Waldemar José Solha é escritor.
Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
O banho é indispensável de manhã e após a siesta. Tenho de me livrar da modorra. Quando eu trabalhava no Banco do Brasil – de que me aposentei em 90 – consegui que me concedessem um expediente direto – das 10h às 18h, sem pausa para o almoço – para que dispusesse da manhã livre. Hoje – aos 77 anos – me levanto às 5h, tomo esse banho, café puro, leitura dos jornais, começo a escrever, vou até as 12h, almoço, siesta, escrevo até as 16h, 17h, paro, deixo o resto do tempo livre pra ler, ouvir música, ver filmes, estar com a família.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Meu horário, hoje, é esse. Antes de me aposentar, escrevia de manhã, pois vinha tão cansado dos expedientes no banco, que não rendia mais nada. Se bem que, quando fazia teatro, saía do BB às 18h e ia direto para os ensaios. Ritual para escrever? Não. Retomo o trabalho, sempre, do ponto onde parei no dia anterior e vou em frente.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Escrevo todos dias, sem sábados, domingos nem feriados. Nada de metas. Acostumei-me, em criança, com a escola começando às 7h, depois do que vieram os empregos – comecei, neles, aos 15 – na mesma rotina.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
Nunca tive brancos. Picasso tem uma frase genial: “A inspiração existe, mas é preciso que ela te encontre trabalhando”. Quando escrevia romances (o último livro, agora, foi um “rimance”) a história já vinha sendo elaborada, sem anotações, enquanto trabalhava em algo anterior. Geralmente cruzo com várias áreas, enfrentando um mesmo tema. Meu romance A Verdadeira Estória de Jesus foi ensaio, peça teatral, romance. A Canga foi um conto, uma peça, um roteiro de cinema, romance. O último, A Engenhosa Tragédia de Dulcineia e Trancoso foi o libreto de uma ópera – Dulcineia e Trancoso – exibida no Teatro de Santa Isabel, no Recife, em 2009, e na UNIRIO em setembro de 2017.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Não tenho esses problemas. Se sinto que não cheguei onde deveria, insisto, insisto. O poema longo Trigal com Corvos me consumiu mais de uma década. Fiquei entre os finalistas do prêmio Nestlé mas, como não o venci, prossegui na lapidação. Até que o publiquei e o vi premiado pela União Brasileira de Escritores, do Rio.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Quando termino um livro, peço a quatro ou cinco bons leitores que leiam os originais e sejam francos sobre ele. A Engenhosa me rendeu um ano e meio a mais de trabalho, depois de duas reações frias e de um abrupto “Não gostei”. Meu romance Relato de Prócula teve dois leitores que o aprovaram de cara, um que o aceitou mais ou menos, outro que o recusou. Ouvi esta última opinião, refiz o livro e mandei-o para um quinto leitor, esse, por sinal, pago.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Passei boa parte da vida suando em cima de uma Remington. Quando mudei para o computador, foi um alívio. É nele, hoje, que começo e termino tudo. Antes do computador, e depois, sempre, no entanto, tive por hábito, nos romances, de escrever a história de uma vez só, depois, em hiatos, trabalhar em cima de grandes fotografias e de fotos de obras de arte, produzindo frases inspiradas no que via. Fazia um banco dessas coletas, selecionava o que tinha algum peso e, depois, inseria-as no texto bruto, dando e ele detalhes que, de outro jeito, não teria como imaginar.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativo?
Não tenho hábitos fora os descritos acima. As ideias me surgem de inquietações. Jesus não existiu – por exemplo. Então, quem o teria inventado? E como? De outra feita, trabalhei como ator no filme Soledade, baseado no romance A Bagaceira do José Américo de Almeida e, aos poucos, convivendo com os personagens em carne e osso, vi que todos tinham seu modelo no Hamlet. Como o grande mérito de A Bagaceira foi o de ter rompido com a influência inglesa em nossa literatura, isso me pareceu… terrível. Aí, ao ler as memórias do autor, vi que ele mesmo foi um Hamlet vivendo seu drama principal literalmente dentro de um palácio, o da Redenção, junto do seu “rei”, o “presidente” João Pessoa, assassinado em 30. Daí surgiu meu Zé Américo Foi Princeso no Trono da Monarquia.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesmo se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?
Meu primeiro romance, Israel Rêmora, lançado em 75 pela Record, surgiu de uma montagem cinematográfica, em que a cada capítulo em prosa, colei – literalmente – um poema feito anteriormente, tornando-o “monólogo” do protagonista. Depois de vários romances, perguntei-me como seria escrever sem enredos, e me vieram os poemas longos, como Trigal com Corvos, Marco do Mundo e Esse é o Homem.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Todos os meus livros surgiram de questões para as quais eu não encontrava respostas em outros autores. Quando fiz o papel de Pilatos num espetáculo grandioso, daqui, que havia nas semanas santas, estudei meu personagem e vi que ele não era o santinho que os evangelhos apresentam. Era O invasor, tão combatido em Jerusalém, que a cidade acabou destruída no ano 70, pelos romanos. Foi quando vi que frases como “Amai os vossos inimigos” e “Dai a César o que é de César” de santas não tinham nada. Onde Jesus teria passado, mesmo, a vida, dos 12 aos 30 anos? Por que não em Roma, com o fizeram tantos cidadãos romanos de Israel, como o próprio Paulo apóstolo, como Herodes, como o historiador Flávio Josefo, como o filósofo judeu Filon?