Vitor Soares é poeta, autor do livro Vultos, ventos (no prelo).
Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Tenho uma rotina matinal mais em decorrência da graduação do que de outra coisa. Costumo acordar às 5h30, tomar um café rápido e sair de casa. Nos dias em que não tenho maiores compromissos durmo mais, porém acordar cedo ainda se faz um ritual necessário: é o que me dá o start.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Definitivamente produzo melhor pela manhã. É quando estou mais disposto e de cabeça mais tranquila. A passagem do dia acumula preocupações e ansiedades que me atrapalham a escrita. Eventualmente consigo escrever à tarde e à noite, mas são exceções. Sou alguém bastante diurno, tenho épocas em que essa disposição se desloca para outros horários, mas é ocasional.
Não tenho nenhum ritual indispensável para escrever, mas gosto de lugares ensolarados e frequentemente ouço música para me concentrar. Aliás, isso é algo que vai além da concentração: ainda que não seja vital, a música possibilita um descolamento do meu entorno que pode ser muito simpático à escrita poética, o que não me parece coincidência, já que as duas formas de expressão se irmanam desde o surgimento.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Tenho longos períodos de pouca produção, que aproveito para a pesquisa e a leitura, principalmente de poesia. Nesse tempo não adianta insistir, não produzo tão bem, e por isso mesmo aproveito para me preparar para os próximos períodos férteis. Acabo tendo períodos esparsos de produção intensa e proveitosa.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
Costumo partir de um efeito que deseje produzir ou de uma imagem que queira evocar. Meu esforço, então, é o de construir o texto de modo a realizar essa imagem, tentando me valer só dos recursos necessários, sem que sobrem adjetivos ou advérbios, sem que permaneçam palavras sem função. O que dificilmente acontece, já que, na prática, esse é um exercício bem complexo. E mesmo quando sinto que cumpri essa tarefa, raramente o poema sai como eu planejei. Na verdade, acredito que é sempre melhor quando ele não sai o esperado. Nessas horas, sinto que o exercício rigoroso demais atrapalha. Depois de pronto, o poema é algo por si só, uma força maior do que eu.
No fim das contas, me parece mesmo que o processo de criação precisa ser um embate, um processo em que a vontade do autor se choca com os desígnios próprios da palavra – e é só quando isso fica claro que, penso eu, o poeta é capaz de obra relevante. O que me recorda a lição de Octavio Paz: ao poeta caberia servir às palavras, não o contrário. Enfim, nem tanto ao céu, nem tanto ao mar.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
É uma angústia constante o desejo de corresponder às expectativas (antes de tudo, as minhas). No entanto, elas não podem se interpor à criação e isso precisa estar claro. Tento não me exasperar quando algo trava a escrita e procuro deixar que a poesia tome seu tempo para decantar, porque afinal, como já me fez atentar um amigo poeta, as prerrogativas da lírica não são as mesmas da épica e, por isso, dificilmente será vantajoso forçar o processo criativo. Contudo, a reflexão sobre a poesia se faz constante e obsessiva. Mesmo nos períodos mais áridos meu pensamento não foge à poesia. É como uma segunda natureza. Penso que isso seja o mais importante.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Nunca estipulei um número de vezes, mas considero a revisão um momento importante da escrita. É quando vêm as soluções inesperadas, as alternativas que não enxergamos no ímpeto criativo. É um momento indispensável e é quando colocamos à prova a qualidade do que escrevemos: nesse estágio muita coisa é rejeitada ou arquivada. É o mínimo de critério que procuro me impor antes da publicação. Ainda assim, considero valioso submeter o texto a leitores da minha confiança, que podem salientar peculiaridades que a mim inevitavelmente escapariam. Esse é um exercício importante de embate, em que tenho a chance de verificar se minhas escolhas estão bem fundamentadas, se elas se sustentam sozinhas. Em outras palavras, se o poema funciona.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Meus rascunhos são sempre feitos à mão. Tenho alguns cadernos especialmente para isso, onde concentro meus estudos, testando livremente. Enquanto não extrapolam esses cadernos, todos os escritos não passam de exercícios, matéria mais ou menos bruta. Em geral é quando passam para a tela do computador que começam a se delinear como poemas, passando por mais revisões quanto forem necessárias e eventualmente sendo encaminhados para um primeiro leitor. Isso se justifica pela praticidade da tecnologia: trabalhar o texto, deslocar versos, trocar palavras e compartilhar com alguém fica muito mais simples. Sem falar do considerável número de revistas e projetos literários de qualidade em circulação na rede, entre os quais a Lavoura e a revista gueto, onde já publiquei alguns dos meus poemas.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativo?
Minhas ideias vêm basicamente das leituras que faço, mas também podem partir de um relance, de um instante que mobilize meus sentidos ou de uma conversa. Meu hábito para me manter tão criativo quanto possível é a leitura incessante e os olhos atentos para o que acontece ao meu redor – desde a luz do sol refletindo numa superfície até a caminhada de um cachorro na rua, tudo pode ser um gatilho.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesmo se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?
Se pudesse voltar à escrita dos meus primeiros textos me diria para ter paciência e os pés no chão, que contivesse o ímpeto de publicar a qualquer custo e com pouco esforço, diria que o tempo e o silêncio são necessários para a poesia. Apresentaria o exemplo de Borges, que se orgulhava mais dos livros que leu do que daqueles que escreveu. Diria para ler, ler muito, incansavelmente. Penso que essa foi a grande mudança no meu processo de criação ao longo dos anos: o amadurecimento do olhar, da exigência artística; a consciência de que inspiração nenhuma faz literatura sozinha e que, pelo contrário, escrever bem exige sua cota de esforço e desdobramento sobre a matéria literária.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Projetos estão sempre brotando e desaparecendo dentro de mim, acho que estou sempre nesse estado de iminência, de um quase lá. Mais do que começar, eu gostaria mesmo é de não parar, de me manter em movimento, produzindo. E o livro que eu gostaria de ler é um que está sempre escorregando pelas minhas mãos, sempre mudando de pele, às vezes se disfarçando de outro livro numa prateleira qualquer. Pronunciá-lo seria destruí-lo.