Virginia Finzetto é jornalista, autora de Vi e/ou Vi que o vento é aqui, pela Scenarium Plural.
Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Meu dia começa muito cedo. Antes das 7 da manhã, eu desperto com o chamado da minha gata velhinha que tem mania de miar e fazer sons estranhos para receber atenção e comida, onomatopeias difíceis de reproduzir aqui… (risos) Depois dos cuidados com ela, vou para o meu ritual predileto: tomar café puro, coado direto na xícara, acompanhado do que eu chamo de ‘pão de queijo desconstruído’ e tapioca crocante com queijo derretido até tostar. Sigo para os afazeres domésticos, deixo o almoço encaminhado e checo celular e mensagens para responder às urgências. Aí vou para o computador ler as principais notícias do dia e das redes sociais e começar a trabalhar.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Eu sempre funcionei melhor de manhã, período em que me sinto com mais energia para pensar e escrever. Na área profissional, desenvolvo e edito projetos variados de livros e revistas. Diria que o ritual de preparação da escrita é seguir um roteiro definido, um espelho e um cronograma. Por isso, hoje, não posso me dar ao luxo de ter preferência de horário. Mas, se tiver alguma outra pendência me incomodando, paro o trabalho e vou resolvê-la, caso contrário não consigo trabalhar.
Como escritora e poeta, minha criação literária é outra história. Deixo a escrita me conduzir sem o meu conhecimento do seu ponto final, sem rotina, sem horário. Não tenho a mesma disciplina. Vou pelos caminhos que ela vai me levando. Já acordei inúmeras vezes de madrugada só para fazer anotações de versos, insights e imagens, que posteriormente geraram poemas e contos. Tenho sempre papel e lápis por perto, pois a ideia surge sem hora marcada e eu preciso anotar, senão esqueço. Talvez seja isso o que eu chamaria de ritual de preparação para a escrita que será desenvolvida depois no computador.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Como jornalista e editora, acabei desenvolvendo uma disciplina para me adequar ao tempo e cumprir cronogramas, escrevendo diariamente. É quando a necessidade deixa a preguiça de lado e a escrita precisa sair de qualquer maneira. Ao longo de minha vida profissional de quase trinta anos atuando em redações de periódicos, agências e editoras, fui treinada a escrever conforme a demanda e passei por rotinas distintas. Hoje, como autônoma, trabalhando em casa, não há período ideal do dia para escrever. Quando tenho vários freelas, acabo adentrando as madrugadas se necessário, já que não posso recusá-los, pois preciso compensar o tempo em que fico sem trabalho. E é nesse intervalo de tempo sem trabalho que eu me dedico com mais afinco aos meus projetos pessoais de criação literária, que atualmente caminham mais devagar do que eu gostaria.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
Quando me encomendam um tema para qualquer publicação literária, seja impressa ou virtual, eu deixo que o tema me cative por um bom tempo, antes de partir para a escrita. Incluo nessa fase qualquer pesquisa ou anotação necessária. Não sigo um tempo cronometrado, mas percebo o momento certo em que a própria escrita pede para acontecer. Aí é muito comum que eu trabalhe boa parte do texto, usando as anotações aleatórias, que vão sendo alinhavadas gradativamente, para ganhar corpo e alma. Os recursos de editor de texto facilitaram muito esse processo. Raro eu conseguir meu intento sem interrupções. Quando eu travo, deixo o texto de lado sem traumas, e retorno depois. Às vezes, no mesmo dia, às vezes preciso de mais tempo, mas sempre termino o que me proponho a fazer. Fora esses casos, eu não sou muito rígida com a disciplina. Meus poemas, contos e crônicas são escritos sem pressa, sem prazo, até o ponto em que eu considero que estejam prontos para serem publicados no meu blog, em sites ou nas redes sociais.
Agora, no trabalho eu necessito ficar concentrada e ter disciplina, seguir um espelho da publicação e um cronograma pré-definidos. A pesquisa sempre é a etapa preliminar para dar suporte ao desenvolvimento do conteúdo que será trabalhado. Uma vez feita, as demais etapas da escrita vão se desenrolando naturalmente, no tempo estipulado.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Admito ainda não dominar totalmente minha ansiedade quanto a terminar projetos de longa duração ou trabalhar em várias publicações diferentes ao mesmo tempo. É raro acontecer alguma trava ou procrastinação no trabalho, porque eu me esforço para cumprir o prazo de qualquer maneira, mas nunca é confortável. Fico sempre com uma sensação de que não vai dar tempo.
Em relação ao meu projeto pessoal, este ano fiquei frustrada por ter de adiá-lo. Dentro dessa agenda profissional repleta e do meu tempo limitado, meu próximo livro, agora de contos, não foi prioridade.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Agora, falando só da minha criação literária. Querer mexer demais ou não mexer em nada do meu texto me perturba. Já escrevi coisas que considerei maravilhosas, que me impactaram de cara, aí fui mudar um detalhe, uma palavra e perdi a magia da mensagem inicial. Mas também já me odiei de não ter reescrito textos meus já publicados, arrependimento que nem sempre se conserta. Encontrar esse equilíbrio é um grande desafio, porque você não é o seu texto. Ele te enfrenta, ele te desafia. Você precisa saber ouvi-lo. Agora, isso não tem nada a ver com o cuidado de uma leitura prévia e a revisão gramatical e ortográfica, que procuro fazer várias vezes antes de encaminhar o texto ao seu destino. Assim mesmo, acaba passando erros, porque a leitura fica viciada. Quando é uma publicação impressa, encaminho o texto para alguém que faça uma revisão, antes de publicá-lo. Mas nem sempre faço isso com os textos que publico on-line.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Eu gosto de escrever desde criança, por isso escolhi, dentro da área de comunicação, uma profissão que fosse ligada à escrita. Fui avançando nas técnicas disponíveis em cada tempo: primeiro à mão, depois na máquina de escrever e finalmente no computador. Sem dúvida, destaco o computador e a internet como grandes incentivadores da minha carreira profissional e produção literária.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativa?
Considero a literatura a pedra fundamental para manter minha criatividade. Mesmo dentro de uma rotina de tempo tão apertada, nunca abandonei a leitura dos clássicos e de autores contemporâneos que admiro. As redes sociais também me deram a oportunidade, por outro lado, de conhecer universos diversificados e de experimentar escrever só por prazer, sem censura e sem a preocupação com qualquer crítica favorável ou não. Ali, sinto liberdade para escrever e publicar o que eu quero e isso não deixa de ser um bom treino e ainda me traz aprendizado e retorno imediato de audiência. Acho isso muito fascinante. Meu processo criativo pode se iniciar de pequenas anotações à mão, trabalhadas depois no computador por dias antes de serem publicadas, a poemas inteiros prontos que fluem diretamente numa postagem de cinco minutos no Facebook. Eu procuro observar o mundo, as pessoas, os detalhes, as mensagens que chegam de repente. Uma frase que ouvi na rua já virou poema, por exemplo. Fico aberta à minha intuição, principalmente.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesma se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?
No início da minha carreira, levava-se três meses para se produzir uma única revista. Além de reportagens, ia-se aos centros de documentação e às bibliotecas para pesquisar, as matérias eram datilografadas e percorriam as demoradas etapas de edição. Depois, os textos iam para a composição, voltavam para outra revisão, seguiam para a arte até o fechamento e finalmente a publicação era encaminhada para a gráfica. Eram muitos profissionais e inúmeros passos para que se cumprisse o prazo final com eficiência. Com a informatização, muitas etapas desse processo acabaram se concentrando na mão de um só profissional, que virou polivalente e mais capacitado, e tudo ganhou mais velocidade. Passou-se a trabalhar e a produzir muitas vezes mais nesse mesmo tempo. Atualmente acho impossível me imaginar sem essa aceleração diária e a rapidez com que as informações chegam a mim com facilidade, tanto de pesquisa como de se trabalhar e se comunicar com a equipe sem sair de casa. Apesar do estresse que tudo isso acabou causando, acredito que foi esse acesso fácil aos inúmeros recursos disponíveis pela internet que ajudaram a minha escrita evoluir satisfatoriamente. Se eu pudesse voltar aos meus primeiros textos eu diria a mim mesma: “Você vai progredir, eu vejo daqui do futuro, mas vai ficar maluquinha.”
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Além de autora do livro de poemas Vi e/ou Vi, que o vento é aqui, pela Scenarium Plural, já participei de alguns concursos de poesia, tenho poemas publicados em jornais, antologias e agendas. Escrevo contos e crônicas para revistas literárias, sou atuante na internet e alimento com frequência minha página em um site de literatura e meu blog pessoal.
Agora tenho desejo de vivenciar outro ano sabático, desta vez para me dedicar com tranquilidade ao término do meu novo livro, esse que eu gostaria de ler em um futuro não muito distante.