Victor Almeida é mestre em Mídias Criativas pelo PPGMC/UFRJ e coordenador de produção da UBK Publishing House.
Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
No momento estou trabalhando como coordenador de produção para a Ubook, uma empresa de audiolivros por streaming. Começo meu expediente às 9 horas. Então é muito difícil eu acordar e me sentar para tomar café da manhã. Geralmente eu bebo um café puro, como alguma coisa e parto para o trabalho. No metrô eu olho as notícias do dia e do mercado editorial, repasso a minha lista de tarefas e leio um livro.
Só à noite eu paro para escrever. No momento eu estou terminando um conto. Depois que terminei minha dissertação de mestrado, comecei a colocar no papel ideias para um livro que talvez nunca veja a luz do dia enquanto fecho as últimas questões de um projeto que estou louco para apresentar. O nome é 3Chaves. Será uma antologia de audiocontos de ficção especulativa, trazendo autores de perfis diferentes em uma publicação seriada. Deve sair ainda este ano.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Eu edito melhor de manhã, eu escrevo melhor à noite. À noite, depois de um banho, de dar uma geral na casa e de jantar com minha esposa, eu sento na cadeira com uma garrafa d’água e uma caneca de café do lado e escrevo. Muitas vezes com um gato me supervisionando. Só paro quando o sono bate forte, porque esse é o problema do ser humano, né? A gente tem que dormir.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Eu crio blocos de horários para cada tarefa. Tento, dessa maneira, conseguir o máximo que consigo conciliar trabalho, mestrado, frilas e projetos pessoais. Nem sempre dá certo. Geralmente dá mais angústia que certo. Quanto a metas diárias de escrita, eu sigo a política do “faça algo hoje”. Um parágrafo, três páginas… escreva algo por dia. Não termine o dia sem ter escrito algo.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
Não, não é difícil. Mas eu preciso estar com toda a ideia e a estrutura muito mastigadinha para fazer funcionar. Geralmente crio um fluxograma muito, mas muito rabiscado ligando ideias, citações, como um tema vai se ligar ao outro etc, etc. Mesma coisa quando vou editar um livro com o autor desde o zero. Eu brinco com autores isso: sejam mais Frankenstein. Montem as partes antes de dar vida. O processo pode alterar a história? Sim. Mas você já tem um caminho.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Eu tenho dois sérios problemas: dificuldade de ficar focado em uma coisa só por muito tempo e achar que tudo que faço não é bom o suficiente. O primeiro eu resolvo segmentando os tempos de tarefa, usando processos como a técnica Pomodoro. O segundo vou resolvendo aos poucos com terapia mesmo (risos).
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
O grande problema em escrever qualquer coisa sendo editor é que você nunca está satisfeito com a qualidade do texto. Tem sempre um detalhe para mudar, uma alteração para melhorar a frase, uma padronização para fazer… Com isso, meu processo de escrita (seja ficção ou acadêmica) é muito lento, bem parecido com o de um copidesque. Parágrafo por parágrafo.
Eu mostro meu trabalho e peço muito a opinião da minha esposa, Eloísa, que também cursou produção editorial. Em muitos assuntos ela é uma minienciclopédia ambulante. Então essa troca é muito positiva. Para saber se as falas de alguns livros estão naturais, às vezes eu recito em voz alta, fazendo as vozes e tudo mais. Ela tem que aguentar isso. (risos)
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Como comentei, sempre rascunho o esqueleto do conto, história, artigo etc. no papel, rabiscando tudo num caos completo. Eu tenho essa mania. Tudo que tento organizar na minha vida, eu preciso estruturar antes no papel. Tarefas do dia, metas do ano, orçamento de projetos… toda primeira fase de algo que vou fazer começa no papel. Depois passo essas informações para o Google Agenda (tarefas pessoais) ou Pipefy (trabalho), e tento acompanhar essas metas diárias.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativo?
Eu gosto de narrativas, independente da mídia e do país de origem. Para alguém que edita o trabalho dos outros, que trabalha com livros, é importante buscar essas formas diferentes de contar histórias. Quais caminhos um criador X seguiu pra fazer a obra em áudio? Como a ficção científica chinesa se diferencia da americana… ou da brasileira? O que o cinema argentino pode nos ensinar? O que um ilustrador ou escritor independente tem a liberdade de explorar que uma história mais comercial poderia acrescentar?
Eu sempre gostei de consumir e analisar histórias. E agora, principalmente depois de ter feito o mestrado profissional da UFRJ, o PPGMC, começo a querer criar. Cada vez mais.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesmo se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?
O amadurecimento da escrita passa pelo amadurecimento como leitor. Então a mudança faz parte do jogo. Acho interessante quando, ao analisar um texto, fica explícito que aquele texto foi marcado pela experiência do autor, pelas leituras que teve, pela idade, pela visão do mundo na época em que escreveu. Muitas pessoas odeiam reler os textos mais antigos. Eu acho que é uma boa forma de notar a evolução da escrita. No outro dia eu encontrei algumas coisas que escrevi quando eu tinha 13 anos. Eram horríveis, mas eu não mudaria uma vírgula. A única coisa que eu diria para meu eu do passado, o jovem Victor, é: “Leia mais, muito mais. E raspe esse bigodinho ridículo.”
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Eu gostaria de escrever um livro infantojuvenil que está na minha cabeça faz muito tempo. E trabalhar mais com projetos de audiodrama.
Quanto ao livro que gostaria de ler e ainda não existe… sei lá, eu gosto muito deste conceito: existe o livro que vai te marcar para sempre. Sua história é perfeita, os personagens são bem-escritos, a trama vai incomodá-lo e empolgá-lo como nenhuma outra. Cada linha, cada frase, é memorável. Você não vai querer mudar uma vírgula dele. O final deste livro é tocante e fará você reconsiderar muitas coisas. Esse livro está aí, no mundo. Escondido numa prateleira. A única forma de encontrá-lo é continuar lendo. Sempre. Todos os dias. Com gosto e vontade. Então, boa sorte em sua caçada.