Willian Delarte é escritor.

Como você organiza sua semana de trabalho? Você prefere ter vários projetos acontecendo ao mesmo tempo?
Antes de qualquer coisa, é importante dizer que trabalho há mais de vinte anos nas áreas contábeis, e a Literatura não é meu ganha-pão nem almejo tal situação. Posto isso, posso também afirmar que a relação que tenho com a Arte na minha vida, seja nas Letras, seja na Música, é uma relação totalmente descompromissada quanto ao quesito prazo, autocobrança ou cobranças externas, e isso, ao meu ver, foi a condição que dei a mim mesmo para que pudesse criar de um forma em que o criar fosse em si o objeto, e a necessidade de expressão artística o único impulso. Sendo assim, posso dizer que, sim, gosto de estar me dedicando a vários projetos ao mesmo tempo, assim como gosto de que cada um seja bastante diferente do outro, que desperte em mim novas provocações, novas experimentações.
Ao dar início a um novo projeto, você planeja tudo antes ou apenas deixa fluir? Qual o mais difícil, escrever a primeira ou a última frase?
Em regra, o impulso criativo surge em mim na forma de sentimento, e isso é muito difícil explicar, ou seja, tenho a priori o sentimento daquilo que está me impulsionando a criar, tenho em algum lugar dentro de mim o sentimento que a obra me causa e que eu quero transportar para o leitor ou ouvinte, é, sobretudo nesse caso, um sentimento estético, que também poderia chamar de sensações. Isso vale tanto para os pequenos projetos, um poema, uma canção, por exemplo, quanto para um projeto maior, um livro inteiro, por exemplo. Quando há esse “start” dentro de mim, mesmo que eu tente brecar esse impulso, em algum momento eu vou dar vazão a ele. Nesse sentido, quando estou nesse momento interno, escrever a primeira frase é fácil, é orgânico, e chegar até a última, também. Assim, também deixo fluir. Se sei exatamente onde quero chegar, faço um mapa mental ou, se for muita coisa, tomo notas para não esquecer. Fazer o mapa é importante até para me perder dele, encontrar outros caminhos no processo, que é, sempre, o mais interessante e realizador do ponto de vista da criação.
Você segue uma rotina quando está escrevendo um livro? Você precisa de silêncio e um ambiente em particular para escrever?
Não necessariamente, embora o silêncio seja amigo da criação para mim. Gosto de uma música calma e instrumental de fundo (geralmente jazz ou piano erudito), sendo os melhores horários o primeiro da manhã ou os últimos da noite. Um vinho, um incenso, também são bem vindos, caso seja algo que eu me propus a escrever e para isso vou me dedicar um tempo específico, um projeto grande ao qual estou me dedicando, por exemplo. Nas composições avulsas de um poema, geralmente a criação se dá ao sabor do momento. Quando o poema quer sair, os versos começam a vir praticamente por si, e vou tomando nota. Aí não importa o local ou momento do dia. Muitos poemas nascem em trânsito, em filas de banco, onde ele quiser nascer e se, de alguma forma, eu puder tomar nota. Nesse sentido, o advento do celular facilitou muito a vida desse tipo de escrita nos últimos anos.
Você desenvolveu técnicas para lidar com a procrastinação? O que você faz quando se sente travado?
Nunca tive esse problema, pelo fato também de não trabalhar com prazos, em regra. Quando há um prazo qualquer, este já é para mim o maior combustível para a criação, e costumo produzir e entregar muito antes do prazo, para me livrar logo mesmo, dada a ansiedade monstruosa que me é natural. (risos). Nunca tive essa sensação de “travamento”, talvez porque só produza aquilo que realmente eu quero produzir e para a qual dedico toda a minha libido.
Qual dos seus textos deu mais trabalho para ser escrito? E qual você mais se orgulha de ter feito?
Um romance, o primeiro do gênero que escrevo e que ainda está inédito. Levei cinco anos para terminá-lo. Não foram cinco anos de escrita, claro, mas de processo, juntando pesquisa e os tempos de maturação do silêncio. Acho que também é a obra que mais me orgulho de ter feito, embora só eu e meia dúzia de amigos íntimos a conheçamos. Mas, em suma, me orgulho muito de cada livro que publiquei até hoje (cinco autorais e uma antologia de contos que participo como escritor e organizador), como disse antes, gosto de trabalhar em projetos bem diferentes entre si, isso me dá energia, a sensação de estar produzindo algo novo, seja na forma, seja no conteúdo, é o que impulsiona meu fazer artístico. Tenho muito orgulho de cada um deles, de cada proposta que consegui realizar neles.
Como você escolhe os temas para seus livros? Você mantém um leitor ideal em mente enquanto escreve?
Penso que não escolho os temas, mas eles se impõem. Não são eles que me incitam para o movimento de criação. Por exemplo, se um tema está recorrente demais em muitas criações, eu costumo unir tudo num grande projeto, num livro único, buscando unidade entre eles, costurando-os. Dessa forma, a escolha do tema ocorre a posteriori, não foi o impulso inicial. Porém, após ter aceitado um tema como pano de fundo da obra, nesse movimento que expliquei, aí sim posso começar a compor para servir a esse tema, para dar corpo e cores a ele no todo da obra. Então, não dá para dizer que escolhi o tema, no máximo, captei aquilo que o inconsciente coletivo me trouxe, e aceitei. Quanto ao leitor imaginário ideal, invariavelmente sou eu mesmo, só escrevo aquilo que gostaria de ler. Parece-me ser esse um bom parâmetro para quem gosta de ser surpreendido na leitura.
Em que ponto você se sente à vontade para mostrar seus rascunhos para outras pessoas? Quem são as primeiras pessoas a ler seus manuscritos antes de eles seguirem para publicação?
Eu me sinto muito à vontade quanto a isso, desde que tenha intimidade com a pessoa. Só abro meus rascunhos ou leituras prévias para amigos, pessoas que de alguma forma possam me ajudar a perceber como está sendo a recepção da obra. A recepção é sempre um mistério para o criador, sempre nos deparamos com coisas novas, cada leitura é uma criação em si. O texto literário não existe no mundo das ideias, não está parado em algum lugar, nem na cabeça do autor, um texto literário é sempre único na cabeça de cada leitor, é sempre recriado e reinventado a cada leitura, o autor só tem uma versão dele, a versão, talvez, intencional, e só. Mesmo o autor, ao reler o livro, se depara com outro. Por isso é legal essa troca prévia antes do livro ganhar mundo, mas cada vez menos tenho “incomodado” meus amigos com isso. (risos)
Você lembra do momento em que decidiu se dedicar à escrita? O que você gostaria de ter ouvido quando começou e ninguém te contou?
Lembro sim, era muito novo e me dedicava totalmente à carreira contábil. Eu sempre escrevi bastante, desde muito criança era aquele aluno que pedia temas à professora para fazer redações e entregar. Não sei, na verdade, se existem outros alunos assim (risos), mas eu era essa criança estranha. Então, talvez ali, com nove anos, eu já sabia que queria muito escrever livros, fazia isso naturalmente, escrevia, escrevia, e depois perdia tudo com o passar do tempo. Nesse momento da minha vida que citei, mais velho e já com uma carreira em curso, eu decidi que precisava escrever de verdade, ou isso, ou nada na minha vida teria muito sabor. Foi aí que paralelamente fui buscar conhecimento, fiz um curso de Letras apenas para me aprofundar mais na arte, sem muitas pretensões profissionais. Costumo dizer que aqui o contador financia o escritor, e sem o escritor o contador simplesmente não existiria. Foi uma constatação e um acordo interno que fiz. Hoje ambos vivem em harmonia, sabendo seu espaço, sabendo quem paga as contas e quem traz sabor à vida. (risos) Ninguém me contou, mas se pudessem ter me contado, gostaria de ter ouvido aquilo que virou picho em muros e memes nesses últimos tempos na internet, algo como “ninguém liga pras suas poesia idiota”, isso teria encurtado vários caminhos internos. (risos)
Que dificuldades você encontrou para desenvolver um estilo próprio? Algum autor influenciou você mais do que outros?
Não consigo dizer nem se tive dificuldades nem se realmente tenho um estilo próprio, quem há de me dizer isso são os leitores, acho que seria muita audácia da minha parte. (risos). Mas, sim, procuro sempre um estilo que a mim me pareça próprio, é uma busca que sempre faz parte dos meus projetos. Como, muitas vezes, acabo me enveredando por muitos estilos diferentes, acabei com o tempo acreditando que talvez essa pluralidade de estilos seja meu estilo. Os mais críticos dirão que não, isso é a falta de estilo, e tudo bem (risos). Cada obra, para mim, tem suas necessidades próprias, e isso inclui um estilo próprio para o qual me jogar. Gosto de deixar que cada obra em si também afete meu estilo, gosto de deixá-lo livre para qualquer tipo de experimentação, e essa liberdade é o que gosto de acreditar ser a alma desse meu suposto estilo. O estilo em si é um tema instigante e complexo da arte literária, um tema que gosto sim de pensar sobre. Em muitos momentos me senti influenciado por autores como Drummond (no meu primeiro livro “Sentimento do Fim do Mundo”, de forma declarada (risos)), Machado de Assis, Guimarães, Kafka, Murilo Rubião, Gui de Maupasssant, enfim, os autores que amo. Acho que quando você ama um autor, você ama seu estilo, e o amor é sempre um espelho, se você ama é porque está em você esse amor, então o amor se alimenta do outro ao mesmo tempo que alimenta a si mesmo, ou seja, vamos nos tornando aquilo que amamos, ainda que seja um estilo. Não sei se isso ficou muito claro (risos).
Que livro você mais tem recomendado para as outras pessoas?
Neste exato momento, um não literário; um livro que me acompanhou na pandemia e me fez refletir muito sobre minha condição animal, social e política; um livro que gostaria que todos lessem nalgum dia da vida: “Sapiens”, do escritor israelense “Yuval Noah Harari”. Pensando em literatura contemporânea, fora muitos brasileiros que, inclusive, posso chamar de amigos (Luciano Portela, Walner Danziger, Rodrigo Freire, Ni Brisant, Marcelo Labes, entre outros), o autor que mais tem conversado comigo é o português Valter Hugo Mãe. Leiam tudo dele, eu estou lendo!