Vitor Miranda é escritor, autor de “A moça caminha alada sobre as pedras de Paraty”.

Como você organiza sua semana de trabalho? Você prefere ter vários projetos acontecendo ao mesmo tempo?
Eu não organizo. Sou uma pessoa com horários desorganizados. Quando tenho fome como, quando tenho sede bebo, quando tenho vontade de escrever escrevo e assim a vida vai. Mas esse ano decidi que só vou trabalhar durante a semana. O sistema tornou o tempo completo por trabalho. alguém precisa lutar pelo fim de semana de volta.
Quanto aos projetos eles vão acontecendo. Eu não escolho. Posso focar num romance que estou escrevendo, mas enquanto isso é impossível conter os espantos que ocasionam em poemas e os poemas vão nascendo e preenchendo o tema daquele agrupamento de poemas que você separou num arquivo de word, ao mesmo tempo precisa fazer algo pra levantar um troco e não ir parar na rua e os projeto contínuos como a Banda da Portaria e o Margaridáridas, que são dois projetos musicais que estão vivos e continuam sempre a florescer. Daí me canso das palavras e pego minha câmera e fotografo a luz que transpassa as folhas ou o vômito de uma pessoa em situação de rua e percebemos que a vida é isso aí mesmo: a realidade.
Ao dar início a um novo projeto, você planeja tudo antes ou apenas deixa fluir? Qual o mais difícil, escrever a primeira ou a última frase?
Às vezes a última frase nasce primeiro e vice e versa. A primeira e a última frase precisam ser cirúrgicas. Como o primeiro e o último verso de um poema. Elxs vão fazer os leitores se interessarem em ler e também fazê-lxs lembrar. Mas entre o início e o fim há todo um caminho a se percorrer. É a vida, digamos assim. Nem tudo sai como o planejado e a vida nos pede constantemente para improvisar. É um teatro. O teatro é uma arte da verdade. A gente precisa olhar, ouvir e acreditar. É como sentar na frente de uma pessoa e perguntar “qual é? você me ama?”. A gente precisa ler e acreditar. A gente precisa viver e na última frase dizer que aquilo tudo foi pra valer.
Você segue uma rotina quando está escrevendo um livro? Você precisa de silêncio e um ambiente em particular para escrever?
Eu preciso que a internet caia. Preciso que a possibilidade de praticar o ato sexual desapareça. Preciso que o vizinho pare com a reforma. Preciso estar com raiva do mundo. Preciso querer me vingar dessa coisa chata e repetitiva que é a vida.
Você desenvolveu técnicas para lidar com a procrastinação? O que você faz quando se sente travado?
Não… eu gosto de procrastinar. É uma boa técnica. Esperar…
Qual dos seus textos deu mais trabalho para ser escrito? E qual você mais se orgulha de ter feito?
A moça caminha alada sobre as pedras de Paraty é o meu primeiro romance ou espécie de, que levei aí cerca de dois anos ou um pouco mais para escrever e romance dá trabalho. Revisitar a vida inteira da obra a toda vez que vai continuar. Dói. São emoções que você foi jogando fora e de repente precisa reler incontáveis vezes e reescrever, reescrever. E tenho muito orgulho desse livro. É um livro que representa o tempo e a sociedade que vivo. Das relações, a política e a própria estética nos leva pra linguagem virtual da aceleração do tempo, do fim dos percursos. A vida tem pressa. O livro corre feito a gente, mas na pressa é sempre preciso refazer o processo da leitura.
Como você escolhe os temas para seus livros? Você mantém um leitor ideal em mente enquanto escreve?
Eu não sei se escolho ou se são os temas que me escolhem. Eu escrevo sobre a vida. talvez seja o único tema. A relação das pessoas com sua própria vida e a vida dos outros. Escrevo sobre as coisas que vejo e que acontecem comigo. Sou um autor sincero. Minha vida é totalmente coerente com a minha obra. Por isso meus personagens são pessoas boas e cruéis, boas praças e canalhas. São pessoas. O mundo anda chato porque não existem mais pessoas em toda a complexidade do que é ser pessoa. Ou a pessoa se orgulha em ser tudo aquilo que não presta ou a pessoa quer se mostrar sendo um ser perfeito. Eu tô cansado disso. Esse tipo de gente só se fode nos meus contos. Não quero elas perto de mim. Elas não me servem pra nada.
Em que ponto você se sente à vontade para mostrar seus rascunhos para outras pessoas? Quem são as primeiras pessoas a ler seus manuscritos antes de eles seguirem para publicação?
Bom, contos e poemas eu compartilho com todxs nas redes sociais. Quando vira livro eu já não tenho necessidade de saber opiniões. Já os romances que são obras totalmente inéditas eu costumo mostrar pra alguma pessoa que tem relação com a obra ou que está muito próxima a mim nessa época em questão. As incertezas são sérias quando se termina um livro. a gente fica com medo. Afinal de contas depois de publicado já era. São árvores derrubadas, é tinta e pro mercado é custo, é dinheiro. Não tem jeito. É preciso ter certeza.
Você lembra do momento em que decidiu se dedicar à escrita? O que você gostaria de ter ouvido quando começou e ninguém te contou?
Lembro. Foi numa terapia e ser escritor / poeta não era meu principal ofício. Mas na terapia, chamada Tatadrama, uma técnica criada por Elisete Leite Garcia, pude decidir os cinco principais papéis que eu exerço na sociedade para depois comparar esses papéis com o meu sonho. Escritor acabou ficando em primeiro. E foi de Elisete que ouvi uma questão que constantemente ecoa: qual o seu sonho? Gostaria que ela perguntasse isso de novo pra mim.
Que dificuldades você encontrou para desenvolver um estilo próprio? Algum autor influenciou você mais do que outros?
As influências é o pior desafio para desenvolver nosso próprio estilo. Eu acredito que cheguei depois de muita prática e de experimentar bastante. Depois precisamos ultrapassar o desafio de sermos a nossa própria influência e isso é constante até o fim.
O último que me influencio de me deixar muito pensativo sobre o que é escrever foi o Raduan Nassar. Ele é foda!
Que livro você mais tem recomendado para as outras pessoas?
O meu. Tenho que pagar as contas: A moça caminha alada sobre as pedras de Paraty.