Wagton Douglas é pedagogo, contista, ator e bailarino.
Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Tenho hábito de acordar e ficar um tempo na cama em postura de lótus (aquela postura de yoga que a gente fica sentado com as pernas cruzadas e a coluna ereta). Fico ali por uns 10 minutos a agradecer pelo dia que inicia, ou fico ali estático o tempo necessário para depois sair dali e ir ao banheiro. Daí tenho mania de ler o horóscopo para saber em que signo a lua está e ler a frase do dia que o horóscopo oferece para reflexão. Volto para o quarto organizo minha cama e sento nela para ler alguma coisa. A leitura está vinculada ao interesse no momento. Por exemplo, nesse momento estou lendo o livro “Os Oito tipos de Líderes Que Todo Líder Deveria Conhecer” de Del Pe, por acabar de fazer um curso de liderança. Já coloquei outro perto da cama, pois quando terminar esse lerei “Insânia” de Luciene Carvalho, poetisa mato-grossense, pois participo de um projeto que propõe a montagem de um espetáculo em cima desses escritos, e eu serei o diretor desse trabalho.
Após a leitura faço alguns exercícios físicos para acordar o corpo. Logo após sento à mesa para estudar um pouco, ou começo a me organizar para ir para o trabalho, local que fico no período vespertino. Ah, eu trabalho na Secretaria de Estado de Saúde, lá eu sou Técnico em Assuntos Culturais e Educacionais!
Normalmente eu deixo a noite para fazer cursos de línguas, teatro, flauta, dança, coral, sair e ver algum espetáculo, visitar amigos e outras coisitas mais.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
A escrita em minha vida entra subitamente, de forma rompante, impetuosa. Ela não pede licença, me rasga feito um raio fulminante. Ou eu escrevo, ou eu não tenho paz de espírito. Não há dia, não há hora, não há lua, não há local, simplesmente é e não há discussão. Imagina aquele céu lindo de azul e muito quente, que pouco a pouco vai se adensando em nuvens pesadas e escuras gerando uma pressão atmosférica opressiva e angustiante, assim acontece a escrita em minha vida, o conto ou a poesia fica me arrodeando feito um cão que quer alguma coisa de seu dono e não me larga até o momento em que eu pego um papel e uma caneta e começo a transferir a ideia para o papel feito água que cai sobre o solo. A escrita não sai devidamente, mas a ideia está lá intacta e com uma carga emocional que é o que mais me interessa, ao invés de um processo de escrita metrificada e racional. Busco mais a musicalidade das palavras por ela me ofertada.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
A minha escrita a princípio passa pela emoção, a gestação dura muitas vezes dias, meses, anos, mas a maioria delas é instantânea. Não tenho habilidade para escrever romances, opto pelos poemas e contos por serem mais sintéticos e condensarem a ideia sem muitas delongas. Sou muito sintético e gosto de ir direto ao ponto sem muito floreio e descrições, opto pelo impacto. Minha escrita não é lógica, não há metas, ela é extracotidiana. Creio que ela tem que me impactar para chegar a comover o leitor.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
Meus sentidos estão abertos para o cotidiano, para as histórias vivenciadas, para os relatos existenciais das pessoas, para minha experiência pessoal. Creio que devo criar uma determinada cumplicidade, devo gerar uma empatia, devo provocar uma relação de confiança com as pessoas, pois não é raro eu ouvir delas: − Por que é que estou contando isso pra você, eu nunca falei sobre isso pra ninguém? – São esses relatos o alimento para a minha escrita, que provocam a minha imaginação, que geram imagens, que jogam pedras nas águas plácidas de meu lago mental, que me impacientam.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
A escrita é um dos meus canais de expressão, mas não o único. Utilizo de outras estratégias expressivas como o teatro e a dança, porém fico tão angustiado, com a sensação de incompletude, com a Gestalt aberta com os projetos de publicações não realizadas, semelhante ao poema, ou conto que não se concretiza, que fica na idealização consumindo a minha energia em cobranças, implorando a mim mesmo por uma tomada de atitude tipo “Mova-se, cara! Nada acontecerá se você não se mexer! ”. Fora as inseguranças que me paralisa em questionamentos sobre o porquê eu faço isso, porque tenho que escrever, porque tenho que gerar problema, porque devo dar sentido onde não existe sentido, porque devo continuar a fazer algo que não me dá retorno financeiro, porque, porque, porque? Tudo inútil esses porquês, pois cedo, ou tarde esses projetos serão concretizados.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Alguns dos meus textos leio à exaustão, outros nem tanto. Alguns gosto de lê-los aos amigos mais próximos que tenham ouvidos e paciência, alguns posto-os em redes sociais, outros ficam guardados em silêncio aos olhos e ouvidos dos outros. A gente vai olhado os escritos e a cada leitura vai surgindo um substantivo melhor, um verbo que espelha melhor o sentimento, uma palavra que gere uma melhor musicalidade na composição. Muitas vezes faço uma mudança dos componentes da oração. Ser lúdico é muito importante, brincar com as possibilidades das palavras sem perder o alvo do que se propõe a dizer é algo que me interessa. As palavras são como aqueles blocos de montar, elas estão ali soltas no espaço para serem escolhidas, recolhidas e colocadas em uma determinada ordem que gere sentido ao que se quer dizer. Nada fica no texto se não tiver sentido, e se elas forem desnecessárias serão descartadas.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Normalmente tenho um caderno a minha disposição, carrego sempre um na minha mochila, juntamente com estojo de canetas. Gosto muito de escrever à mão meus contos e poemas. Dá-me a sensação de estar fazendo artesanato, e taí uma coisa que sempre gostei e admirei…os objetos feitos pela mão humana. Quando escrevo gosto de trazer essa experiência à tona, de sentir que algo está brotando, germinando da terra feito um broto, palavras que vão aparecendo, despontando e se organizando em algo com sentido, muitas vezes aparenta-me ilógico, principalmente na construção de poemas, porém nesse momento me desfaço de minha criticidade cartesiana e opto em me deixar ser possuído por Dioniso, ser caótico, ser ilógico e me deixar mais fluídico. Feito a mão sempre me parece mais interessante, não que eu menospreze os escritos feitos no computador, notebook, tablet ou celular, onde esses oferecem facilidade na construção dos escritos com possibilidades de corte, recorte e colagem, mas eu gosto dos rabiscos, garranchos, setas indicativas de colocação, ou transposição de palavras, asterisco indicando alguma frase que será acrescentada no local, isso me apresenta mais prazeroso, me parece mais lúdico.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativo?
Tudo que faço é com objetivo de me manter criativo. Crio estratégias para sempre estar com a mente aberta a novas aprendizagens, seja na aprendizagem de confecção de uma flor de papel, de um origami, de um novo estilo de dança, na construção de um personagem para o teatro, de uma nova língua, de um instrumento musical.
Manter meus ouvidos abertos as falas aleatórias do cotidiano ampliam as possibilidades de uso da língua portuguesa, mesmo que gramaticalmente incorretas e me soarem muitas vezes estranhas. Me vem sempre à mente que se hoje existe a língua portuguesa, espanhola, italiana, francesa entre outras, essas surgiram do latim vulgar, do latim clássico misturado com as peculiaridades da fala de cada povo. Esse falar dos ônibus, das filas, das festas, das ruas me mostra riquíssimo em possibilidades linguísticas, tipo “Obrigada eu! ”, “Deixa isso para mim fazer. ”, “Manda ele sair agora pra fora! ”, ele está ai, na boca do povo e como material a ser explorado em meus escritos.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesmo se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?
O processo é o mesmo, isto é, continuo a lidar com a escrita de forma instintiva, intuitiva, muitas vezes ela me apresenta incoerente, porém constato que hoje eu sou diferente, a minha idade é outra, minha sexualidade é outra, meu conhecimento é outro, minha forma de lidar com o mundo é outra, a compreensão de meu eu é outra, minha autoaceitação é outra, sendo eu uma outra pessoa do que eu era em momentos passados de minha vida a minha escrita também se transformou. Os textos escritos há muito tempo atrás, em respeito ao meu eu que eu era, jamais os reescreveria, ou os modificaria, pois eles são para mim como álbum de fotografias que retratam o momento, os amores vividos, as angustias incompreendidas, o levantamento de bandeira sócio-política, o referencial daquilo que eu não sou mais e isso me encanta.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Gostaria de publicar um livro de poesia, pois foi por ela que comecei meus escritos, porém nunca me aventurei em expô-la ao público. É algo que me vem inquietando por anos, mas sinto que tem algo que me amarra, talvez minha insegurança. Ou será que meu boicotador interno precisa relaxar? Ou quem sabe a autocrítica severa tem paralisado minha atitude e protelado minha decisão? Só sei que elas, as poesias, estão lá aguardando serem apresentadas.
Um livro que não existe e se fosse dar materialidade a ele, acredito eu, só se fosse escrito e apresentado de forma tridimensional, onde seres intergalácticos nos apresentaria histórias e experiências vividas de forma inédita aquelas vivenciadas aqui na Terra, onde seria apresentado relatos de paisagens surreais, possibilidades de existência de vidas pensantes e descrições tecnológicas inimagináveis à nossa atual realidade.