Vítor Teves é poeta e artista português.
Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
De momento, nesta fase da minha vida, tenho as manhãs para dormir, pelo menos até às 10h, às vezes um pouco mais tarde, sobretudo ao sábado e ao domingo. Dormir é fundamental. Adoro dormir, é o meu desligar por completo de tudo, é um exercício de apagamento total, e, parecendo que não, é importante para tudo o que faço. Fico na cama até tarde, como disse até às 10h/11h, porque trabalho sempre até às tantas da madrugada. A primeira coisa que faço pela manhã é tomar banho e, logo a seguir, comer alguma coisa. Depois tenho mesmo de sair de casa, ir ao café mais próximo. Tenho sempre a necessidade de sair de casa assim que acordo. Posso tomar café em casa, mas, logo de seguida, preciso de ver gente, andar na rua, ir comprar o pão, beber outro café e, se possível, ver o jornal do café. Sexta-feira é o meu dia preferido, isto porque sempre tive folga às sextas. Habituei-me a acordar cedo à sexta, a comprar o jornal e ir para o café. Detesto ter de acordar cedo, mesmo quando tenho de viajar ou fazer alguma coisa importante. O dia tem de começar depois das 10h, no mínimo, senão fico zombie o dia todo, e zombie, meio-morto não consigo fazer nada o dia todo, nem ler, nem desenhar, nem pintar, nada.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Eu gosto muito de escrever à noite. É quando me consigo concentrar. Gosto de escrever com a cidade em silêncio, com a noite a coroá-la, o seu sossego e silêncio é-me fundamental. Normalmente coincide, também, com o sossego cá em casa. Embora não havendo uma hora específica, diria que depois do jantar e pela noite dentro, até às 03h/04h, depende dos dias. Conforme o que estou a escrever, ou quero escrever, escolho a música que irei ouvir, alguma que me apeteça naquele momento. Assim, se quero escrever algo mais sério, algo que exija maior concentração, ouço Bach, John Cage (piano), Ravel, Morton Feldman, etc. Varia muito. Se, pelo contrário, quero escrever, ou desenhar, algo que exija maior expressividade opto por coisas mais “barulhentas”, que tanto podem ir de um Stravinsky/Schoënberg até alguma música Pop, uma Madonna ou uma Tina Turner, normalmente música da minha adolescência, os meus “guiltypleasures”. Se tivesse de escolher um ritual, diria que é o ouvir música, ela tem um papel muito importante em tudo aquilo que faço. Às vezes, sou capaz de ouvir apenas uma música ou composição durante a noite toda, sem nunca me fartar. Por vezes até mesmo a semana toda, sem me cansar. Cria-se, com a música, uma espécie de transe. Ela facilita-me divagar, discorrer. Só no dia seguinte é que vejo o que escrevi no dia anterior. E aí, já sem música, vou corrigindo, alternado algumas coisas. Eu acredito que todos os textos que se faz podem ser melhorados, idealmente a ideia de reescrita constante fascina-me, o ato de reescrever e apagar interessam-me muito. A escrita para mim é uma aprendizagem, um processo, tudo pode ser melhorado.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Eu normalmente escrevo todos os dias, às vezes apenas uma linha no meu diário, que pode ser apenas uma nota sobre alguma coisa que vi ou li. Se não escrevo palavras, desenho, o que para mim é o mesmo, é a mesma mão que “escreve” linhas. A escrita e o desenho são inseparáveis. Escrevo “coisas” sem importância todos os dias, notas e mais notas. Mas também pode acontecer sentar-me e escrever alguma coisa, um poema de jato, um pequeno texto concentrado do início ao fim. Falo da escrita criativa, livre. Se tiver alguma escrita ensaística para fazer, essa sai muito lentamente, é penosa. A não ser que esteja a ser pressionado para alguma entrega, aí a necessidade obriga a que seja o mais rápido possível, e aí, tudo vai de rasgão. Em ensaios, sou muito lento, estou sempre a reescrevê-lo. Escrever um ensaio exige mais atenção, cortes, reescritas, apagamentos, é mais desgastante e nunca fico contente com o resultado final, a verdade é essa mesmo. A minha meta ideal, seria escrever um poema por dia, mas nem sempre consigo. Às vezes levo dias sem escrever um poema e depois faço cinco ou seis num dia. Gosto da ideia de escrita diária, um fazer de mão, uma impulsividade que é preciso manter e valorizar. Por vezes saem coisas interessantes dessa impulsividade, outra vezes nem por isso. Mas nada que o caixote do lixo não aceite. A escrita, a literatura, é um processo contínuo, não a entendo como um encontro momentâneo e único. No fundo é aquela ideia, já muito batida, de que a escrita é um trabalho, e é-o de facto. Trabalho e muito prazer. Nos ensaios mais trabalho e menos prazer, na poesia mais prazer que trabalho, embora também exija trabalho. O ideal é sempre alguém ler um poema meu e achar que nada daquilo teve trabalho, quanto mais fluido melhor. Mas, eu pessoalmente, gosto imenso de poesia hermética. A minha, creio, balança entre as duas, a muito simples e a hermética. Nos últimos tempos tem sido muito clara, límpida; mas já estou a fazer coisas que espero serem as mais herméticas possíveis, vamos ver.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
O processo da escrita depende do que quero escrever. Se for um poema, ele nasce de prévias notas no papel, mais do que notas, de uma escrita prévia. Os poemas acabam sempre por ser a terceira ou quarta versão, às vezes mais. Se for um ensaio, demoro mais e tenho mais notas que organizar e compilar, é mais chato. A pesquisa para a escrita começa sempre pela leitura. Ler é fundamental, ler tudo e mais alguma coisa. Às vezes é na leitura de poemas de outros poetas que me vão surgindo as imagens para os meus poemas, ou para alguns desenhos. Às vezes é tão instantâneo que aproveito os espaços em branco do livro de poemas que estou a ler para escrever pequenos rascunhos que darão, mais tarde, origem a algum poema. Na brincadeira até digo: “não riscar os livros”. Mas a verdade é que os meus livros estão todos riscados, anotados, com datas, sublinhados, pequenos poemas. Quanto mais riscado, mais retirei do livro. E não se trata de copiar passagens ou ideias, trata-se, sim, de absorver emoções, sensações, impressões. Às vezes encontro pequenos poemas abandonados nas contracapas, poemas que os ignorei. Outras vezes, escolho o objeto sobre o qual quero escrever: uma pintura num livro, numa revista, uma foto de instagram que tirei há dias, um poema antigo de um poeta que quero reescrever paródicamente, uma memória, etc… e depois de escolhido esse objeto, sento-me ou deito-me na cama e faço variações com aquilo que vai surgindo.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Sobre as paragens na escrita, eu uso o desenho ou a pintura. Vou sempre alternando, quer no mesmo dia, quer na mesma semana ou mês. Uma ajuda a outra. Falo do agora, dos últimos dois anos, que tenho escrito muito mais intensamente. Demorei muito a entrar nesse processo de escrita no qual estou, de escrita e desenho diários. Gosto de pensar em Geoffrey Hill que durante nove anos ficou sem escrever e que depois escrevia um poema ou dois por dia. Eu acho que posso já estar nesta segunda fase. Antes escrevia um poema em meses, hoje faço cinco num dia. No meu caso tem haver com as condições que se reposicionaram nos últimos meses – tenho mais tempo para fazer o que gosto, isso é muito importante e, claro, estabilidade financeira e emocional. Tudo ajuda nesse sentido. Não sei quanto tempo vai durar esta situação, mas tenho aproveitado ao máximo. Sinto que não tenho parado. Talvez, agora se entenda a necessidade do sono referido em cima, da vontade de descansar a cabeça, é fundamental. Tenho escrito muito mais nestes últimos anos e tenho vindo a escrever cada vez melhor, e isso é bom. Mas tem sido uma descoberta e também um exercício de autovalorizarão pessoal, não no sentido de ganhar x ou y benefício material, mas, sim, em encontrar-me comigo mesmo. Ainda sou um jovem poeta-artista que está a encontrar-se. Não fundo nem gosto de dizer que sou poeta, acho demais, acaba por ser presunçoso, porque para todo o caso só publiquei um livro – “Lamarim”, editora Fresca, em 2019. Sou, sim, um artista-poeta, isso sou, é esta a fronteira que me interessa estar. Nunca serei um bardo, pelo menos antes dos 50 anos. Só tenho, neste momento, vontade de fazer o que gosto e, sempre que possível, irritar uns quantos portugueses conservadores que ainda sonham com a ditadura da rima e do plinto para a escultura. Não há pachorra. Quanto à procrastinação, eu acho que ela é essencial. Mas mais do que a procrastinação, eu diria a dispersão. E ela é importante, é essencial, pois é no caos que se habita que podemos criar algo diferente. Quanto a espectativas, tento superar as minhas, ou, pelo menos, tentar atingir as que eu próprio crio. Não tenho, propriamente ninguém para me exibir, não sinto que tenho que ir ao encontro de expectativas de ninguém. Não sinto isso, talvez porque tenho uns pais que sempre me apoiaram, um namorado que está sempre ao meu lado e alguns, poucos, bons amigos ao meu lado. A verdade é que tudo isso me chega. Estar na sombra é um sossego, posso fazer o que quero, pensar e ir atrás das minhas pesquisas. Mas também não nego, às vezes é frustrante não ter nem apoios, de qualquer ordem, e algum reconhecimento. Importante é não desistir, ir ao encontro do que sinto bem a fazer. Se tiver de desistir, não vejo isso como um castigo, tudo são fases. Hoje estou aqui, amanhã estou no meio do Atlântico apenas a ler e sem ninguém a me foder o juízo. No fundo essa última imagem seja um sonho: um farol à beira-mar, muitos livros e gatos e ninguém para me foder o miolo. Quem não? Acho que quem escreve, seja o que for, quer muito isso. Acho.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Eu sou um bocado distraído, às vezes, até demais. Se for um pequeno texto, é fácil rever na hora. Se é mais longo, demoro mais. Sinto a necessidade de rever muito o que escrevo. Sempre tive complexos com isso, até perceber que faz parte errar. Errar é humano e o erro faz parte da escrita. Escrever, a meu ver, não é só acertar com a palavra certa, afinal o que é uma palavra certa? Só na minha vida já assisti a diferentes grafias de uma única palavra, chateia, é verdade, mas faz parte. Importa é o que está para além dessa primeira camada. Não quero com isso dizer que tenhamos de escrever com erros ortográficos e sem regras, não. Quero apenas dizer que o espaço para o erro deve existir, não é o fim do fundo. Não era o Garcia Márquez que dava muitos erros ortográficos, e daí? Creio que passa pela formação e pela personalidade das pessoas. Gosto de pensar, em paralelo, no desenho. Num desenho nenhuma linha está errada, pelo menos no desenho que me interessa, todos os erros são parte integrante do desenho; na escrita devia ser o mesmo, talvez seja uma visão utópica que muitos dirão que é parvoíce. Talvez, só estou aqui a pensar. Isso tudo para dizer que tenho de rever muito aquilo que faço, porque sou, sempre fui, por natureza, distraído. Mas acredito que é esta distração que me permite fazer o que faço, escrever o que faço. No fundo, acredito que um distraído é uma pessoa muito atenta, atenta a coisas que outras pessoas estão distraídas. No fundo somos todos distraídos. Em alguns poemas introduzi o erro ortográfico de prepósito para chamar à atenção de que não somos máquinas, que o ser humano não pode fugir à sua condição. Negar o erro, qualquer erro, é um erro, porque não somos máquinas, temos, sim, falhas. E tem de haver espaço para o erro, no fundo o erro está próximo da tolerância, qualquer que seja. Quanto menos tolerantes formos ao erro, menos somos a tudo o resto. Há nisso tudo uma crítica ao capitalismo nos moldes que é praticado. Tudo o que tenho feito, tem sido uma reação a essa visão capitalista, que nos está a levar a um ponto sem retorno enquanto espécie num planeta ameaçado. A única pessoa com a qual vou partilhando textos e ideias, é com a minha querida amiga Tatiana Faia, de um espírito de abertura e empatia para com os outros que não vejo em muitos meus colegas. Troco ideias com ela, às vezes trocamos poemas e é, nesse nosso caso, estimulante, para os dois creio. Tirando isso, não o faço com mais ninguém, talvez apenas, um ou outro, com o Daniel, meu namorado. Não mais que isso.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Sou péssimo com tecnologia. Estou sempre a mudar de telemóvel, sempre a partir os ecrãs, e no computador é praticamente o básico do básico. Os poemas começam todos pelo papel, muitas vezes, três, quatro, cinco versões e só depois passo para o computador. O computador serve para passar a limpo o poema, basicamente é isso. Se estiver a escrever algum texto mais longo, aí faço-o no computador. Nunca me interessou a tecnologia e uso apenas o básico. Gosto, como artista, muito de papel e lápis, de poder riscar no papel, seja papel para desenhar, seja os livros em papel. Talvez porque tenho essa forte ligação com o desenho. Como disse em cima, o desenho e a escrita são indissociáveis. Os meus trabalhos plásticos são todos, ou quase todos, resistência à tecnologia. Quero a linha tosca, a linha mal feita, quero o registo da mão, não quero que a tecnologia apague esses erros, esses meus gestos genuínos, humanos. Ao dizer isso, também não quero dar a ideia de que sou contra as novas formas de expressão artísticas que usam o computador, nada disso. Sou capaz de ver e valorizar. O que critico é reduzirmos toda a plástica artística ao uso do computador. Tem de haver um equilíbrio e espaço para as duas formas: a plástica que usa a tecnologia (há coisas fabulosas que eu nunca serei capaz de fazer, porque não tenho domínio sobre ela) e a outra, a que usa todo os gestos da mão. Insistir no gesto da mão é um ato de resistência. Creio que a proliferação de uma nova pintura no início do século XXI, abstrata ou híbrida, tem muito haver com essa necessidade de os artistas se imporem como seres que usam a mão, a sua identidade, o seu pulso vital.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativo?
As minhas ideias surgem de todo o lado. Dos poemas que leio, de notícias de jornais, imagens, muita pintura, conversas de amigos, memórias, cinema…. Tudo o que me rodeia ajuda. Por isso é que fundamental viver num caos constante e numa espécie de procrastinação, uma falsa procrastinação, digo falsa porque no fundo estou sempre a criar alguma coisa, estou sempre a pensar, a escrever mentalmente coisas. O próprio pensar sobre alguma coisa é fundamental. Às vezes sonho com desenhos que ainda não fiz ou poemas que ainda não têm forma acabada, e vou, muito lentamente, pensando naquilo que me foi surgindo. Dizer que sonho com poemas não faz de mim nenhum surrealista, atenção, não há nada em mim de surrealismo, nunca gostei de surrealismo, nem mesmo na pintura. Por vezes, um pequeno poema, o mais simples possível, é reflexo de muitas coisas que fui vendo e sentido. Tudo é construção e pensamento, sentimentos e emoções. Às vezes, também, muita indignação, sobretudo contra injustiças, snobismos e preconceitos tão entranhados, quer em Portugal, quer no mundo. Para me manter criativo, faço de tudo um pouco. Em tempos dizia que queria ser esponja, e no fundo é mesmo verdade. Tudo é importante, tudo é interessante, tudo permite criar outra coisa, tudo leva a outra coisa. Há uma rede interminável e infinita que podemos observar e fazer, isso é que me encanta. Leio muito, vejo muito cinema, ouço muita música, vejo imensa pintura. Tento estar mergulhado nas artes de manhã à noite, é um facto. Não por obrigação, mas por puro prazer de estar vivo. Sempre foi assim, sempre fui assim. É essencial ir aos museus, às galerias, ir ao cinema e estar em contacto com amigos via facebook. Não tenho muitos amigos, é um facto, nem é preciso, mas valorizo os que tenho. Preciso para estimularem a minha criatividade. Por vezes, uma conversa com um amigo origina mil coisas: um poema, um caderno de desenhos (com uma ideia específica), um quadro, um desenho… depende. A interação com as pessoas é essencial, mas ao mesmo tempo, tenho de admitir, não tenho vontade de estar com pessoas que me fazem perder o meu tempo com coisas inúteis. E não tolero deslealdade, intrigas, rancores. No fundo gosto imenso o das coisas mais simples da vida: uma boa conversa, rir, comer entre amigos. Para mim um poeta, tem de ser obrigatoriamente um ser vivo sensível aos homens e aos problemas que lhe cercam, mesmo que seja um rato de biblioteca (que sou), tem de ter esse outro lado, o lado da empatia com os sofrimentos dos outros, deve, sempre que possível, ajudar o outro. É a minha visão da poesia.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesmo se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?
O que mudou foi que estou mais focado naquilo que faço. Sempre fui muito inseguro, hoje já não tanto, mas ainda o sou. Estou sempre em dúvida, em parte porque estou sempre sozinho, mas a verdade, bem sei, é que no fundo todos os criadores estão sozinhos. Ser poeta e artista não é algo bem visto. Para os poetas, sou artista. Para os artistas, sou poeta. Acabo por ser sempre um anticorpo algures entre artistas e poetas. Há poetas maravilhosos que me entendem e me aceitam, mesmo sem me perceberem; mas também há aqueles mais conservadores que negam o que faço, os que olham de soslaio. Quanto aos artistas plásticos, os que conheço muitas vezes têm maior abertura, são sempre mais curiosos com o que faço. Mas também há aqueles que acham que não faço nada de interessante, porque não me limito a desenhar quadrados neoconceptuais ou a desenhar guardanapos. Não me interessa “copiar” artistas dos anos 60 e 70. Eu, ao dizer isto, quase parece que nego esses artistas de 60 e 70, não, não é isso. Alguns deles gosto imenso – Carl Andre, Donald Judd, Flavin, Frank Stella – o que eu critico é a repetição de ideias sem qualquer originalidade, um copiar por copiar. Uma obra poética ou artística tem de ter força interior e não ser mera cópia, caso contrário, tudo é vazio, oco. E ver um trabalho oco é fácil, sobretudo quem tem o olho muito treinado. Uma das críticas que me fazem sobre o que escrevo é que não há som, encantamento, melodia… ora, se há coisa que não me interessa “absolutamente nada” é encontrar rimas e jogos sonoros. A minha poesia é uma poesia da imagem, do jogo cerebral, da descoberta, alguma do enigma. Mas queria que ela fosse entendida como uma poesia da metamorfose, é por isso que estou constantemente a mudar e a explorar novas possibilidades. Há coisas que não resultaram muito bem, outras sim. Tudo acaba por ser tentativa e erro, é uma procura, no fundo é pesquisa, uma pesquisa séria. Pesquisa que vai de manhã à noite, dia após dia e sem parar. E no final, aparece-me uma Dona Olga qualquer, amante de hortências e de Fernando Pessoa (pois só leu Pessoa) e diz que tudo o que faço “é uma merda”. O que é que apetece fazer? Uma tarte na cara, não? xD Enfim, gente idiota haverá sempre, aqui e em qualquer lugar. Mais do que idiota, gente sem sensibilidade para ver ou procurar entender.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Eu tenho uma ideia que comecei e nunca terminei. Chama-se “Divino Sétimo verso”. Consiste em pegar nos versos da “Divina Comédia”, sete em sete, e desenhá-los. Ou seja, o primeiro sétimo verso é o: “tão amarga é, que um pouco mais é morte” (na tradução do poeta Vasco Graça Moura). O primeiro desenho para este primeiro sétimo verso já está feito, mas tenho de o refazer. Foi feito em 2014, está na minha sala, ao lado de uma gruta de Leonardo da vinci e de um verso de Séferis. Estou como se pode ver, há 8 anos a adiar este projeto, o “Divino sétimo verso”. Quero de sete em sete percorrer a Divina Comédia e desenhar esses versos, não se trata de desenhar as imagens da Divina Comédia, mas, sim, apenas o verso. Haverá versos que poderão trazer mensagens estranhas, sem pouca importância, mas haverá outros com enorme carga simbólica. O primeiro “sétimo divino verso”, esse já referido em cima, é absolutamente genial, diz imenso da condição de português em plena crise económica, altura que o primeiro “Divino sétimo verso”. Se alguém quiser fazer isso, esteja à vontade, não me sentirei incomodado. Pois sei que quando o fizer, o resultado será sempre diferente. Outra ideia, que espero vir a ser um livro, um dia, é fazer um livro apenas com poemas ecfrásticos, todos a partir de pintura abstrata, para contrarias as cronologias ecfrásticas e os “bonequinhos” à volta da pintura. Este tem o nome de “Hieria” e está a ser feito aos poucos. As pinturas selecionadas não estarão no livro porque quero que o leitor não percebo “nada”.O leitor é que tem de ir à procura das pinturas e sentido das obras. Claro que muitos não terão essa paciência, mas esses leitores também não me interessam. Interessa-me sim o leitor que não se deixa adormecer. Veremos o que sai. Se nunca vier à luz do dia, não faz mal. Não sofro com essas coisas, no fundo sei que “nada tem importância”, a vida é uma passagem. A ideia de passagem está muito presente no que faço, faço constantemente passagens de linguagens, artes, para outras linguagens, artes. Faço apenas o que gosto e chega-me. Dou a coroa de louros aos mais ambiciosos de livre vontade, àqueles que se matam para aparecer na revista X e Y ou irem ao programa de leituras publicas para divertir, feito bobos, os betos das letras. Não me fodam é a cabeça. Vamos todos para o mesmo buraco. A glória pertence ao tempo, e só a ele, por isso não me maço.