Viic Oliveira é poeta, compositora, graduanda em Música pela Faculdade de Artes Alcântara Machado e organizadora do Slam da Norte.
Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Na maioria das manhãs, correndo!
Meus dias começam comigo pulando da cama e já encarando o caos, o trânsito. Movimentos cronometrados, pois se atrasar um segundo, rola uma reação em cadeia e bagunça o dia todo. Eu faço faculdade de manhã, então geralmente encaro 2h no trajeto até a faculdade, onde me revezo em ler, estudar, comer e conseguir me equilibrar. A rotina das minhas manhãs se prende em assistir aula e o trajeto até lá é sempre diferente, não segue um método.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Não tenho uma hora em que trabalhe melhor. A inspiração é algo que vem quando se faz necessário desabafar sobre algo que deixa minha mente inquieta.
Não tenho um ritual de preparação, as vivências são o meu maior preparo. O sentir, a entregar, a intensidade, se mistura e eu escrevo sobre.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Eu gostaria de me dar uma meta e me comprometer a cumprir, porém a vida é corrida e agitada, faço várias coisas ao mesmo tempo, quase nunca tenho um tempo onde consigo sentar e escrever tranquilamente. Então, majoritariamente, escrevo em fragmentos, fragmentos esses que surgem em lapsos de pausas dessa rotina acelerada. Não escrevo todos os dias, pois não é algo fácil, demanda tempo e, por vezes, estabilidade emocional e psicológica, demanda energia física, e na maioria dos dias meu corpo clama por descanso.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
A poesia vem de diversas formas, às vezes ela vem inteira, às vezes não. Por vezes custam pra vir, vem em forma de versos, frases, notas, que se consolidam e viram uma estrutura. É difícil eu pegar um tempo e decidir que preciso escrever, a ânsia pelos dizeres me toma e eu escrevo quando vem. Se me forço, travo, se travo me sinto insegura e não quero poesias travadas, truncadas, quero poesias e escritas fluidas, que nascem da necessidade por serem escritas, ditas e ouvidas.
Às vezes escrevo, paro, não volto mais no texto, depois descubro que ele continua em outro versinho que escrevi um tempo depois ou que ele, mesmo eu não tendo mexido em nada, se fez pronto. Com a correria acabo achando que não findo o que escrevo e nem presto atenção que os escritos, por vezes, já vêm completos. Tudo é variável, tem poemas que nascem em um dia, outros que demoram semanas, meses, cada um tem seu tempo.
Elas, as poesias, que escolhem em qual transferência de metrô vão encontrar com a conclusão dos meus pensamentos.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
A insegurança é companheira para todas as horas. As expectativas, minhas e dos outros, me consomem. Eu ainda estou num processo de tirar da gaveta e começar a colocar no mundo o que escrevo. A autoestima é lá em baixo, como a de qualquer outro corpo negro. Sempre me pego pensando que sou segundo plano, que não deveria me fazer ter voz, ter fala.
Mas tudo é processo, tô nesse corre de me entender e entender minhas feridas para poder curá-las.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Reviso pouquíssimas vezes. É rara a alteração de palavras, gosto de deixa-las do jeito que vieram.
Não sei exatamente quando os poemas estão prontos, depende de como fica quando eu recito. Gosto muito dos sons das palavras, de mesclar poesia com músicas. Então se recito e se não as sinto do jeito que esperava sentir, não estão prontas.
Mostro para uma ou duas pessoas antes de fazer algo. As publicações são difíceis e raras são as vezes que não me auto saboto, que não escondo o que escrevi. Vário muito entre postar, colocar dentro de um zine ou engavetar. Faço com que minhas poesias estejam no mundo poucas vezes por conta daquela tal amiga, a insegurança.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
O celular está sempre na mão, então é ele quem sempre recebe os versos, por isso é mais fácil depositar pensamentos nele entre uma baldeação e outra.
Tenho alguns cadernos, que tento usar, mas confesso que não uso muito, pois é difícil escrever neles com o ônibus balançando.
Mas já é vício, o celular está impregnado na rotina. Me vejo pegando-o mais do que pego papel e caneta. Sem falar que me desorganizo fácil e já perdi muitos manuscritos, acho que consigo me organizar melhor com os textos digitados e não os perco mais quando salvo no drive.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativa?
Vem das sutilezas, do sensível. Eu falo muito de corpo, de relações – e às vezes essas relações não precisam de outras pessoas, são relações com o meu próprio íntimo -, de trocas e afetos. Minhas poesias são bem táteis, imagináveis. Falo muito sobre sexo, beijo, olhares, flerte, saudade. Então minhas ideias vêm de lugares como encontros e relações que tive, trocas com outras pessoas, o desbravamento por mim mesma.
Não escrevo somente sobre isso, mas é o que mais me anseia. Cada temática me atinge e me faz transcrever de uma forma diferente.
Cultivo minhas ideias a partir de leituras, músicas, diálogos e reflexões. O estar só também me ajuda bastante, é onde me encontro comigo mesma e consigo me organizar para externalizar pensamentos em versos.
As trocas me ajudam a sentir, a compreender, a viver e eu gosto de pensar que minhas poesias tem vida. Eu escrevo sobre o que vivo e sobre o que tudo isso me propicia.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesma se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?
Muita coisa!
Eu aprendi a me olhar, na verdade foi necessário me olhar e me perceber, para conseguir escrever. Tenho vários fragmentos de mim que estão se colando e entendo os seus devidos lugares por conta dos desabafos na escrita e melodias. Aprendi a falar de sentimentos, amor, felicidade, esperanças, sem achar chavão e clichê.
Achei possibilidades dentro da escrita, sem me prender a métricas, formas poéticas. Eu escolho se minhas estrofes têm quatro versos ou mais, e na boa, descobri que separar a escrita em estrofes é chato, é limitador, é podar criatividade. Com o amadurecimento vi que minha escrita é livre demais pra se enquadrar em um modelo quadrado e que isso é bom, que tudo bem não estar dentro do padrão, que não estar é válvula para abrir portas no mundo das ideias.
Se eu pudesse voltar aos meus primeiros textos, eu diria para eu não me prender e não me preocupar com as coisas metódicas, que realmente é um saco e que eu posso ser livre em relação a isso, que sou eu quem escolho como devo ou não me expressar, como devo ou não escrever. Diria que a insegurança estaria bem próxima e que tudo bem ela estar, que ela não iria embora e que eu teria de arranjar meios de me esquivar. Que engavetar escritos é tapar a boca para evitar a fala, porém não evita os pensamentos. Engavetar as poesias quando elas querem sair e se aventurar pelo mundo, é auto sabotagem.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Um projeto/livro que gostaria de fazer/ler e que ainda não comecei e, logo, não existe é um livro com contos e poemas escritos por mim. Parar de esconder os escritos e lançá-los ao mundo.
Outro projeto é conseguir lançar o meu EP, porque não é só os poemas que escondo, escondo as músicas também. Cantar minhas composições, parar de me calar.
Na verdade o projeto em si é criar coragem, confiança em mim mesma, porque só depois disso vou perder o medo e acreditar que meu trampo está pronto para reverberar em outros corpos.