Wuldson Marcelo é escritor.
Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Nesses últimos três anos – daqui alguns meses serão quatro –, começo o dia, geralmente às 5h30min., alimentando as quatro gatas e o gato de que cuido (ou que cuidam de mim). Então, tomo o café da manhã, faço os afazeres domésticos, aqueles pelos quais sou responsável, confiro e-mails e as redes sociais. Em seguida, vem o trabalho (ou se eu estiver lendo um livro e a empolgação for grande, dedico um tempo da manhã para algumas páginas ou concluir a leitura). Conforme a quantidade de trabalho, decido o horário para escrever os contos e as resenhas para os sites dos quais faço parte da equipe. Na verdade, no que tange à literatura, não tenho propriamente uma rotina. Sou mais de me aplicar quando sinto a necessidade – ou desejo – de começar a desenvolver o mote ou finalizar a obra.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Não tenho um horário específico. Tudo se ajeita conforme os compromissos do dia. Não programo os momentos em que escreverei, mas me preparo mentalmente. Quando já tenho a sinopse e já imaginei o final – e já tenho o material com o qual engendrarei a ficção –, começo a criar para ver se o desfecho esboçado se sustenta, ou se a história exige um novo rumo e uma linha de chegada diferente a da concebida inicialmente.
Eu não tenho um ritual. Escrevo ouvindo música, dos mais variados estilos. Ainda que eu ame o silêncio, a música ajuda o processo, ao instigar o fazer e desfazer de cenas na minha mente.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Não escrevo todos os dias, e já cheguei a ficar alguns meses sem escrever uma linha sequer. E isso vale para as críticas/resenhas. Escrevo quando acredito que chegou o momento, e é aí que a concentração surge e eu me torno disciplinado.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
Quando tenho uma ideia para um conto ou roteiro, eu já penso no final e como alcança-lo. Só que os caminhos são tortuosos e o trajeto que se impõe pode levar a um desfecho diferente. Há sempre mudanças, e não sofro com o rumo inesperado, pois é uma surpresa para mim e tento não me apegar às personagens. O importante não é o amor às vidas que se está criando, mas sim não julgá-las. Todas são demasiadamente humanas.
Eu leio muito e assisto a filmes antes de escrever, até porque não sento e escrevo, a ideia ela amadurece e eu rumino cada passo. Durante o pré e durante a escrita, não sou de fazer anotações. Tenho um bloco e uso, mas não é recorrente e nem faz parte de um método. Faço uma construção mental, e resolvo diante do notebook.
Quando decido escrever, não é difícil começar. O mais complicado a respeito dos contos é pensar na unidade, o que transforma aquelas estórias em um livro.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Para escrever algo e dá-la por fechado, leva muito tempo, e é assim com um conto ou roteiro. Eu sou de imaginar antes de decretar, “Vou escrever!”. Acontece de algo não sair como “ensaiado” e ter que refazer ou tomar um novo rumo, e se travo, simplesmente deixo pra lá. Vou me ocupar de outra coisa. Meu primeiro livro é de 2013, o segundo de 2016 e o mais recente de 2018, levo tempo para finalizar uma obra. Nesse tempo, procrastino, mas não sofro com hiatos ou adiamentos.
Quanto às expectativas a respeito dos meus livros, a resposta que tenho pode ser contraditória, já que desejo um dia poder pagar as contas com o que ganho com a arte. Eu não me importo com elogios ou críticas negativas. Na verdade, estranho que censuras e louvores nos impulsionem, movimentem. Não posso controlar o modo como o leitor percebe um conto ou o livro. Lembrando-me de Freud, “Podemos nos defender de um ataque, mas somos indefesos a um elogio”, então o importante é ter os pés no chão.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Obscuro-shi: contos e desencontros em qualquer cidade levou catorze anos até chegar a ser publicado. Perdi as contas de quantas vezes o revisei. Geralmente, eu releio um bocado de vezes o que escrevo. Sem obsessão, obviamente. Na verdade, a reescrita e as pequenas alterações variam conforme a satisfação.
O Wender, meu irmão e primeiro leitor, recebe o material e me passa suas impressões. Mas, eu mostro os contos ou os livros para outras pessoas. Às vezes, busco essa ressonância, quando considero o tema mais espinhoso.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Até 2002, quando finalizei Obscuro-shi, escrevia à mão. Um amigo me disse que, escrever à mão é escrever duas vezes. Após refletir, considerei que ele tinha razão. Desde então, já começo o processo de escrita no computador. Faço poucas anotações à mão, motivado pelo não esquecimento, seja de algo pesquisado, seja de um trecho que o nosso cotidiano alucinante pode vir a vencer.
Além de facilitar a escrita, a tecnologia nos ajuda a formar redes. Ela me ligou a pessoas que foram decisivas para que conseguisse publicar livros. A Jana Lauxen, quando era editora da Multifico, foi quem recebeu meus escritos. Isso há sete, oito anos. Nunca nos encontramos pessoalmente, mas já realizamos alguns projetos literários juntos. E já administrei um blog, o Beatniks, maldit@s e marginais em Cuiabá, que foi essencial para conhecer escritoras/escritores e para aprender mais sobre produção literária e editoração. E hoje com o Ruído Manifesto, com uma equipe maravilhosa, tenho um cuidado muito maior com o que faço – e aprendo cada vez mais.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativo?
Para ser sincero, não sei de onde vêm as ideias. Fragmentos de filmes, livros, conversas – por mais banais que sejam, brincadeiras de quando criança, uma notícia no jornal… Acredito que seja por aí, da relação com o Outro e com o mundo.
Não cultivo hábitos que cultivo com essa finalidade, que sejam voltadas para manter-me apto a escrever. Como há um intervalo entre um conto e outro, uma obra e outra, viver e abraçar a solidão de vez em quando geram os impulsos que me conduzem à literatura.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesmo se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?
Paciência, não ter pressa para finalizar um projeto ou impulso criativo. Esquecer os prazos dos editais (até os das editoras) e deixar a estória maturar, ser o que é plenamente, atingir o seu potencial. Em suma, não ter pressa. Talvez seja a grande mudança no meu processo de escrita e o conselho possível ao meu eu do passado.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
O projeto que gostaria de fazer é o livro que estou trabalhando agora: contos policiais, noir, que tem Cuiabá como cenário. Como vou levar um tempo nele, tem toda a minha atenção agora. Mas não tenho apego às obras. Por isso, o próximo é sempre aquele que se tem como objetivo, o que se quer realizar.
Sinto que li muito pouco para desejar algo que ainda não existe.