Wescley Gama é escritor, cantor, músico e compositor potiguar.

Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Nesse tempo de pandemia (estou escrevendo numa manhã ensolarada de janeiro de 2021 e no momento temos 93 milhões de casos no mundo, com 2 milhões de mortes em decorrência da Sars-coV-2, causador da covid-19 ) desenvolvi o hábito da meditação às 5:30 junto com um grupo de amigos, encontro virtual pelo google meet. Entramos todos na sala, em torno de 15 pessoas e silenciamos e focamos na respiração por cerca de 30 minutos, ouvindo um mantra ou kirtan ao final. Com relação ao processo criativo da escrita percebo que não o exerço pela manhã.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Acredito que a tarde ou à noite produzo melhor a minha literatura. O que me impulsiona é a vontade de registrar uma ideia que nasce muito leve, maneira e pode tomar corpo à medida em que invisto tempo e criatividade sobre ela. Lembro de Tom Zé ter se referido a esse processo em uma de suas sempre instigantes e divertidas entrevistas. Também, como dizia Ferreira Gullar, vem uma faísca de inspiração quando me emociono com algo, seja a beleza das relações humanas e naturais ou indignação com aspectos sociais de nossa realidade dura.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Não tenho uma meta de escrita diária. Sou um escritor minimalista, tento dizer o máximo no mínimo, não quero tomar muito o tempo do leitor. Em tempos de mensagens instantâneas e por vezes descartáveis tento vencer na literatura por nocaute, como costumava dizer o querido autor Júlio Cortázar. Leiam, dele, “Todos os fogos o fogo”, um dos mais tocantes e fortes livros de contos que já li na vida. E olhe que sou leitor de Borges (leiam “As ruínas circulares” do livro Ficções), Guimarães Rosa, se debrucem sobre “A terceira margem do rio” e Gabriel García Marquez, indico o livro “Doze contos peregrinos” na íntegra.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
No menos, mais. Meu processo de escrita é minimalista, tanto na poesia, quanto nos contos. Eu tenho um processo meio glauberiano de trabalho: Muita coisa vou pesquisando no momento da escrita e a partir dos caminhos subjetivos que a escrita vai me levando. Não faço muitas notas anteriores. À vezes o fio de azeite da escrita começa mesmo com uma ideia única, uma conversa que presenciei entre idosas sentadas nas calçadas da vida; uma criança alisando um felino; um grito de desespero frente a uma injustiça… A minha pequisa para a escrita acontece hoje em dia muito pela internet, palavras, sinônimos, eventos e datas históricos, plantas, animais, culturas, civilizações. Também consulto outros livros de minha coleção e da biblioteca comunitária que faço parte (Casarão de Poesia, com 10 mil livros no acervo, fica na cidade de Currais Novos/RN, onde resido atualmente.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Sempre que concluo um trabalho penso que não voltarei a escrever, ou a compor (além da escrita trabalho também com composições musicais). É uma espécia de morte que depois me leva a um renascimento. Prestes a fazer quarenta anos neste 2021 lembro que quando eu tinha vinte e poucos costumava fazer listas de livros pra ler, de filmes para ver. Hoje em dia vou seguindo o fluxo da vida, sem muitas listas/projetos muito futuros e estou me sentindo muito bem. Várias experiências passaram, vários amores passaram e continuo aqui, percebendo a calma e a beleza em poder respirar, tomar um copo de água, ouvir uma canção (nesse momento Just breathe, de Eddi Vedder – Peral Jam). Então não planejo em demasia. As coisas vão fluindo.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Reviso menos do que deveria. Umas três ou quatro vezes no máximo. Mostro a dois ou três amigos próximos.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Nasci em 1981. Então na minha adolescência houve a explosão e popularização dos microcomputadores e da internet. Desde essa época costumo escrever no computador. Eu tinha uma máquina de escrever que ganhei de uma amiga da minha mãe que era professora aposentada. Aliás ela também me presentou com alguns livros de Machados de Assis, os quais li com interesse e ajudaram na minha formação como leitor, escritor, ser humano. Gratidão, dona Dalvani! Hoje em dia faço poemas no editor de textos do celular mesmo, e escrevo contos no notebook. Tenho uma letra meio ilegível e tenho preguiça/impaciência de escrever a mão. Torna-se um processo lento. No computador escrevo mais rápido, acompanhando a cachoeira de pensamentos, esses macaquinhos incontroláveis, como dizem os monges budistas.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativo?
As ideias brotam de todos os lugares. Acompanho as notícias locais e de além-mar. Ouço vizinhos e amigos, escuto a chuva, me delicio com a leitura dos livros e a audição dos discos de vinil que tenho.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesmo se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?
Acho que fui ficando mais concisa e minimalista nos últimos anos, tentando enxugar o texto, dizer apenas o necessário para provocar sensações, quiçá epifanias. Eu não diria nada pra o autor iniciante que fui há vinte anos. Porque eu tinha que passar pelo meu próprio aprendizado com os poemas-exercício advindos dos amores chorosos, do vazio existencial adolescente, da crescente responsabilidade do mundo dos boletos e da busca independência existencial e financeira.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Acredito que a maioria dos livros que eu gostaria de ler já existem, só precisam chegar às minhas mãos, por isso sempre estou de olho na dica dos amigos em quem confio. Às vezes tenho vontade de começar um pequeno romance. Ele está aqui em algum lugar dentro de mim, em algum lugar no presente e ao mesmo tempo no futuro, sendo gestado. Vamos ver se ele vai aparecer antes que eu desapareça fisicamente das vistas do mundo. No mais as coisas vão acontecendo junto com o cafezinho da manhã, junto como balanço na rede, junto com o abraço do meu filho de 13 anos, Iago. Que a literatura continue ocupando um espaço de emoção, de sensibilização dentro de mim. É tudo que espero, vou no fluxo. E tá tudo bem assim.