Vinícius Bopprê é jornalista, escritor e documentarista.
Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Na verdade faz um tempo que não consigo manter uma rotina, mas, para te responder, vou dizer qual seria a rotina ideal, considerando o trabalho de produção literária.
Eu gostaria de poder começar o dia praticando algum esporte, tipo corrida, natação, algo que eu goste. Depois voltar para casa, organizar as coisas e começar a escrever.
O ritual que eu tenho de preparação é estar na minha mesa, que não pode estar muito bagunçada, acredito que “a musa” não vem no caos. Eu fumo, talvez escute alguma música, geralmente instrumental, e começo.
Só que essa rotina é um pouco ilusória. Nem sempre meu dia começa assim, voltado para a escrita. Às vezes começa só com um cigarro e correria até o metrô.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
No passado eu acreditava que só trabalhava de madrugada, de noite, tinha um pouco esse fetiche, essa ideia meio romântica. De um tempo para cá, encaro de uma forma totalmente diferente. Não sei em que período trabalho melhor, mas sei que preciso de uma certa atmosfera, um certo silêncio, um estado um pouco introspectivo em que eu não esteja com a mente ansiosa, processando outras coisas a cumprir. Preciso desse espaço um pouco blindado, mas hoje consigo escrever em qualquer hora. Qualquer momento que cumpra esses requisitos precisa ser aproveitado. Não dá para esperar escrever só durante a noite.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Infelizmente eu ainda não tenho a rotina de escrever todos os dias quando não estou envolvido com algum tipo de projeto. Quando estou, costumo escrever todos os dias, a menos que eu seja impossibilitado por alguma razão fora do meu controle. Já estabeleci, em outros momentos, metas diárias de produção. O meu primeiro romance publicado, por exemplo, escrevi muito rápido. Foi coisa de vinte e poucos dias porque aquele texto, aquela estrutura, permitia isso. Na época ia ter um prêmio literário de autores estreantes em poucos dias e eu decidi colocar aquilo como meu prazo final e pra me estabelecer uma meta, talvez primeira vez, de escrever todos os dias. E eu acredito nisso. No passado não acreditava muito, mas hoje, principalmente depois desse primeiro livro, que eu escrevi com 23, me dei conta de que é preciso encarar como um trabalho. De novo, para aquele projeto fazia sentido trabalhar dessa forma, com um prazo tão curto. Com outras coisas que tenho trabalhado, o processo tem sido bastante diferente.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
O meu processo de escrita também varia de acordo com o projeto. Como eu disse, nesse primeiro romance publicado, escrevi muito rápido porque a proposta que eu tinha, de narrativa, de estrutura, permitia que eu trabalhasse dessa forma.
Já num outro projeto que estou trabalhando há um tempo, o processo tem sido totalmente diferente. Nesse trabalho de agora, que estou envolvido há, sei lá, um ano e meio, o tema principal é a morte, mas eu comecei a me dar conta muito depois de que eu não tinha olhado ao redor do que eu podia, e queria, na verdade, explorar a partir dela.
Então esse processo tem sido totalmente diferente, envolve muita pesquisa, de leitura de filosofia, de observação do tempo presente, já que a morte faz com que a gente se aproxime de pessoas que estávamos distantes há dez, quinze anos, e como é, hoje, estar próximo de pessoas que não vemos há algum tempo?
Eu sinto que, nesse caso, para responder sobre o meu processo atual, é difícil começar a escrever, com aquela fluência de estar sempre escrevendo, à medida que quero começar muito seguro do que preciso dizer, da estrutura. Claro que isso não quer dizer que vou me privar dos caminhos que vão surgir enquanto escrevo, isso nunca, mas o que eu quero contar aqui precisa ter uma base. Descobrir isso tem levado mais tempo do que certamente vou levar para escrever.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Não sei se eu já tive o que se pode considerar de trava de escrita já que, nesse aspecto, no sentido de volume ou constância de produção, não me cobro tanto. Até sou um pouco negligente, talvez, procrastinador para começar algumas coisas. Depois que começo, geralmente avanço rápido, mas começar nem sempre é fácil. E talvez também exista essa procrastinação, e essa não-cobrança, porque eu também trabalho em outros meios, me expresso de outras formas além da escrita. Por isso considero essa tal sazonalidade na produção da escrita como uma coisa natural, mesmo ela sendo, talvez, minha principal forma de expressão (não no sentido de relevância ou volume, mas, não sei, de identificação, talvez).
Dizendo assim parece que não tenho ansiedade, mas é evidente que me cobro. Nas vésperas do lançamento do meu primeiro romance, por exemplo, fiquei super nervoso, pensando na recepção dele, em como as pessoas próximas – são sempre elas que vão ler primeiro – iam ler aquilo. Ansiedade sempre existe, acho que para todo mundo. Se não tiver, nem faz muito sentido também.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Isso também varia de acordo com o projeto. Falando do meu primeiro romance, de novo, eu fiz uma revisão breve, para participar desses prêmios, claro, mas só fui rever de verdade depois do contato com a Editora Patuá, que foi mais de um ano depois. Nesse caso, eu percebi que não podia mexer muito. Já tinha passado quase dois anos desde que eu tinha escrito e muita coisa tinha mudado, como escritor, como pessoa. Então me dei conta de que se começasse a mudar tudo que gostaria, não seria o mesmo livro. Eu não estaria sendo fiel ao próprio texto. Claro que cortei, acrescentei algumas coisas, e também teria removido coisas que me incomodassem muito, mas tentei preservar a originalidade do que tinha sido feito ali.
De qualquer forma, acredito muito na revisão. Muitas vezes, antes mesmo de começar a escrever, releio três, quatro páginas anteriores, para me envolver de novo, com o ritmo, com a história, e nesse processo já corrijo alguma coisa e dessa correção muitas vez já surge um caminho de continuidade. Por isso acredito na revisão como etapa do processo criativo também.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Minha relação com a tecnologia é normal, talvez a mesma de qualquer outro contemporâneo. Costumo escrever no computador, guardo algumas ideias no celular, nada fora do normal. Já escrevi em máquina, mas só para projetos pontuais, que demandavam alguma interferência e a máquina é interessante nesse aspecto. Ela te faz pensar mais na frase antes de escrever, deixa o texto mais conciso.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativo?
Minhas ideias surgem muito a partir do cotidiano, da minha experiência com o outro, do que eu escuto das pessoas por meio do meu trabalho como jornalista, mas também, e com igual importância, da arte, claro,da literatura, do cinema, do documentário, que é também uma outra forma de se relacionar com experiências diversas do mundo.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesmo se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?
Acho que eu passei a acreditar mais na escrita como um ofício, um trabalho, como qualquer outro. Não deixo de acreditar na inspiração, nesse algo estranho e fantástico que surge quando produzimos algo que nos satisfaz, mas acreditar que a escrita é sobretudo um trabalho. Eu acho que não diria nada para mim mesmo, no passado, porque talvez eu não chegaria ao que sou hoje. Não que isso seja o melhor, longe disso, mas porque é o que é. Eu acho que levou o tempo que precisou levar para que certas coisas fossem descobertas, sobre a literatura, sobre mim, e ainda vai levar muito tempo para descobrir outras novas. Sem contar que, se eu não pude dizer, outras pessoas disseram. Algumas coisas ouvi, outras não. Quando a gente é jovem, a gente é também um pouco surdo, eu acho. Mas, enfim, não diria nada para não estragar a surpresa.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Essa também é uma pergunta que eu gostaria de desviar, dar uma resposta “poética”, mas vou tentar responder, considerando mesmo a escrita como um trabalho. Tenho vontade de escrever algum projeto que fale de algum impacto astronômico de pequeno porte, de como isso poderia afetar a vida das pessoas em seus aspectos mais banais. O banal sempre me interessa, e isso não só na literatura. A pergunta sobre o livro que eu gostaria de escrever, pensei que não teria uma resposta, mas justo esses dias eu tava lendo o Barthes, e ele dizia que isso tem a ver com a própria experiência pessoal. Com a capacidade de a literatura, apesar de universal, chegar muito próximo de você, mas ainda não ser você. E eu acho que escrever está nessa busca, um pouco egoísta, talvez, de uma proximidade que baste.