Zeka Sixx é escritor e advogado, autor de “O Caminho dos Excessos” (2015), “A Era de Ouro do Pornô” (2016) e “Tudo o que Poderíamos Ter Sido”.
Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Especificamente quanto à questão da escrita, demoro um pouco para engrenar. Como trabalho também como advogado, minha rotina, quando estou escrevendo uma obra, consiste em chegar ao trabalho, ler meus emails, me atualizar rapidamente das notícias, conversar um pouco com os colegas, etc. Assim consigo dar uma “aquecida” na mente para, então, encarar o trabalho. Somente depois, quando resolvidas, ao menos momentaneamente, todas as questões do trabalho, é que me volto para a escrita. Preciso saber que não tenho nenhuma pendência para conseguir relaxar e escrever um pouco. Isso normalmente tende a acontecer ao final da manhã, e também ao final da tarde.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Geralmente ao final da manhã (algo entre 11h e meio-dia) e ao final da tarde (entre 16h e 18h). São os horários em que consigo “desligar” um pouco das questões mundanas e mergulhar a mente naquele universo no qual se passa a história que estou escrevendo. Depois que anoitece, não consigo escrever nada. Jamais conseguiria ser daqueles escritores que varam a madrugada escrevendo loucos poemas de amor – até gostaria, mas não rola. Para mim esse é um pedaço do dia para relaxar mesmo, brincar com meu filho de três anos, tomar uns drinques com a minha esposa, escutar boas músicas, assistir a um filme ou seriado. Das 18h em diante minha mente entra em um modo “sleep”.
Não tenho nenhum ritual específico de preparação para a escrita; apenas preciso estar relaxado, livre de pendências do trabalho ou do dia-a-dia, e ter um roteiro já meio pré-definido na mente sobre o que vou escrever (por exemplo, “hoje vou escrever aquela cena em que o personagem encontra um amigo no bar, vai ao banheiro, escorrega, bate a cabeça no vaso sanitário e tem uma alucinação”).
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Não me considero um escritor “prolífico”, daqueles tipos que PRECISAM escrever todos os dias, para parir alguma espécie de dor dentro de si ou algo do tipo. Por vezes, fico longos períodos sem escrever nada. Porém, quando alinho na cabeça as ideias para uma nova obra – seja um conto ou um romance -, a coisa toda flui naturalmente. Meu mais novo romance, “Tudo o que Poderíamos Ter Sido”, lançado agora pela Editora Coralina, foi escrito em cerca de cinco meses, entre abril e agosto de 2019. Durante esse período, eu escrevia quase todos os dias, exceto nos finais de semana. Em certos dias, escrevia apenas uma frase ou duas; em outros, um parágrafo; em outros, uma página e em outros quase um capítulo inteiro. Tudo variando conforme a inspiração.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
Nos meus dois últimos livros, os romances “A Era de Ouro do Pornô” e “Tudo o que Poderíamos Ter Sido”, o processo foi bem similar. No caso do “Era de Ouro”, parti de um fiapo de roteiro que já há anos rondava minha mente: a história de um cara, aspirante a escritor, que sobrevivia de furar eventos boca-livre. Ao redor desse fiapo, fui agregando, ao longo de uns três meses, ideias soltas, cenas esparsas que me vinham à cabeça, e fui compilando tudo em um arquivo de Word. Depois, aos poucos, as peças foram se encaixando no quebra-cabeça, e comecei a costurar as situações que havia imaginado de uma maneira que formassem uma história.
Já para “Tudo o que Poderíamos Ter Sido”, o processo, embora idêntico, foi mais lento. Logo após o lançamento do “Era de Ouro”, decidi que meu próximo projeto seria um romance narrado por mais de um personagem, e que a protagonista seria feminina. Queria fugir um pouco da minha zona de conforto, encarar esse desafio. Fiquei por quase dois anos compilando notas no celular, jogando lá as ideias soltas que me surgiam quando estava no trânsito, quando estava na cama tentando dormir, quando estava no trabalho, etc. Depois de um tempo, as notas do celular viraram um arquivo de Word, que continuou sendo alimentado. Quando percebi, o arquivo de Word já tinha quase dez páginas. Foi quando concluí que estava finalmente pronto para escrever o romance.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
A única trava que realmente me assusta é a página em branco do Word. Dar o pontapé inicial, escrever a primeira frase, começar uma história daquele zero inicial é que é o mais difícil. Quando escrevo um conto, sempre tenho uma certeza: se eu escrever o primeiro parágrafo, tenho certeza que escreverei o conto inteiro. Quando escrevo um romance, sempre sei que, se conseguir escrever o primeiro capítulo, escreverei o romance inteiro.
Não sofro com procrastinação, pois uma vez que tenho a história desenhada na cabeça, sou muito focado. Respiro aquela história o tempo inteiro, vou dormir pensando nela. Quanto à ansiedade, não tenho problemas com ela durante a escrita. Para mim, a verdadeira ansiedade vem depois que o livo está finalizado e foi enviado às editoras. Aquela espera de seis, oito meses até receber uma resposta positiva é o que realmente mexe com meus nervos.
Com relação ao medo de não corresponder às expectativas, também lido bem com ele. Sempre digo aos meus amigos que escrevo para mim mesmo. Eu sei que pode parecer estranho, porque o sonho de qualquer escritor – eu inclusive – é ter milhares de leitores. Mas o que quero dizer é que, quando você é um artista, nunca deve esperar dos outros que deem a mesma urgência que você às suas obras. Só porque você passou nove meses da sua vida se dedicando, suando sangue para escrever aquele livro, não espere que os outros irão correndo, parar toda a vida deles, para lerem o que você escreveu e lhe cobrir de elogios. O público, cada leitor, tem seu tempo, suas prioridades, e isso deve ser respeitado. Tenho amigos que compraram meus livros no dia do lançamento e levaram dois anos para ler – e tudo bem. Outros até hoje ainda não leram – e tudo bem. Produzimos nossa arte porque confiamos nela, porque sentimos que precisamos contar aquela história, sabemos que vai ficar foda, mas não podemos atrelar nossa satisfação exclusivamente à atenção que as pessoas darão à nossa obra.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Não costumo revisar muitas vezes. Apenas o suficiente para corrigir erros de digitação, palavras repetidas ou eventuais incongruências no texto. Tenho muita dificuldade em cortar meu próprio texto, geralmente faço muito pouco isso. Deixo esse trabalho dolorido para os revisores. Aliás, em “Tudo o que Poderíamos Ter Sido” o corte de gordura promovido pela minha revisora, Tanara de Araújo, foi essencial para deixar o texto redondinho.
Geralmente mostro meu trabalho, enquanto estou escrevendo, para a minha mãe, que costuma ser minha leitora beta – e apenas para ela. Apesar de ser mãe, ela consegue ser completamente sincera, não tem pena de dizer que não gostou de algo. Para minha sorte, ela sempre foi assim: fosse para roupas, cortes de cabelo, talentos que eu julgava ter e até namoradas que lhe apresentava, ela sempre foi “honesta & impiedosa”, hehehe.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Escrevo sempre no computador, pela praticidade, e porque utilizo ele muito no meu dia-a-dia no trabalho. No máximo, uso também o celular, para anotar ideias soltas que me vêm à cabeça quando não estou no computador, para não correr o risco de esquecê-las depois.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativo?
A primeira matéria-prima é sempre a vida; seja a nossa própria ou a de outros. Existe uma brincadeira que diz que o primeiro romance de todo escritor é sempre autobiográfico. Claro que é apenas uma piada, mas não deixa de ter um fundo de verdade. Particularmente, tenho percebido que, cada vez menos, tenho inserido experiências próprias em meus escritos. Meu primeiro livro, “O Caminho dos Excessos”, considero 50% autobiográfico. Já o segundo, “A Era de Ouro do Pornô”, eu diria que é 25% autobiográfico. O meu último, “Tudo o que Poderíamos Ter Sido”, é algo como 10% autobiográfico.
Acredito que o importante é estarmos sempre mantendo um lado criativo, meio viajandão, que saiba absorver o que ocorre à nossa volta e transformar aquilo em algo que se encaixe na história que estamos nos propondo a contar. Seja uma piada engraçada que alguém conte, ou uma frase de efeito, ou alguma situação inusitada pela qual passamos, tudo pode ser reciclado e virar ficção. Filmes e seriados de TV também podem ser uma ótima fonte de inspiração, desde que, claro, saibamos fazer como Quentin Tarantino: pegarmos aquele caldo, aquela mistura de mil e uma referências, muitas delas obscuras, e transformarmos em algo próprio, autoral.
Outra fonte que possui muita relevância para mim é a música: todos os meus livros possuem abundantes referências musicais, e isso é um elemento essencial da minha narrativa, tanto é que meus dois romances possuem playlists próprias. Muitas vezes escuto uma música no carro, voltando do trabalho, e, só de escutá-la, consigo imaginar uma cena inteira acontecendo ao som daquela música. Quando isso acontece, é realmente mágico.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesmo se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?
Por mais clichê que possa parecer, eu acho que finalmente encontrei minha própria voz. “O Caminho dos Excessos” foi uma forma de “entrar de voadora” na literatura. “A Era de Ouro do Pornô” foi uma gostosa brincadeira com os clichês do gênero “escritor-frustrado-vivendo-loucas-aventuras-sexuais-na-cidade-grande”, e também uma saudável alfinetada nos romances eróticos tão em voga na última década. Agora, com “Tudo o que Poderíamos Ter Sido”, sinto que estou realmente pronto para sonhar alto, brigar com os cachorros grandes, cravar uma bandeira na literatura brasileira contemporânea.
Se eu pudesse dizer algo ao Zeka de dez ou quinze anos atrás, seria: use a própria voz, por mais estranha que ela possa parecer a princípio. Não tente emular escritores que você admira. Não tente ser Henry Miller, Bukowski ou Jim Morrison. Seja apenas Zeka Sixx – descubra quem ele é, agarre-o pelos cabelos e não o deixe escapar. E outra coisa: escreva para si mesmo, não escreva pensando em dizer o que os outros gostariam de ouvir. Não escreva para agradar os amigos, a namorada, a família ou quem quer que seja.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Gostaria muito de fazer uma adaptação em graphic novel do meu segundo romance, “A Era de Ouro do Pornô”. Acho que ficaria demais, algo no estilo Robert Crumb. Mas não consegui levar essa ideia adiante. Um conhecido meu que desenha super bem até se animou, mas queria que eu escrevesse o roteiro. E eu, confesso, estou saturado do personagem Max Califórnia, por mais que o ame; foi muito tempo investido para pensar como ele pensaria, escrever como ele escreveria. Não consigo me imaginar voltando a esse universo. Preferia que a adaptação fosse totalmente terceirizada, uma visão de fora mesmo.
Quanto a um livro que gostaria de ler e ainda não existe… difícil responder. Talvez uma autobiografia totalmente honesta do Axl Rose, isso seria doido demais.