Yuri Pires é escritor, autor de A Pedra (Lote 42, 2017).
Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Lendo. Passo quarenta minutos no metrô, a caminho do trabalho, todas as manhãs. Quando as condições de lotação do vagão não o impedem, uso esse tempo para ler; mas se acordo com alguma ideia na cabeça, uso o bloco de notas do celular para registrá-la.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Não tenho preferência por horário. Preciso de silêncio e nada mais. Escrevo entre uma aula e outra, numa viagem de metrô, antes de um compromisso, numa sala de espera, num restaurante. Uso o bloco de notas do celular, o computador ou um caderninho. Aos finais de semana, quando há tempo livre, ponho essas notas em ordem, reescrevo-as, rasgo, jogo fora, dou uma destinação. Uma anotação pode se transformar num poema, num conto, em nada. Acontece.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Não tenho meta diária de escrita, mas escrevo todos os dias.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
Para mim, pesquisa e escrita não estão em tempo e espaço dissociados. Tomo nota de tudo o que leio, seja um romance, um artigo de jornal ou um poema. Acredito ter assumido esse hábito ao constatar a minha memória muito fraca. Se não anoto, até me lembro, mas embaralho referências, misturo trechos, autoria; uma bagunça. Porque escrevo ininterruptamente, não tenho dificuldades de começar um texto, seja um planejamento de aula, uma resenha ou um romance; a minha escrita sempre parte de algo que já escrevi noutro momento, nem sempre com uma finalidade determinada. Difícil, no meu caso, é terminar.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Ao iniciar a escrita, ou a reescrita do que escrevi durante a semana, disperso muito pouco, envolvo-me com a narrativa muito facilmente. Se trava, se por algum motivo não consigo sair do lugar, abandono, vou ler algo, assistir a algo na tevê, andar, comer, tomar um café, qualquer coisa; depois, quando sei o que pretendo escrever, retomo. Sobre corresponder às expectativas, costumo não me preocupar com o que não está sob meu controle.
Fui muito avexado na publicação de meu primeiro romance e penso ter aprendido a lição. Ao mesmo tempo, não sei muito bem o que estou fazendo, tenho trinta e dois anos, uma vida relativamente fácil, há menos de cinco anos publico o que escrevo, de modo que estou muito novo nisso. Procuro escutar e ler quem tem mais vivência com a literatura, experiência de escrita etc. Não me arvoro a dar conselho; é como se diz, em terra alheia, pisa no chão devagar.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Inúmeras, não saberia dizer quantas. Como disse, é difícil para mim terminar a escrita de algo, apartar-me do texto. Leio, releio e reescrevo muitas vezes antes de enviá-lo a alguém. Mostro a Ana, a primeira a ter acesso, sempre; às vezes, a outras pessoas. Aprendi, com o tempo, que o processo de edição é, com alguma frequência, mais interessante e revelador que a escrita inicial.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Não tenho questões com a tecnologia, escrevo com o meio que me estiver disponível e que for conveniente ao momento. Prefiro escrever direto no computador, para poupar tempo, mas nem sempre é possível. Muitas vezes não há como abrir o computador, o telefone está sem bateria, então pego um caderno e escrevo à mão.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativo?
Vêm de onde vêm as de toda a gente, da relação do Eu com o Outro. Como disse, estou sempre tomando notas, e talvez por isso nunca me faltaram ideias para estórias. No entanto, não estou sempre trabalhando em uma narrativa. Depois de A Pedra, passei longos meses sem escrever narrativa alguma. Meu primeiro conto saiu meses depois. No entanto, assim que eu tenho uma ideia para a qual eu acredite haver interesse, ponho-me a escrevê-la; nem sempre vinga, também, jogo um bocado de coisa fora o tempo todo.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesmo se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?
Paciência. É a maior virtude de alguém que se inicia em qualquer ofício, e no ofício da escrita não é diferente. O que inicialmente parece bom, pode parecer bom apenas sob o ponto de vista de alguém que leu pouco, escreveu pouco e que sabe pouco. Palavra é como couro, curtida é melhor. Deixar o texto de lado, meio esquecido, retomá-lo um tempo depois, refazê-lo pelas beiradas, sem pressa, sem urgência, a não ser aquela imposta pelo objeto poético. Talvez eu encontre outra lição mais importante, com o decorrer dos anos, mas, por agora, essa foi a maior lição aprendida.
Não sei se tenho um processo de escrita, para ser sincero.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Gostaria de concluir o romance que estou escrevendo há já bastante tempo; e, certamente, gostaria muito de ler A História do Brasil escrita por Zé Limeira, mas acho que não será possível. Aliás, quem sabe?