Záira Bomfante dos Santos é doutora em Estudos Linguísticos pela UFMG, professora do Departamento de Educação e Ciências Humanas da UFES.
Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Começo o dia organizando as rotinas diárias, e no que se refere aos processos de leitura e escrita, seleciono em primeiro lugar os textos a serem lidos dentro da temática que estou querendo me aprofundar. Após o levantamento e seleção dos trabalhos a serem lidos, inicio a leitura/fichamento do material para posteriormente pensar o processo da escrita. Leitura e escrita são processos interdependentes.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
O momento que consigo produzir melhor tanto na leitura quanto na escrita é pela manhã. Acordo descansada, consigo organizar melhor as ideias bem como articulá-las. Assim, acordo cedo, seleciono todo material do dia, o que já foi lido, o que será lido e começo organizar meu ponto de partida, fazendo uma estrutura prévias do que será lido e do tópico que buscarei desenvolver na escrita.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Eu escrevo em períodos concentrados após ter feito todas as leituras selecionadas. Após um período escrevendo, deixo o texto “descansando” e depois retomo a ele para fazer um movimento de ‘burilar’ as ideias, organizando melhor, buscando deixar determinadas partes mais articuladas. A escrita é um processo, sendo necessário voltar constantemente para ir lapidando e fique palatável para o leitor que elegemos.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
O ponto de partida da minha escrita se dá por meio de leituras de trabalhos/projetos que têm sido desenvolvidos por pesquisadores no contexto nacional e internacional assim como livros etc., posteriormente, busco definir o que quero discutir, abordar ou problematizar e busco fazer uma breve estrutura com títulos, seções, subseções para que fique claro para mim o caminho que vou percorrer e como vou desenvolver as ideias e articulá-las. Nesse movimento, inicio a escrita e vou sempre voltando a ela. Busco, num determinado momento, me distanciar um pouco, após construir as seções. Esse distanciamento me permite, quando volto no texto, sempre ter um novo olhar.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Esse movimento de travas na escrita acredito que seja comum a todos que se desafiam a escrever, seja o “escritor” aprendiz ou o experiente. Cada a um a sua forma busca caminhos para superar esses desafios. Longas jornadas na frente do computador vão te deixando mais cansado e consequentemente, o rendimento diminui. Logo é preciso compreender o momento do dia que se trabalho flui melhor. Para muitas “travas” é necessário revistar leituras para que consiga compreender melhor o que vai ver dito, como vai ser dito, qual seu potencial leitor. Acredito que a ansiedade de não corresponder algumas expectativas sempre existe e vamos aprendendo em cada projeto/experiência. Acredito que ter claro os objetivos e o caminho a percorrer fica mais tranquilo. No caminho muitas variáveis surgem, é necessária cautela e saber aproveitar cada situação como uma experiência de aprendizagem. Não temos controle de tudo. Acho que a prática de observar e escutar o outro é sempre elementar para se desenvolver bons projetos colaborativos.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Sempre que escreve faço o movimento do ‘distanciamento’ para revisá-lo. Busco adequá-los as regras/templatessolicitados. Em decorrência de alguns prazos é necessário colocar o ponto final no texto, mas sempre acho que podem ser ainda lapidados. Nesse processo, busco, quando possível, pedir a leitura de outros colegas de área, para que façam suas sugestões, críticas. Nas palavras de Bakthin, sempre nos vemos no outro, pelo olhar do outro. Acho que esse movimento é fundamental.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Utilizo há muito tempo os meios digitais para escrever. Não consigo me ver escrevendo manualmente. Sempre que a ideias vem vou registrando, desenvolvendo o texto e, na sua tessitura, retiro, copio partes e colo em outras seções par que fique melhor articulado. Logo, a escrita digital me potencializa esses recursos que acho difícil pensar fazer em modo manual. É um modus operandi que acabamos introjetando.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativa?
As minhas ideias sempre vêm das experiências, provocações que tenho com meus alunos, das reflexões tecidas nas leituras, nos congressos. Na minha opinião, a criatividade está ligada a liberdade que tenho para problematizar e discutir aspectos não somente ‘universais’, mas práticas/experiências ‘localizadas’ partir das experiências que vamos construindo nas nossas interações dentro do contexto cultural que estamos interagindo. Acho que o olhar atento para a realidade social e suas práticas vai nos dando insumos para com liberdade, discutir problematizar por várias lentes, transitando por diversos repertórios.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesma se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?
Por entender a escrita como processo e nós como sujeitos cujas identidades vão mudando, não são fixas a escrita, consequentemente é um processo que muda. No início sempre temos mais medo, receio até pela própria falta de cultura e incentivo para escrevermos. Lembro-me que todas as minhas leituras no ambiente escolar se reduziam a testes sob formas de ‘provas’. A nossa escrita era a prova, pelo menos na minha formação escolar, por isso que venho buscando problematizar essas questões nas minhas aulas com meus alunos, precisamos resinificar as práticas sociais de leitura e escrita. Se tivesse a oportunidade de voltar aos primeiros textos, buscaria escrevê-lo dando mais voz a mim, pois reportava a voz do outro em todos os aspectos, buscando em muitas situações me ‘ocultar’. Trazer a voz do outro é imprescindível, mas isso não equivale a se anular. É claro que as leituras, as experiências nos levam a olhar para determinados fenômenos com outras lentes. Em suma, os primeiros textos refletem o que eu conseguia ser/expressar naquele momento e as mudanças refletem justamente o processo de mudanças/transformações que temos no decorrer na nossa vida.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Tenho muitas ideias de projetos a serem desenvolvidos, em grande medida, tenho pensado projetos dentro da universidade que posam ter inserção social abra o espaço da universidade cada vez mais a sociedade. Nos próximos anos pretendo desenvolver um projeto de leitura e escrita para comunidade tradicionais quilombolas de forma a dar voz a esses sujeitos e tornar a leitura e a escrita deles um espaço de afirmação sua cultura, identidade etc. No que se refere a livros que gostaria de ler, são inúmeros a lista é enorme, ela sempre aumenta. Atualmente tenho me debruçado a pensar a escolar pública brasileira e as difusas tentativas de reformas empresariais que ela bem sofrendo.