Virgílio Afonso da Silva é professor titular da Faculdade de Direito da USP.
Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Meu dia começa razoavelmente cedo, entre 5h30 e 5h45, com uma filha pequena abrindo a porta do quarto dela, com o máximo de barulho possível (a casa é antiga, a porta já está um pouco empenada e é difícil abrir sem fazer barulho). Aí o irmão ainda menor acorda também. E o dia começa. Talvez essa seja uma das únicas coisas que eu sei que acontecerão todos os dias, sem exceção, de segunda a segunda, entre 5h30 e 5h45… Rotina matinal é isso! (no sentido mais literal de ambas as palavras…)
Como a minha manhã sempre foi longa (embora hoje seja ainda mais…), algo que sobrou da época em que eu não tinha filha e filho é a divisão do café da manhã em dois: um logo após acordar e outro mais para o meio da manhã. Antes, o intervalo entre ambos era usado entre outras coisas para resolver pendências, escrever e-mails etc. Hoje, é usado para brincar com a minha filha e com o meu filho e levá-los à creche. O trabalho começa mesmo depois da segunda parte do café da manhã, por volta das 9 horas (a não ser nos dias em que dou aula mais cedo, às 7h30, por exemplo).
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
De manhã, sem dúvida. Escrevo bem menos à tarde. E quase nunca à noite. Mesmo nos momentos mais intensos da minha vida acadêmica (elaboração de tese de doutorado ou de tese para concurso para professor titular) eu muito raramente trabalhei depois das 20 horas (embora isso também tenha mudado um pouco depois do nascimento da minha filha). Não tenho nenhum ritual de preparação (sou um pouco cético em relação a rituais).
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Infelizmente eu não faço a minha agenda sozinho. Aulas, bancas, reuniões, eventos, seminários acontecem nos momentos mais variados. Tento não aceitar nenhum compromisso pela manhã, para poder ter tempo para escrever no momento em que mais consigo me concentrar. De qualquer forma, não acredito muito em trabalho concentrado em poucos dias, com enorme espaço entre eles. Os melhores trabalhos que escrevi foram feitos de forma intensa, diária. Procuro, na medida do possível, seguir essa ideia. Escrever (e ler e refletir sobre o que li e escrevi) todos os dias, algumas horas por dia, em blocos o mais longo possíveis. Para que isso aconteça, além de um certo controle de agenda, é preciso deixar as distrações de lado. Telefone desligado, e-mail desligado, internet desligada.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
Quase não faço notas, nunca fiz fichamento, não faço resumos de nada. Grifo o que acho relevante no que leio (desde que não seja um livro de alguma biblioteca…) e é só. Fica tudo na cabeça. Talvez não seja a forma mais eficiente de trabalhar, mas é assim que trabalho. A escrita começa o mais cedo possível. Um novo arquivo de texto, um título provisório e pronto, é o próximo artigo (que, no entanto, pode demorar dez anos para ficar pronto, ou até mesmo nunca ficar).
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Nunca tive travas para escrever. O que falta é tempo. Tenho dezenas de artigos iniciados (no sentido da resposta anterior) e não consigo levá-los adiante.
Trabalhar em projetos longos é sempre mais difícil do que escrever textos curtos. E o risco de procrastinação é mais real. Estou no meio de dois desses projetos no momento e eles estão demorando muito mais do que deveriam. Mas, de novo, não por procrastinação, mas porque falta tempo. Mas isso não me causa ansiedade. Se já demorei dez anos para finalizar um artigo (e estou quase batendo esse recorde com outro artigo…), não dá para ficar ansioso com um livro que não ficou pronto em cinco anos.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Depois de finalizada uma primeira versão, eu reviso algumas vezes. Mas não sou obsessivo. Acho que ler duas ou três vezes um texto é mais do que suficiente. E depois mostro a amigos, sempre. Acho que até hoje nunca publiquei um texto que não tenha sido lido por alguém antes. De preferência várias pessoas. Mesmo textos curtos, artigos de jornal de menos de meia página. Melhor do que eu ler meu próprio texto pela décima vez é alguém o ler uma única vez.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Minha relação com a tecnologia é a melhor possível. Mas sem modismos. Sem fetiche por computadores bonitinhos, com janelas que fazem malabarismos para abrir ou fechar. Computador é instrumento de trabalho, não acessório de moda para mostrar para os outros e se sentir bem por isso.
Trabalho com computador há muito tempo. Durante a Assembleia Constituinte (1987-1988), meu pai comprou um computador para facilitar o trabalho de reescrever seu Curso de Direito Constitucional Positivo. Eu ainda estava na escola e, naquela época, ninguém tinha computador. Escrevo no computador desde essa época. Tudo começou com um PC XT, processador 8088, com disco rígido de 20 mb e dois acionadores de disquetes de 5 ¼”, com capacidade para 360 kbytes (mais ou menos o tamanho do arquivo que contém esta entrevista) em cada… Aprendi a programar, por conta própria, nessa época. Talvez a minha opção incondicional por software livre e aberto (uso sistema operacional Linux há quase vinte anos) decorra desse contato antigo com a tecnologia. Não uso nenhum software proprietário há muito tempo.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativo?
Minhas ideias vêm de qualquer lugar, a qualquer momento. Não sei se há hábitos que fomentem a criatividade. Fazer esportes, tocar um instrumento musical, ter interesse por coisas que vão muito além da minha área de especialidade são hábitos e práticas que muitos talvez digam serem essenciais para manter a criatividade. Mas eu desconfio um pouco disso. Para mim, isso soa como tocar Mozart para bebês, achando que eles ficarão mais inteligentes ou outras maluquices como essa…
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesmo se pudesse voltar à escrita de sua tese?
É difícil saber o que mudou no meu processo de escrita. Acho que muito pouco. Sempre tive um objetivo importante ao escrever: clareza. Desde minha dissertação de mestrado, esse é um objetivo importante, fundamental. Para mim, é possível expressar as ideias mais complexas de forma clara, sem que isso implique superficialidade. Obscuridade na escrita, para mim, é um grave problema na academia (e sempre que eu leio algo obscuro, imediatamente penso em Calvin e Hobbes e na insuperável tira “Academia, here I come”…).
O que mudou talvez não seja o processo de escrita em si, mas o tempo que tenho para escrever. Durante meu doutorado, eu tinha apenas uma coisa a fazer: uma tese de doutorado. Hoje, há uma avalanche de compromissos que simplesmente ocupam parte significativa desse tempo. E depois que me tornei pai, um pai que não se contenta apenas em ter um papel coadjuvante no dia a dia da minha filha e do meu filho, o que sobra de tempo realmente livre diminuiu drasticamente. Com isso, tenho que ser mais eficiente na gestão desse tempo. Não que eu escreva mais rápido hoje, mas com certeza me distraio menos com coisas acessórias.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou?
Um projeto começa com uma ideia. Se eu já tenho a ideia, o projeto já começou!