Vitor Resquin é poeta, autor de “Naufragar como verbo”.
Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
O dia só começa depois de uma pequena dose de café, esse é o único compromisso que tenho comigo. Gosto de acordar e ficar deitado alguns minutos, vivenciando aquele lugar entre sonho e realidade, o corpo ainda dormente e a cabeça processando informações do inconsciente. Parece que são vários framesda minha vida em uma pequena rotação de segundos: memórias da infância, paisagens naturais – de florestas, prados e veredas – atrelados à algum passado. É nesse momento em que defino a toada do dia.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Às vezes, tenho a sensação que só desperto depois das três ou quatro da tarde – quando o sol já está fazendo carinho na pele da gente – esse é o melhor horário, não só para trabalhar, mas para viver também. Geralmente escrevo enquanto caminho, faço longas caminhadas diárias, o máximo de percursos que consigo fazer sem utilizar meios de transporte é a minha primeira opção. Nesses momentos parece que meu corpo consegue criar um fluxo de pensamentos ou o fluxo de pensamentos se define pelo movimento do corpo, não sei ao certo, é uma espécie de simbiose entre consciência e instinto. Ver a cidade em movimento, os faróis dos carros em feixes de luz, as árvores se movendo no vento, as pessoas conversando, são sensações que me fazem reconhecer a vida ao meu redor.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
É relativo, já passei longos períodos sem escrever, como também já escrevi diversos textos em um período de hora. Não me obrigo a escrever, vou guardando versos, informações, imagens e palavras na cabeça e, aos poucos, tentando compor um texto mental, quando vejo que cheguei em um limite – quando o poema está “atrapalhando” meu pensamento – apoio o papel em uma parede, uma bancada ou o bloco de notas do celular mesmo, e dou forma ao pensamento.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
Tenho uma certa fixação por palavras novas e descrições da natureza em livros de biologia, geografia e mitologias, nesse caso sempre existe “um ponto de partida”. Se ainda não formulei um ponto de partida então ainda não é a hora de falar sobre aquilo.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Não lido, o processo de escrita é conjunto, não tenho como mapear ou dimensionar todas as pessoas que vão acessar os textos. A única coisa que tenho em mãos é vontade de servir ou de ser sincero perante algum fato ou acontecimento. Existem sensações-momentos que não deveríamos guardar para nós. Tenho em mente que controlo uma parcela muito pequena de tudo que acontece à minha volta, desde o trabalho à relações afetivas, quase nada depende da nossa autossuficiência, então faço a parcela que me cabe, a outra metade é o universo, a sociedade e as pessoas em geral.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Antigamente eu considerava que um texto escrito não deveria ser modificado porque perderia sua “essência”, mas com o passar dos anos essa ideia caiu por terra, diariamente revejo meus textos, sento com amigos no bar para trocarmos experiências, textos e crescimentos pessoais/espirituais, assim consigo ver o que faço em terceira pessoa sabe? Uma sensação de ser espectador do que se vive e encontrar pontos-cegos ainda não descobertos.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Minha relação com a tecnologia é estritamente musical, gosto de me manter “atualizado” em novos artistas de jazz, r&b, soul, bolero, música folclórica e rap, então, basicamente, passo boa parte do dia (na medida do possível) em redes de streaming como Soundcloud, Spotify ou Youtube. Na escrita, utilizo o bloco de notas do celular, infelizmente a velocidade dos dedos nas teclas touch são mais rápidas que a caneta no papel e perder pensamentos já tem se tornado um costume, evito dar sorte ao azar.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativo?
Tudo que me toca os sentidos (visão, olfato, paladar, audição, o tato e a intuição) me instiga. Desde à infância passo muito tempo no terreiro e na casa de meus avós. Acredito que essas são as coisas que mantém meus olhos atentos. Minha avó sempre foi uma ótima contadora de histórias, desde a mitologia dos orixás, ao seu passado no sertão de Minas, às histórias do meu avô imigrante paraguaio até a criação do mundo e o funcionamento das plantas. E o terreiro vem como a extensão desse processo, conhecer caboclos, exus e preto-velhos e acessarmos a dimensão subjetiva de suas histórias metaforizadas, transforma nossa perspectiva para com o mundo. Acho que esses são os dois fatores de formação mais presentes, tudo nasce daí, gostos musicais, cheiros específicos, sonhos e paisagens.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesmo se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?
A escrita me trouxe algo que ainda não tinha vivenciado: me ver como sujeito-histórico do mundo e de mim, compreender como processo informações, como decodifico códigos e traumas e como tudo é mutável. A escrita é a melhor maneira de perceber os contrastes do tempo e as marcas que ele causa, como fotografias. Se eu pudesse voltar acredito que não diria nada, só daria risada daquele menino e o abraçaria, existia muito sentimento ali e a sede de conhecer o mundo. Até porque se eu dissesse algo para a criança do passado, ela faria tudo ao contrário só pela vontade de inverter a lógica. (risos)
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Eu tenho muita vontade de fazer um curta-metragem, dar uma identidade visual para todos os processos escritos – não que seja uma meta mas ainda espero chegar lá -. Teria que achar uma brecha no sistema (risos). Essas coisas envolvem muitos editais, patrocínios e dinheiro, eu não tenho muito saco para o processo. Queria chegar lá, e sei lá, numa vila de pescadores e fazer uma filmagem de uma pescaria com redes e arpões em alto-mar.
Um livro que eu gostaria de ler e ainda não existe? Com certeza, mais algum de Jorge Amado (se possível fosse), sobre os marginalizados de sua terra, sobre a poética dos manguezais: o encontro do rio com o mar, algo no teor de Cacau e Suor.