Virna Teixeira é escritora, editora e tradutora, autora de Suite 136.
Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Há períodos que tenho, outros não. Sou médica e trabalho através de agências na Inglaterra, em posições temporárias, ou locum posts. Gosto desta flexibilidade, pois me permite trabalhar por períodos de poucos meses, ou fazer noites de plantão, e ter pausas para escrever e viajar, além de me proporcionar uma certa condição financeira.
No momento estou fazendo uma pausa do trabalho para terminar alguns projetos. Tenho uma pequena editora, Carnaval Press, e acabo de terminar o projeto gráfico e editorial de uma revista bilíngue online, Theodora, que me tomou alguns meses. Sento em frente ao computador depois que minha filha vai para a escola, respondo e-mails, posto em redes sociais, e trabalho pela manhã e durante à tarde. Também tenho feito exercício físico com frequência. Melhora a disposição e a concentração mental.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Trabalho melhor à noite, e ainda funciona bem assim se estou fora de casa numa noite calma de plantão, mas tive que me acostumar a trabalhar durante o dia. Quando você tem criança é difícil, há a rotina da casa no dia seguinte. Gosto de escrever no meu quarto, sozinha, em silêncio, faço pequenas interrupções, tomo um café, vou até a varanda. Às vezes quando estou saturada vou trabalhar num café ou numa biblioteca, ou tiro o dia para dar uma volta, para ir a um museu. É bom para refrescar as ideias.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Escrevo em períodos concentrados, até por causa da imprevisibilidade do meu estilo de trabalho. Quando estou em rotina de hospitais é cansativo, posso ficar semanas sem escrever. Não tenho meta de escrita, tenho meta de coisas por fazer, pequenas listas, como editar, trabalhar em plataformas diversas etc. Sempre falta tempo. Quando tenho mais disponibilidade é ótimo, mas sempre fui um pouco errática no meu processo criativo. Sou disciplinada mas gosto de liberdade mental. Acho difícil escrever ou traduzir sob demanda, por exemplo.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
Começar nunca é fácil, mas tem aquela centelha que você persegue, uma ideia, um estímulo externo. Sempre vejo minha escrita como um projeto. Penso num título, numa proposta. Desta forma já publiquei algumas plaquetes de poesia, que são uma espécie de poesia em fascículos destes escritos. Adoro trabalhar desta forma. Há um trabalho de pesquisa neste processo sim, um certo pragmatismo da minha formação acadêmica mesclado com o processo criativo.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Existe uma procrastinação que é criativa também. Algo está sendo elaborado. Às vezes pode haver um pouco de preguiça, e eu diria mais até cansaço. Quando você está bem sintonizado com a escrita as coisas fluem melhor, então é preciso se concentrar um pouco. E há períodos em que a escrita está mais travada, é preciso respeitar estes momentos também. Já me livrei do medo de não corresponder às expectativas, sou a favor da audácia. Uso isso na minha forma de vestir, de pensar, de me comportar. Escrever para agradar os outros ou reflete insegurança, ou é algo de quem está procurando publicidade para uma audiência grande. Esta não é a minha meta. Se o trabalho atrair leitores, ótimo, virá pela qualidade e originalidade da escrita. Tenho bastante determinação para trabalhar em projetos longos. Eles não me assustam, nem me causam ansiedade: muito pelo contrário: gosto de desafios. Já trabalhei em vários projetos de fôlego ao longo da vida.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Escrevo de forma muito concentrada, com rigor. A revisão já está embutida neste processo de edição. Quando publico está feito, não volto atrás. Hoje em dia mostro meu trabalho para poucas pessoas e raramente antes de publicar. Escolho a dedo. Há comentários às vezes que são desestimulantes, que são ‘anti-tesantes’. Eu já sou muito crítica com o que escrevo, e às vezes proponho algumas experimentações que alguns não vão gostar nem entender, já me acostumei com isto. Não se pode agradar a todos.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Adoro tecnologia. Escrevo no computador. Uns anos atrás andava com pequenas agendas na bolsa, mas se tenho uma ideia hoje escrevo no telefone mesmo e edito depois no computador.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativa?
De alguma observação ou situação que achei estimulante. Pode ser no trabalho, pode surgir de um diálogo, de muitas fontes. Para me manter criativa observo o mundo ao redor, leio, vejo filmes, vou a leituras, museus, cultivo conversas com amigos inteligentes, viajo e estou sempre de olhos abertos. Há acontecimentos aparentemente banais às vezes, cotidianos, que podem ser muito interessantes para um observador atento.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesma se pudesse voltar aos seus primeiros escritos?
Minha escrita era muito contida, muito minimalista, muito fragmentada nos meus primeiros dois livros, Visita e Distância. Entrei em crise com a contenção no meu terceiro livro, Trânsitos. Foi um livro de transição, com o qual tenho uma relação estranha, mas foi necessário, foi uma quebra. Depois veio A Terra do Nunca é Muito Longe, que é um livro mágico para mim, uma prosa poética onde a escrita flui. Agora tenho me voltado para outras questões, mais sociais, para a dor dos outros. Meu último livro, Suite 136, fala sobre a experiência de trabalho com pacientes psiquiátricos, sobre questões ligadas ao poder e às instituições. A mudança de país modificou e amadureceu minha escrita. Mas ando com saudades do minimalismo, tenho escrito alguns poemas curtinhos de novo, mas são condensados de uma forma diferente, menos fragmentada. É uma espécie de retorno criativo aos primeiros escritos. Penso que há uma nova atratividade dos poemas curtos hoje, por causa da tecnologia e da brevidade da escrita.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Recentemente escrevi um conto, e tenho escrito micronarrativas. Gostaria de seguir neste projeto, que está surgindo naturalmente. Que livro gostaria de ler e que ainda não existe? Olha, há tanto livro no mundo, tanta gente escrevendo, o difícil é julgar o que vale a pena no meio de uma produção tão intensa, mas há boas surpresas pelo caminho. Não tenho um livro ideal em mente para ler e nem quero, os idealismos podem ser decepcionantes.