Wladimir Saldanha é poeta e tradutor.
Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Não vivo de literatura nem de outra atividade diretamente ligada a ela, infelizmente. Assim, minhas manhãs em geral não são literárias, salvo quando estou em processo criativo. Saio à rua para trabalhar com Direito depois do café da manhã.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Apesar da resposta anterior, se o processo criativo for autoral, é de manhã que eu tenho as melhores ideias. Para tradução e crítica, qualquer hora, mas para criar metáforas, ao que parece, ter vindo do sono me favorece. Então, isso impõe bagunçar minha rotina ou mesmo escrever mentalmente, andando, para depois colocar no papel.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Não tenho meta. Mas sou tomado pela palavra poética durante períodos muito claros, quando escrevo sem parar, de modo obsessivo. No celular, ao computador, ou só na cabeça – e ocorre esquecer. Meus livros geralmente nascem assim.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
Não é difícil começar para mim, é difícil terminar, sobretudo porque reviso muito. Reviso até o extremo de mudar tudo, mudar um poema desde o título. Erros de português me irritam muito, sonoridades ruins, choques consonantais. Quanto à pesquisa, eu adoro, não faço distinção em fases. A escrita se dá no curso da pesquisa, suspendendo-a naturalmente. Mas posso retomar, como fiz com o historiador Flavio Josefo em “Natal de Herodes”, várias vezes. Eu gosto de pesquisa.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Isso não existe para mim quanto à escrita criativa. Eu simplesmente obedeço a algo que em mim é mais impositivo. Se for a pausa, obedeço também. Porém, na tradução, isso é um problema, sim. Eu não lido bem com a trava da tradução, torna-se uma frustração, uma tristeza. Sobretudo porque gosto muito de tradução e só me dedico a um autor se houver empatia muito grande. Então é como se confrontar com uma fraqueza, é uma dura humildade. O consolo é pensar que se trata de Verlaine, Mallarmé, Maeterlinck, gente assim. Ser humilhado por mestres.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Eu sou obsessivo com revisão. Sou filho de revisora, trabalhei com revisão profissionalmente também, com notas taquigráficas em um Tribunal. Se revisão fosse bem pago, seria revisor. Infelizmente não é, e talvez por isso jogo tudo no meu próprio texto. Eu acabo impondo adiamentos ao editor. Se o erro for dele, pior. Eu sou capaz de inimizades por isso. Cada qual tem que fazer bem aquilo a que se propõe. Se você se propõe escrever ou editar, faça o melhor. E, sim, eu mostro a outras pessoas, sobretudo a João Filho, com quem tenho total abertura para criticar, a ponto de simplesmente balançar a cabeça em negativa. Espero o mesmo dele, portanto. Colabora comigo também Claudio Sousa Pereira, poeta inédito, a quem devo muita raiva poupada em “Cacau inventado” e “Natal de Herodes”.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
É ótima, a ponto de eu não ter qualquer manuscrito. Não teria “crítica genética”! O computador é o Nada absoluto. Mallarmé adoraria.
Mas não tenho o fetiche da tecnologia, tenho o do livro e o do mobiliário. Há uma dubiedade nisso, mas não quero resolver, não é um problema.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativo?
Minha escrita vem diretamente da vida, da minha e das outras pessoas, mas eu tenho alguma coisa meio “errada” que me faz completar ou mesmo reinventar o vivido, e me confunde. Minha esposa vive corrigindo minhas memórias, mas eu já acredito no que eu mesmo inventei. Não seria boa testemunha para ninguém. Tem funcionado, porém, na minha própria vida, inclusive com a dona que me corrige.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesmo se pudesse voltar à escrita de sua tese?
Minha tese? Eu me cansei terrivelmente no doutorado em Letras, mas não mudaria nada. Eu vivi intensamente a pesquisa do meu autor, Lêdo Ivo. Fui amigo dele em decorrência disso. A última carta que me enviou foi a apenas um mês de sua morte. Interrompi o processo por luto e retomei como uma elegia. Eu adorei ter feito isso. Não publiquei porque tenho que reescrever com pontuais mudanças teóricas e muita mudança estilística, pois o público é outro. Não pude ainda.
Na minha escrita autoral, o que mudou é que “Natal de Herodes” resolveu alguma coisa. Não sei o quê, mas estou mais desinfetado. Porém, continuo vendo meu primeiro livro, Culpe o vento, não apenas como estreia, mas como matriz temática.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Eu comecei todos os projetos que gostaria de fazer. De tradução estão todos “em curso”. O problema, como disse antes, é terminar. Quanto aos autorais, eu gostaria de fazer livros em parceria, a quatro mãos. Já convidei uns dois, mas estão me enrolando. Outros não convidei, mas já tenho a ideia. Serei enrolado, mas tudo bem.
O livro que não existe é a antologia de poesia brasileira contemporânea que dê conta daquilo a que chamo “underground estético”: poetas que dialogam francamente com a tradição, vivendo uma espécie de “agonia do Cânone” e fazendo, não raro, poetas canônicos de “personas” líricas, entre outras características. Já falei disso para muita gente e Érico Nogueira, que é um “underground estético” sem dúvidas, achou que devia existir também. Resta alguém que nos pague a conta, porque aí já é demais.