim, é sentar e escrever bobagens, enumerar as possibilidades de enredo, esboçar uma estrutura qualquer para a trama (dessa vez escrevo fantasia? Policial? Vida? Amor? Humor? Morte? Quantos personagens? E por aí vai) até alguma ideia sair e começar a tomar corpo. Digo que não tem jeito de fazer outra coisa que não me forçar a vencer a trava, porque sei que, se não fizer isso, acabo virando preguiçosa – “ah, amanhã eu escrevo”. Aí, no dia seguinte a trava continua lá e eu deixo pra depois e depois ainda… Quando vejo já estou há quase uma semana sem escrever.
Procrastinação também é uma realidade em minha vida de escritora. Se eu te dissesse há quanto tempo estou para compilar alguns de meus contos e transformá-los em audiolivros, você sentiria vergonha por mim!
Medo de não corresponder às expectativas é quase causa de tratamento nas sessões de terapia, desobsessão, hipnose… é um monstro com o qual tenho que conviver. Pior, se não tomar cuidado, ele é capaz de tirar meu prazer em escrever, em divulgar, em mostrar meu trabalho. Então, vamos vivendo nossa vida; eu, tentando ignorá-lo ou aceitá-lo como parte integrante de mim; ele, tentando me sobrepujar. Tenho me saído bem na contenda.
Ansiedade, essa prima da insegurança, vive por aqui, também. Minha sorte é que não escrever é mais angustiante que escrever, então…
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Eu reviso tantas vezes quantas eu posso e mesmo que revisasse cem vezes ainda não seria o suficiente. Revisar é uma questão de respeito por si mesmo e, principalmente, pelo leitor. No entanto, como tudo na vida, a gente faz o melhor que pode. E os trabalhos nunca estão prontos. Posso passar um pente fino na história e, semanas depois, descubro uma palavrinha repetida aqui, uma pontuação que poderia ficar melhor de outro jeito…
Para o próximo livro farei o mesmo que no livro anterior (A viúva e outros contos): enviarei para revisão profissional e para minhas amigas leitoras-beta que têm olhos de águia e nenhuma trava na língua: Erica Pascoal e Patrícia Rocha.
Os contos que publico no Crônica do Dia só passam pela minha revisão, e não tem como ser de outra forma, pois não dá tempo de mostrar para alguém, esperar resposta, reescrever, publicar…
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Puxa, agora você despertou minha nostalgia. Amo escrever no papel! E custei muito a me desapegar. Antes, eu escrevia no rascunho e depois digitava. Até que me dei conta que aquilo que eu passava para o computador nunca, nunca mesmo, era igual ao que eu tinha manuscrito, era sempre diferente do original. Ou seja, perda de tempo. Acabei por me habituar a escrever direto no computador.
No entanto, como certos hábitos são difíceis de desaparecer, eu sempre tenho papel e caneta na bolsa e espalhados pela casa. Ao menor indício de ideia eu corro pra anotar. Às vezes gravo no celular, mas é tão raro, só acontece quando, excepcionalmente, não há nada com o que eu possa escrever.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativa?
As ideias têm vida e vontade própria, você sabe. Às vezes elas vêm do nada (quer dizer, claro que elas vêm de algum lugar, mas, sonsas que são, não revelam sua origem); de outras, uma frase qualquer, um acontecimento… olha, qualquer coisa pode servir de inspiração. Qualquer coisa mesmo. Há dias em que estamos mais sensíveis aos sinais; em outros, mais toscos. É da vida. Há alguns anos, visitando uma amiga, passei por uma vila e me veio a ideia para um de meus contos preferidos, Os caçadores, no qual meu personagem Lucrécio Lucas apareceu pela primeira vez. Qual a ligação que minha imaginação fez para uma coisa levar a outra jamais saberei.
Eu sempre participo de alguma oficina de escrita criativa (faço a Terapia da Palavra, da Maria Rachel continuamente, coincidindo com outras, quando surgem) e não deixo de escrever. Não tenho um conjunto de hábitos específicos para manter a criatividade. O que faço é ler muito e escrever. Vencer a preguiça, a procrastinação, os afazeres de todo dia, o cotidiano sem tréguas já é trabalho suficiente para afastar a estagnação e manter a mente alerta. Faço exercícios, medito, me forço a escrever com regularidade e, como disse, leio muito. Tudo isso ajuda na criatividade. E, mesmo assim, como todo mundo que trabalha com criação sabe, tem dias que não adianta.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesma se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?
Escrevo com regularidade há quase oito anos e muita coisa mudou. Acho mesmo que o próprio passar dos anos teve forte influência no meu processo de escrita. Eu era muito prolixa, tinha premência de colocar tudo o que pensara ou criara para aquela história de uma vez só, e não deixava o texto dormir antes de publicá-lo. Agora sou bem mais econômica nas palavras e guardo as ideias excedentes para uma outra vez. Me obrigo a escrever apenas um determinado número de palavras, para não cair na tentação de escrever demais. E nem me lembro quando foi a última vez que publiquei um texto sem que antes ele passasse por revisão e uma noite de sono.
Hoje, menos aflita, mais madura, vejo que meus textos refletem a maneira como vivo a vida. Claro, os problemas continuam, mas lido melhor com eles. E me divirto mais, sinto mais prazer em escrever que antes. E isso se renova a cada dia.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Lançar mais audiolivros (tenho quatro – O porteiro e outros contos urbanos; Pela última vez e outros contos assassinos; A sombra e outros contos sobrenaturais; O rei da noite e outros contos leves, todos lançados pela Tocalivros, uma editora de audiolivros maravilhosa) – preciso organizar os contos. E escrever um romance – as ideias ainda estão presas no papel.
Livro que gostaria de ler e ainda não existe? Sem chances. Há tantos, tantos mesmo, livros que preciso ler e não li!