Vivian Campos é escritora e comunicadora, autora de O Gato Comeu Sua Lua? (Madrepérola, 2016) e diretora e roteirista do curta-metragem Passo Cruzado (NTV Cine Video, 2018).
Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Eu honestamente tento dormir até o último minuto possível antes de sair de casa (o que acontece por volta das 7h40), vício adquirido em alguns anos de trabalho em horário comercial. Meu dia começa de verdade no escritório. Gosto de tomar café da manhã na minha sala, lendo as notícias do dia e os primeiros e-mails com a mesa cheia de farelos.
É um ritual que sinto não ter escolhido nem desenhado, mas que me traz certo conforto e faz com o que o dia não comece pegando “no tranco”.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
A escrita domina cerca de 70% do meu dia (ou mais), logo, eu não tenho muita escolha e nem sei dizer se possuo rituais. Escrevo no silêncio, na balbúrdia, no meio da tarde e no começo da madrugada. Gosto de me cercar de comida, água e café. Muitas vezes o fato de ter que pausar o trabalho faz com que eu perca linhas de raciocínio importantes.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Eu escrevo muito todos os dias. É frequente trabalhar em mais de um projeto, texto ou artigo simultaneamente. Minhas metas costumam ser semanais ou mensais, então gosto de trabalhar em produções diferentes ao mesmo tempo. Desta forma, sinto que nenhuma delas me “esgota”.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
Depende do tipo de escrita. De modo geral, tudo o que eu escrevo parte da forma com a qual eu lido com a literatura. Eu nunca escrevi “sob demanda” neste sentido e passei a identificar que o desejo de passar as coisas para o “papel” discorria de uma sobrecarga de informações, de uma colisão brusca entre ideias, sentimentos e referências. No ápice destes períodos de caos, sinto necessidade de dar estrutura às coisas, ou seja, escrever.
Creio ter me apropriado deste processo para a escrita acadêmica e empresarial (sou analista de comunicação de uma rede de franchising), sistematizando parte do processo. Nestes casos, elenco os temas chave, bebo de diversas fontes sobre os temas escolhidos, cruzo dados, até provocar uma espécie de “overdose”, fazendo anotações durante o trajeto. A principal diferença entre este processo e sua versão mais “espontânea” se dá quanto à finalidade e estabelecimento de objetivos após o “caos”.
Se para estas demandas é preciso ler muito, obter informações e fontes confiáveis, para a arte, sinto que é preciso estar verdadeiramente atenta aos detalhes, banalidades, rostos esquisitos, conversas de fila de banco. O cotidiano é um banquete para quem se interessa por ele. As pessoas, sobretudo, me encantam.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Escrever é uma das únicas coisas que consigo fazer a qualquer momento, mas tento respeitar períodos de “bloqueio” para evitar a procrastinação e a ansiedade (procuro me antecipar aos prazos para conseguir “respirar” durante o processo). Quando a coisa não está rolando, me dou um tempo, migro para outros afazeres sem culpa e retorno quando estou preparada. Sinto que estes períodos fazem com que as ideias “decantem” e se organizem. Essa ideia tem muito a ver com o meu processo, baseado em um ciclo interminável entre a tempestade e a calmaria. A tempestade é a pesquisa ou absorção de referências e emoções, sua colisão, o despertar das ideias. A calmaria é o momento de descansar, desencanar, muitas vezes, até dormir, para voltar com energia e sínteses mais maduras.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Geralmente, eu reviso cerca de duas vezes sozinha e peço a opinião de alguém de confiança (alguém que não minta para me agradar – risos). Mas esse processo vale mais para escrita acadêmica e projetos que envolvam empresas para as quais trabalho. Quanto à literatura, eu geralmente compartilho publicamente o que me dá vontade, sem muitos receios ou critérios. Não gosto de tratar desta área como compromisso, é o único momento no qual não preciso, necessariamente, buscar aprovação. Valorizo muito esta condição.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Gosto de rabiscar ideias no caderno, sim, mas confesso que na hora de produzir para valer, prefiro o computador. Minha geração cresceu no momento de transição entre as duas coisas, mas minha letra é horrível e, com frequência, se torna indecifrável mesmo para mim. Logo, a escolha é óbvia. (risos)
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativa?
Já me fizeram esta pergunta inúmeras vezes. “De onde saem as coisas que você escreve?” “Por que você escreve?” Bom, no final das contas, eu honestamente não sei. No íntimo, a escrita está mais para a minha forma de assimilar o mundo do que para “produção”. Não me sinto criativa, me sinto alguém que interage com o universo através da escrita. Cada um tem seus modos e acredito que este seja o meu.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesma se pudesse voltar à escrita de sua tese?
Eu não diria absolutamente nada e penso desta forma não somente com relação à escrita. O que está feito está feito e é parte de quem eu sou. Se estou perfeitamente satisfeita? Longe disso, mas não abriria mão de nada do que aprendi errando. Eu me deixaria escrever as mesmas redações sem pé nem cabeça, artigos pretensiosos e poemas piegas. Afinal, se não os tivesse feito antes, estaria fazendo agora. A gente precisa começar a reconhecer a recompensa no trajeto e não no destino.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Meu primeiro livro foi um projeto mais “pop”, eu ainda tinha muitas inseguranças quanto a este tipo de exposição. Gostaria de trabalhar em um projeto editorial mais íntimo, mais sério, me arriscar mais. Talvez ainda este ano.
Eu gostaria de ler todos os livros que ainda não li e que já existem, o desejo pelos inexistentes deve ficar para a próxima. (risos)