Wagner G. Barreira é jornalista, autor de “Lampião e Maria Bonita – Uma História de Amor e Balas”.
Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Começo o dia com um café da manhã frugal. Em períodos de produção, parto imediatamente para o projeto.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
O melhor período é a manhã, logo depois do café. Começo relendo o que escrevi, desde o começo (quando o texto está com um tamanho considerável, retomo pelos dois últimos capítulos). Depois escrevo até a hora do almoço, por volta das 14h. O resto do dia é dedicado a pesquisa sobre o tema em que estou trabalhando, apontamentos para os próximos capítulos e leitura de livros de ficção.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Tento escrever todos os dias, com uma parada no domingo. Não tenho uma meta, mas considero que produzir sete páginas é uma marca a ser alcançada. No mínimo, duas páginas definitivas.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
Monto um pequeno banco de dados sobre o tema. Quando trabalho com não ficção, reúno as referências nesse banco (nome do livro/texto, autor, página e um pequeno resumo do conteúdo). Em ficção, o banco de dados se torna “banco de ideias”. Frases que podem se encaixar, temas a serem trabalhados, ideias de retrabalho para textos prontos. O processo de começar a escrever é automático. Estruturo o livro em temas e parto dessa base. Os apontamentos são “cronológicos”, de modo a permitir acesso rápido que me possibilitem um “mapa mental” da produção.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Lido muito mal. Raramente enfrento travas da escrita, mas a procrastinação é um problema. Daí a estratégia de criar uma rotina para a produção. Quando sou obrigado a fugir da rotina por outros compromissos a retomada sempre é mais complicada. Nesses casos, busco um refúgio, longe de casa, e foco exclusivamente na produção do texto, para evitar distrações. Em situações que o texto realmente trava, deixo o que produzi numa “gaveta”, faço uma leitura crítica de tudo o que escrevi e consigo retomar o fio da meada. Sim, há um medo permanente de não conseguir dar forma ao que imaginava, de não me aprofundar como gostaria em cada personagem. Creio que seja inerente a todo escritor.
Sobre a ansiedade em textos mais longos, cito meu próprio exemplo na produção de Lampião e Maria Bonita – Uma história de Amor e Balas. Ao longo da pesquisa, descobri que a maioria dos fatos acerca da dupla tinha várias versões. Não duas, ou três, mas várias. Essa foi uma grande trava na produção. No lugar de uma narrativa que buscasse a “verdade” absoluta, escolhi relativizar os eventos. Usei um conceito do filósofo alemão Hans Magnus Enzesnberger, que enfrentou um problema parecido em sua biografia do anarquista espanhol Buenaventura Durrutti. Ele criou o conceito de “ficção coletiva”, pela qual a vida de um grande personagem vai além de sua biografia. Também faz parte dela as histórias que se criaram sobre ele. Outra questão que enfrentei foram os testemunhos de sobreviventes do cangaço. Cada um deles tinha sua própria versão sobre os fatos, em geral se colocando num papel preponderante. Nesses casos, confrontava os testemunhos com fatos históricos. Um exemplo: a cangaceira Sila afirmou que viu lanternas da polícia enquanto fumava um cigarro com Maria Bonita na véspera da morte do casal em Angico. Pelo horário do movimento da tropa, seria impossível que ela tivesse visto as lanternas.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
A revisão é um processo permanente. A cada releitura (e é diária) acrescento e retiro trechos inteiros, mudo palavras, refaço conceitos. Dá muito mais trabalho, mas quando o texto é finalizado o processo de revisão é muito mais tranquilo. Também trabalho com caminhos alternativos, desenvolvo várias tramas até escolher a melhor. Sim, costumo mostrar o que produzo para outros escritores, de forma parcimoniosa. São poucas pessoas, de perfis muito diferentes. Em Lampião e Maria Bonita, por exemplo, uma amiga apontou alguns trechos que poderiam soar misóginos. Retrabalhei esses trechos.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Escrevo diretamente no computador, em Word, e uso o Excel como banco de dados. Tenho um moleskine para anotar ideias, que são passadas para o Excel assim que acesso o computador.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativo?
Há três blocos de onde tiro ideias: a vida cotidiana e suas memórias, leituras de ficção e de não ficção e a imprensa. Sou um leitor onívoro. A pesquisa de campo também ajuda muito. Não conseguiria escrever sobre o cangaço sem conhecer a caatinga e conversar com moradores do sertão nordestino, por exemplo.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesmo se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?
O que muda é o método. Meus primeiros textos eram oriundos de um fluxo de consciência. Hoje, aprendi que escrever é principalmente reescrever. E só se dar por satisfeito depois de muitas reescritas.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Na verdade, já comecei, mas o projeto vem sendo interrompido por outros compromissos profissionais. Estou escrevendo uma ficção sobre imigração e epidemias, que se desdobrará, no futuro, em uma visão sobre a história brasileira do século 20 desde um ponto de vista pessoal, no qual os protagonistas são pessoas comuns que sofrem os efeitos das grandes mudanças políticas e sociais pelas quais o país passou. Pretendo terminar o primeiro volume ainda em 2020.
O livro que gostaria de ler trata da conquista da Amazônia. Como foi a ocupação, desde os indígenas originais até o momento atual, de destruição acelerada. Uma obra que passa por civilizações perdidas, a viagem do espanhol Orellana, a fundação das cidades, como Belém (que visava proteger a entrada do rio Amazonas de forasteiros), a descoberta da borracha, a revolução do Acre, Chico Mendes…