Verginia Grando é escritora, roteirista e diretora de cena.

Como você organiza sua semana de trabalho? Você prefere ter vários projetos acontecendo ao mesmo tempo?
Vamos lá, sou diretora de cena, roteirista e desde 2016 a literatura entrou na minha vida como autora quando escrevi e lancei meu primeiro livro, o romance “Se nada mais der certo eu não tenho plano B”, publicado pela Arte e Letra. Acho interessante dizer que quando estou no processo criativo de direção eu mergulho de cabeça no processo porque geralmente eles possuem prazos que foram estipulados por outros. Fazer direção é um processo intenso emocionalmente, mentalmente e fisicamente. Quando estou escrevendo é diferente. Escrevi muito pouco por encomenda até agora. Tanto os roteiros como os livros são projetos pessoais meus. Os prazos sou eu que estipulo. É um processo emocional longo para mim escrever, por vezes sofrido. Dito isso, quando começo a escrever alguma coisa eu tento liberar três tardes da semana para escrever. Não gosto de ter vários projetos ao mesmo tempo. Para mim é impossível. Gosto de me dedicar à história até terminar. Como vivo muito meus personagens, alguns vivem em mim por anos antes de colocar suas histórias no papel, escrever mais de um projeto ao mesmo tempo seria beirar a loucura. Sou uma escritora de processos lentos.
Ao dar início a um novo projeto, você planeja tudo antes ou apenas deixa fluir? Qual o mais difícil, escrever a primeira ou a última frase?
Eu deixo fluir. Algumas vezes passo semanas sem escrever para depois sentar em uma tarde e escrever uma sequência inteira de roteiro ou seis páginas de um livro. Mas, esse tempo no qual não estou na frente do computador literalmente trabalhando no livro ou roteiro eu geralmente estou trabalhando os personagens e a história dentro de mim. Quando estou em processo de escrita, eu trabalho até dormindo. É como se o universo do livro ou roteiro estivesse sempre em segundo plano durante todo meu dia. Acho mais difícil escrever a primeira frase. Tudo que escrevi até hoje eu comecei pelo fim: sempre foi a primeira coisa que escrevi.
Você segue uma rotina quando está escrevendo um livro? Você precisa de silêncio e um ambiente em particular para escrever?
Sem rotina a não ser tentar criar as tardes livres para escrever na semana que começa. Mas, sim!, preciso de silêncio e de preferência uma casa vazia. No ano passado, com a pandemia, acabei ficando muito tempo sozinha. Curiosamente foi um dos anos nos quais mais escrevi. No primeiro semestre escrevi um longa com um amigo meu americano e no segundo comecei o longa no qual estou trabalhando agora. Preciso de silêncio e vazio para criar.
Você desenvolveu técnicas para lidar com a procrastinação? O que você faz quando se sente travada?
Não tenho técnicas para lidar com a procrastinação. Escrever para mim não é prazeroso. Se eu puder achar qualquer desculpa para fugir da frente da página em branco, eu fujo. Para mim a procrastinação acaba quando os personagens começam a ficar muito à flor da pele e daí é escrever ou ficar louca; ou, ainda, quando o prazo que me coloquei para terminar determinado projeto começa a ficar muito próximo. Isso é importante para mim: sempre coloco uma meta de quando terminar um trabalho. Até hoje sempre terminei antes dos prazos que estipulei. Quando me sinto travada eu vou para rua viver. Em algum momento algo acontece e a história flui novamente. Quando travo na história geralmente é porque está faltando viver alguma coisa. A minha escrita é regida pelo Tao.
Qual dos seus textos deu mais trabalho para ser escrito? E qual você mais se orgulha de ter feito?
Acho o roteiro do longa no qual estou trabalhando o mais desafiador até agora. Tive a primeira ideia para ele em 2010 dirigindo o carro para a universidade onde eu dava aula de cinema na época. Cheguei na sala dos professores e escrevi um texto inteiro que virou a base do início do material e ali a personagem principal nasceu. Anos depois comecei a estruturar a personagem principal em músicas, pequenas cenas e memórias: entendi quem era ela, de onde ela vinha e onde a história dela terminava no roteiro a ser escrito um dia. Em 2015, eu acho, escrevi 52 páginas de desenvolvimento de personagens. Ao longo dos anos fui escrevendo trechos de diálogos dessa história. Somente no ano passado, em setembro, eu comecei a definitivamente escrever o roteiro: sem escaleta, apenas deixando fluir. É um desafio porque estou escrevendo um roteiro movido pela personagem, fugindo da ordem aristotélica onde a ação conduz a trama. Eu tenho orgulho de ter escrito alguns trechos de contos do meu novo livro “Amores Ruins” que deve sair no segundo semestre deste ano pela Arte e Letra. A verdade é que sempre leva um tempo para eu olhar para qualquer obra minha com compaixão. Num primeiro momento, muitas vezes por anos, só vejo os erros. Sou a crítica mais feroz de meu próprio trabalho.
Como você escolhe os temas para seus livros? Você mantém uma leitora ideal em mente enquanto escreve?
Não sei. Meu livros e roteiros simplesmente nascem. Não mantenho nada em mente.
Simplesmente escrevo aquilo que por algum motivo que me escapa começa a fluir em mim. Se eu choro ou dou risada enquanto escrevo sei que tem alguma verdade ali, então, sigo em frente. Não mantenho ninguém em mente, acho que se eu pensar em alguém ou no leitor final eu não escrevo porque seria lembrar o tempo todo daquele desnudamento final que vem quando os olhos de outra pessoa batem na obra.
Em que ponto você se sente à vontade para mostrar seus rascunhos para outras pessoas? Quem são as primeiras pessoas a ler seus manuscritos antes de eles seguirem para publicação?
Tanto os livros quanto os roteiros eu dou umas semanas de espaço para fazer uma primeira grande revisão depois que termino de escrever. Quando essa revisão termina, no caso de livros, eu passo para o Thiago Tizzot, que é meu editor na Arte e Letra; e, no cinema, passo o roteiro para a minha amiga Diana Moro, da Moro Filmes. Tenho alguns amigos próximos que também servem de primeiros leitores.
Você lembra do momento em que decidiu se dedicar à escrita? O que você gostaria de ter ouvido quando começou e ninguém te contou?
Sinceramente, eu não lembro. Roteiro de cinema sempre fez parte da minha vida junto com a direção. Mas, a literatura foi algo inesperado que simplesmente aconteceu. Se alguém me dissesse há dez anos atrás que eu escreveria um livro eu acharia que essa pessoa estava louca. Pensei que “Se nada mais der certo eu não tenho plano B”, meu primeiro romance, fosse um caso isolado. Mas, de repente, me peguei escrevendo “Amore Ruins”, livro de contos inédito a ser lançado esse ano, e “O menino e a louca do bosque”, livro infantil que será lançado mês. A literatura simplesmente aconteceu. Não foi algo que eu busquei. Mas, fico feliz que aconteceu. Muito feliz. Quando comecei na literatura , especificamente, eu gostaria que alguém tivesse me dito da sensação de nudez que dá na gente quando o livro sai. Ou talvez seja só eu. Não me sinto exposta no cinema como me sinto com os livros. Cada ponto, cada vírgula, um pedaço meu exposto na mesa. Enfim, se alguém tivesse me contado isso talvez eu tivesse vestido mais camadas. Ou não.
Que dificuldades você encontrou para desenvolver um estilo próprio? Alguma autora influenciou você mais do que outras?
No cinema sempre fui bem em escrever diálogos. Meus roteiros tem essa característica. Não sei de onde vem isso, essa facilidade, mas ela existe. Na literatura eu simplesmente escrevi como um barco à deriva. Quando escrevi “Se nada mais der certo eu não tenho plano B”, eu estava lendo muito coisa da Virginia Woolf, então consigo identificar no meu texto a influência dela, no pensar da personagem principal e nas repetições. Em “Amores Ruins”, eu lembro de escrever um conto inteiro depois de ler um livro do Sam Shepard: a influência dele foi no estilo do diálogo daquele conto específico. Manoel de Barros sempre me influencia de alguma forma. Acho que as coisas que leio no período no qual estou escrevendo algo sempre aparecem no meu texto de alguma forma mesmo que bem diluída.
Que livro você mais tem recomendado para as outras pessoas?
Stoner, de John Williams, da Rádio Londres.