Victhor Fabiano é escritor, graduado em Ciências Sociais.
Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Começo meu dia organizando as tarefas e afazeres específicos daquele dia, o que precisa ser cumprido. Levo um tempo para realmente acordar a ponto de desempenhar alguma tarefa que necessite de dedicação, como escrever, ler ou estudar, então pela manhã apenas penso no dia que se estenderá.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Eu costumo escrever melhor depois do almoço, quando de fato organizado as questões na minha mente, deixo todas elas entrarem em profunda organização. Em relação à escrita, exatamente por ser um processo de troca entre o que se pretende escrever e como escrevê-lo, as ideias precisam descansar para depois ascenderem à escrita. Então, o mais importante, para mim, é ter um período de maturação do universo no qual estou inserido para escrever, o universo no qual a história está. Esse processo não se limita apenas ao dia, mas também a um tempo não definido, mas que organicamente sinto que é necessário. Geralmente preciso de alguns dias, depois de um período cansativo ou turbulento de trabalho ou estudo, para entrar nisso que chamei de universo. A escrita é um exercício de maturação, é como colocar a linha no vão da agulha. Precisa preparar antes o campo. Exceto quando a narrativa precisa da agitação, quando ela se embala noutro ritmo que não o citado anteriormente, como às vezes ocorre com alguns contos ou crônicas, que surgem do agitado cotidiano; noutros momentos, pode acontecer também com pequenos trechos de narrativas mais longas, como o romance.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Acredito que a escrita não pressupõe uma obrigação mecânica ou alienada da realidade. Em alguns dias infelizmente não é possível escrever, não há tempo ou muitos outros afazeres. Se a escrita se torna uma obrigação com objetivo fixo, acaba por atrapalhar a fluidez do texto à medida que o obriga a existir de qualquer modo; claro que, sei bem, até as metas estabelecidas têm exceções, mas também, realmente, não gosto de trabalhar com metas. Quando sinto que o escrito está, naquele dia, finalizado em si, a ideia completou-se no que era necessário e não sinto necessário escrever mais, eu paro. Então sinto que o dever está cumprido. Sinto muito prazer escrevendo sempre, quando percebo que estou escrevendo dias seguidos, acabo me sentindo satisfeito, pois além de cumprir uma tarefa que faz parte de mim – sinto que criar narrativas faz parte de quem eu sou – também percebo que fica mais próximo o dia de ter uma criação nova finalizada. Neste caso, estou escrevendo meu novo romance, Igreja da Vila, que sairá este ano ainda com o apoio da Secretaria Municipal de Cultura de São Paulo, e em sua escrita tenho, além de preocupações comuns aos escritores e que também estavam presentes nos outros livros que escrevi, o compromisso do tempo, pois temos de cumprir – eu e os outros escritores contemplados – um prazo que consiste na celebração da parceria com a Prefeitura. Uso este exemplo para mostrar que, neste caso, a necessidade de uma rotina de escrita mostrou-se mais necessária, bem como é uma experiência nova e interessante escrever dentro de um prazo estabelecido, embora eu suponha que não terei problemas com o tempo, pois está sendo delicioso escrever e todo o enredo já está decidido.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
Quando a ideia surge, é hora de fazer com que ela crie asas. Geralmente elas criam asas, na minha experiência, mas tem casos que elas exigem o trabalho de muita, muita reflexão e busca pelas pontas soltas. A pesquisa, além de constante a cada capítulo, muitas vezes a cada novo termo, também está sempre confundindo-se com a própria narrativa, em seus temas e preocupações. Então costumo pensar que a pesquisa também é a própria escrita, pois quando finalizada ela é uma pesquisa de uma época, claro: com as variações de autor para autor.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Acho que essas questões estão ligadas totalmente ao clássico conselho: críticas maldosas são descartadas e críticas construtivas são ouvidas, porque nós também fazemos os dois tipos de crítica à nossa própria consciência. Trava é natural, faz parte da natureza antropológica do ser humano, pois criadores, também somos questionadores e, na questão, surge a indecisão, que também pode ser uma trava, bem como a falta de saídas, a falta de criatividade também é uma trava. Aí entra o processo de maturação de ideia, deixar o universo falar além das nossas convicções. Quais são os pontos, temas, questões que se ligam? Essa é uma questão importante. Todo projeto é uma grande lição para o próximo.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Reviso pelo menos duas, três… o quanto o texto precisar. Alguns textos parecem mais competentes que outros na missão de levar ao leitor uma história. Outros não; nesses, a necessidade de trabalho é maior. Isso tudo vai mudar de acordo com, exatamente, aquela maturação, sobre a qual me referi, anterior à escrita, pelo menos no meu caso. Mostrar para outras pessoas é essencial, dali sairá uma opinião externa importante, que não apenas contribui, como pode confirmar ou negar suas suposições sobre seu próprio texto.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Eu amo escrever no computador porque meu fluxo de ideias é muito rápido e, digitando, eu consigo expressá-lo quase no mesmo ritmo. À mão eu escrevo os tópicos do enredo, para sempre ter tudo bem organizado sobre os caminhos que o enredo trilhará.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativo?
As ideias surgem de um lugar que não sei dizer, mas claro, sempre influenciadas por algo, geralmente pelos temas que interessam ao escritor ou escritora. No meu caso, costumam caminhar pelos temas da política. Quando as ideias vêm, eu apenas as analiso – se vale a pena ou não, e logo em seguida penso nos desdobramentos da ideia que se tornará um universo específico. É muito curioso, pois em alguns casos elas surgem com vários elementos já embutidos, em outros casos é necessário insistir na ponta solta para ela se prender.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesmo se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?
Acho que sempre- constantemente – muda a fluidez pessoal para escrever e, certamente, a qualidade, que surge da experiência de trabalhar com as palavras. Gosto muito da palavra ofício, pois no ofício você lida intimamente com a feitura de algo, no caso escrever é uma feitura de costurar palavras. E o quanto mais você exercita, melhor conseguirá costurar palavras para construir narrativas agradáveis à leitura. Se eu pudesse voltar à escrita dos meus primeiros textos, eu diria: seja mais simples e continue praticando, embora eu nunca tenha pensado em parar de escrever.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Tenho muitos projetos de livros que gosto bastante, mas ainda não consegui começar. Acho que o tempo dará um jeito. Este ano, além do Igreja da Vila, quero começar outro romance que me encanta muito a ideia, e escrever um outro livro infantil. Este ano já consegui realizar o sonho de escrever meu primeiro livro infantil. Uma conquista! Fiquei muito satisfeito.