Vítor Guima é escritor, compositor e cineasta, autor de “A Morte da Graça no Baile dos Erros” (Urutau, 2020).
Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Independente do dia eu sempre começo minha manhã com um café. Essa é minha única rotina matinal.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Para mim as manhãs são o melhor momento, porém com o trabalho é impossível escrever nesse horário. Aprendi, com isso, a usar mais as noites. Meu primeiro livro que será lançado neste ano pela Editora Urutau foi escrito majoritariamente a noite – especialmente as partes mais novas e as edições, entre às 18 e 23h, meia-noite. Aguardo ansiosamente o dia em que poderei acordar 6:30 da manhã para tomar um café e pouco depois já estarei sentado no escritório ou estúdio para escrever. Passar as primeiras horas da manhã com novos poemas ou procurando alguns caminhos no piano. (Não custa sonhar, não é?) Quanto a me preparar para a escrita, eu sempre carrego comigo algum caderno de anotações, gravo algumas cantaroladas no celular para não perder nenhuma ideia, creio que essa é também uma espécie de preparação. E quando me debruço para escrever seja uma canção, um texto ou um roteiro, eu só procuro estar sozinho e em algum lugar sem grandes interferências.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Em períodos concentrados. O principal, para mim, é estar aberto às inspirações. Por isso sempre carrego o caderno comigo ou anoto no celular mesmo. É importante guardar algumas imagens poéticas, alguns fragmentos que acabam chegando ao acaso para depois trabalhá-los melhor. Nesses períodos mais concentrados eu estipulo, sim, algumas metas.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
Meu processo é primeiro estar aberto a esses fragmentos ou imagens, depois me debruçar sobre aquilo e tentar desenvolver. Por essa facilidade que a internet proporciona, eu não me movo diretamente da pesquisa para a escrita nessa ordem. Esses períodos se misturam durante o processo de criação.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Eu nunca fui um procrastinador. Na verdade, sempre fui bem disciplinado nesse sentido. Também, os anos de jornalismo foram ótimos para me dar um certo ritmo de escrita que era necessário para entregar os textos no prazo e eu sinto que adaptei com relativo sucesso essa disciplina para meus processos criativos. Quanto às expectativas e à ansiedade, foi uma longa jornada até eu me recusar a ser meu pior inimigo, sabe? Eu não me censuro, não fico horas encarando a página em branco com medo de colocar alguma coisa ali que não seja boa o suficiente. Eu escrevo e reescrevo, reescrevo o que foi reescrito, divido em pedaços, retalho e transformo esses pedaços em algo novo até achar que aquilo tem valor para o que estou tentando fazer – ou finalmente jogá-lo fora. Na questão dos projetos longos, por ter estudado cinema eu vi o quanto tempo algumas obras demoram a serem feitas. Nesse sentido também busco ter uma certa calma. Dos primeiros esboços até a publicação que será feita neste ano o meu livro demorou 7 anos para ser feito, o curta-metragem que comecei a escrever em 2016 começou a ser inscrito em festivais só agora em 2020 e algumas canções que lancei no meu primeiro álbum em 2019 foram escritas anos e anos antes. Durante muito tempo eu me martirizei com o tempo que as coisas levam mas entendi que algumas delas simplesmente levam tempo. E, ao menos para mim, se essa demora não tiver sido por puro desleixo ou desmedida procrastinação, eu aceito que as coisas tenham seu tempo para amadurecer, maturar e assim por diante até serem lançadas.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Reviso incontáveis vezes. E depois mais incontáveis vezes de novo. E toda vez que os leio depois eu quero mudar alguma coisa. E não é sempre que costumo mostrá-las para outras pessoas.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Eu tenho uma boa relação com a tecnologia. Por poder registrar algo no celular em qualquer lugar, ter acesso a obras e artistas que seria muito mais difícil encontrar há algumas décadas, eu a acho majoritariamente positiva. No meu caso os primeiros rascunhos são à mão e antigamente eram feitas em uma máquina de escrever que eu usava lá em São Paulo. Adorava o ritmo e o barulho do bater das teclas nela. Porém a finalização sempre foi feita no computador.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativo?
Ainda um pouco no âmbito da tecnologia, é muito difícil não se perder com tantas opções e informações. Eu procuro estar sempre aberto a inspirações e para mim isso é o principal. Outro dia estava vendo um filme e no meio dele pensei em um riff de guitarra por algum motivo. Pausei rapidamente e registrei aquilo no celular para não perder. Foi sentado em um restaurante, almoçando sozinho, que surgiram os primeiros fragmentos do poema “Yumi”, também. Eu tento, principalmente, nunca deixar esses pequenos momentos e fragmentos escaparem porque nunca se sabe o que eles podem se tornar.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesmo se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?
Com a prática o ato de escrever se tornou algo muito mais fácil e menos torturante. Se tornou algo mais fluido e sem amarras do que era antes. Não que às vezes as coisas que coloco no papel não sejam absolutamente difíceis de lidar ou expressar, mas o ato de escrever em si se tornou algo que eu acho até mais prazeroso. Se eu pudesse voltar aos primeiros textos eu diria a mim para não desistir. Para não deixar o violão virar um apoio de roupas jogadas ou a máquina de escrever ficar empoeirada. Algumas obras levam tanto tempo para se concretizar que é preciso saber que vale a pena se dedicar a elas por mais tempo.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Uma vez li que a Jeanne-Claude (artista visual) diz que artistas não se aposentam, eles simplesmente morrem. Eu me identifiquei com esse pensamento – mesmo não o considerando uma regra. Existem vários filmes, várias canções e vários livros que ainda quero escrever… Acima de tudo, eu espero sempre ter essa vontade que tenho de continuar com eles. Depois de um poema buscar o próximo poema, depois de um filme buscar o próximo filme, depois de uma canção buscar a próxima canção, até o dia em que eu não estiver mais por aqui.