Victor Mascarenhas é escritor e roteirista, autor de Cafeína (2008), A insuportável família feliz (2011), Xing Ling made in China (2013), Billy Jackson (2013) e Um certo mal-estar (2015).
Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Não tenho nenhuma rotina específica para começar o dia e sempre achei as manhãs o meu horário menos produtivo para escrever. Mas, de uns tempos para cá, descobri que as manhãs são ótimas para revisar textos, pesquisar e ler.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Meus primeiros livros foram escritos basicamente à noite, entrando pela madrugada. Não foi por acaso que o nome do primeiro era Cafeína. Ainda prefiro escrever à noite, mas isso não significa que não escreva a qualquer hora. Sobre rituais, confesso que fiquei tentado a inventar algo bem exótico para impressionar, mas a verdade é que não tenho ritual nenhum. Escrevo com silêncio, com barulho, ouvindo música, vendo televisão, navegando pela internet, comendo, no meu escritório ou em qualquer lugar. Sobre preparação para a escrita, de vez em quando faço umas anotações em bloquinhos ou num papel qualquer, que funcionam como um mapa para o que estou escrevendo, mesmo que eventualmente eu me perca no trajeto.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Quando estou dedicado a um projeto, tento escrever todos os dias. Se não der, tento pelo menos revisar ou reler o que já escrevi. O que importa é não deixar o texto parado. Sobre metas, só quando trabalho por encomenda e tenho prazos. Aí sou compulsivo e faço o diabo para cumprir o cronograma, vira uma espécie de desafio e acaba sendo bastante produtivo.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
Meu trabalho é escrever e nunca ganhei um centavo que não fosse escrevendo ou por causa de algo que escrevi. Então, para mim não tem muita frescura, é trabalho. Normalmente, estou mais para um operário do que para um escritor iluminado por alguma inspiração divina. É mais ou menos assim: tenho a ideia, vou lá e escrevo. Não tenho uma ideia, vou lá e escrevo até aparecer algo. Mas saber a hora de começar é sempre um mistério para mim. Fico com a história maturando na cabeça, faço algumas anotações, pesquiso se for necessário, penso e repenso bastante até que, em algum momento e por algum fator que ainda não consigo definir qual é, sinto que é a hora de começar a escrever de fato. Aí sento e escrevo até ficar relativamente satisfeito ou sentir que não está mais rendendo.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
A procrastinação é ruim, mas é boa. No meu caso, ajuda no processo de destravamento, embora possa atrapalhar e atrasar o processo muitas vezes. A página em branco é sempre complicada e achar uma frase decente para começar é um grande desafio. Acho que a primeira frase é fundamental, porque ela tem que pegar o leitor pelo colarinho e chacoalhar o sujeito. Sobre o medo de não corresponder às expectativas, acho que ele é menos preocupante do que o medo de não ser lido.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Reviso quantas vezes forem necessárias ou até o momento em que desisto e aceito que não há mais nada a fazer pelo texto. A verdade é que em algum momento é preciso dar o livro como terminado e jogá-lo no mundo. Geralmente, não mostro meu trabalho a ninguém antes de publicar. Já mostrei um conto ou outro e, às vezes, comento sobre a história com alguém, mas realmente não tenho isso como um hábito.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
O computador é uma ferramenta excelente para escrever, pesquisar e manter contato com outros autores. Quanto aos meus rascunhos, faço notas aqui e ali, escrevo frases soltas, esquemas para tramas e algumas ideias à mão. Mas o texto final sempre é no computador.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativo?
As ideias vêm de todo lugar. Podem vir de um fragmento de conversa ouvido na rua, de uma notícia de jornal, da observação das pessoas, de livros, filmes, músicas, das minhas memórias, enfim, podem vir de qualquer lugar. Não acredito que uma inspiração surja magicamente. Acho que é preciso alimentar a imaginação com tudo que for possível e lá dentro da cabeça as coisas se combinam de algum jeito e geram uma ideia, um personagem, uma frase, e daí é trabalhar para desenvolver o resto.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesmo se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?
O meu primeiro livro foi uma compilação de contos que escrevi durante anos, sem maiores pretensões. Quando os reuni para formatar um livro e entrar num concurso, busquei um conceito que pudesse dar unidade ao trabalho e acho que consegui, já que acabei ganhando o concurso e o livro foi publicado por isso. O que mudou de lá para cá é que meus livros agora são mais planejados e menos experimentais do que o primeiro. Eles partem de um conceito pensado antes e de algum planejamento prévio. Tem mais técnica e menos espontaneidade, o que não é necessariamente bom ou ruim. Acho que livros de estreia tem um frescor que os seguintes não possuem. Isso não os torna melhores, mas os torna especiais, mesmo que eventualmente inferiores aos seguintes. O que eu diria para mim mesmo se pudesse voltar ao início é: deixa de besteira e vai batalhar para publicar logo esse livro.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Tenho vários projetos pensados e sei que muitos deles não vão sair, o que é ótimo. Ruim é não ter ideia nenhuma nem para pensar num projeto que possa dar errado. Sobre livros que gostaria de ler, tem muitos já escritos e espero que escrevam outros que eu também tenha vontade de ler.