Verena Kael é graduada em Cinema pela UNESA e Artista Visual pela Escola de Belas Artes da UFRJ.
Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Começo o dia tentando sair da cama. Ao levantar como frutas e depois me preparo para fazer atividade física na academia.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
A melhor hora para mim é depois do almoço, pois foi uma forma que encontrei de fugir do sono depois de almoçar. O ritual é necessário para praticar a escrita. Primeiro, começo com uma meditação. Segundo, acendo com isqueiro o Palo Santo, pedaço de madeira aromática que uso como incenso ou folhas de Sálvia Branca. Deixo o aroma tomar conta do meu quarto. Ajuda a diminuir a ansiedade. Terceiro, ligo o computador. A partir daí o processo da escrita começa.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Tento escrever no mínimo 30 minutos ou mais todos os dias mesmo que não esteja com muita vontade. A prática é fundamental. Quando preciso terminar um texto com prazo fico mais horas por dia. Nessa hora a escrita vira mais obrigação que lazer. Procuro manter o equilíbrio entre as duas coisas, por isso, é importante escrever todos os dias mesmo que seja apenas 1 parágrafo por dia.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
Percebi o que guia minha escrita são os meus sonhos e pesadelos. Possuo ao lado da cama dois caderninhos: um azul e outro vermelho. O Azul para os sonhos e o vermelho para os pesadelos. Assim que eu acordo eu anoto o que sonhei. É uma prática que faço já alguns anos e ajuda muito. O inconsciente sempre sabe mais que o seu consciente. Apreendi a respeitar mais o que o inconsciente fala.
Começar é tranquilo. O difícil é permanecer na escrita, terminar e finalizar. É como se fosse um relacionamento. Conquistar é o mais fácil, mas manter o ritual da escrita sobre o assunto que está abordando é o mais árduo. Manter a chama sobre a escrita é o maior desafio. Terá dias que verá o fogo e outro que só verá as pequenas brasas.
Em relação às notas, eu sempre ando com um pequeno bloco, no qual anoto situações, ações e histórias que me chamam atenção. Não confio na minha memória, pois posso esquecer. Para quem escreve as informações nunca são suficientes, pois sempre sente que falta algo. Essa parte é angustiante e para terminar com a angústia eu já coloco um final no que escrevo. Faço isso antes de chegar ao meio da escrita. Saber o final antes de começar a escrever é o ideal. Os caderninhos dos sonhos, o bloco de bolso e a ansiedade são o tripé para começar a escrever. Quando os três se juntam a escrita está pronta somente na cabeça sendo apenas imagens virtuais. A escrita é a matéria dessas imagens, ou seja, um corpo. Que corpo é esse? Pode ser uma escultura de Praxíteles ou um Frankenstein. O ato de reescrever é que é o mais desafiador, pois é a plástica, a cera, a lixa, o cinzel que finaliza a obra.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Eu não costumo ter travas, pois quando começo a escrever já possuo bastante material. Em relação à procrastinação tento fugir dela escrevendo pelo menos 1 hora por dia, pois essa prática é um antídoto. Mesmo que seja para escrever sobre o nada. O medo e a culpa é criação na nossa sociedade ocidental para controlar os indivíduos. Ninguém nasce com medo. Em culturas indígenas não existe palavra para o medo e nem a culpa. Essas emoções são criações comportamentais da cultura cristã. Então para superar o medo temos que pensar como os índios. Preferiram lutar pela liberdade mesmo indo de encontro com a morte do que serem escravos. E de certa forma é assim até hoje. Na sua língua Tupi-Guarani não havia letras F de fé, L de lei, R de Rei, no qual era um empecilho para a colonização. Os jesuítas tentaram mudar isso incluindo palavras que não faziam parte da comunidade indígena. Os índios não temiam a Deus, ao Rei e nem a Fé. Era necessário incutir o medo e culpa, e assim, o fizeram. Para eliminar o medo diante da escrita procuro pensar que o medo não é meu. Para libertar-se pense como os gladiadores do Coliseu de Roma. Você escolhe morrer na arena ou nos bastidores. Então, decidi morrer na arena. Afinal, todos morrem, não é mesmo? É assim que lido com o medo e o tempo é muito curto para essa emoção. Também penso que esse sentimento não pertence à natureza humana. Considero a ansiedade pior que o medo porque me atrapalha mais. Não entro em um projeto longo sem saber a data de término. Sem data a ansiedade é sempre maior. Lido com ela pensando que o trabalho não é para mim é para o mundo. Quando penso assim tiro o foco sobre mim e a escrita sobressai sem danos. Eu seguro a câmera e comando a cena, pois não posso estar nela. Dessa forma, a ansiedade diminui, pois quem manda é a escrita e ela está sempre no tempo presente. Nossa mente que gosta de ir para o futuro ou passado e só o autoconhecimento ajuda a você permanecer no presente.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Reviso várias vezes e mostro para pessoas próximas para saber opiniões diversas. Depois da última revisão sempre altero alguma coisa. Se deixar não termino nunca, pois sempre terá algo para melhorar. Para acabar com isso criei uma metodologia. Quando termino de revisar fico uns 15 dias sem reler. Se distanciar é bom para o processo da escrita. Depois leio e vejo se tem o mesmo efeito que antes. Se eu sentir que está fraco vou mudando até ficar forte. Nesse momento, é a minha última revisão oficial. O distanciamento da obra depois de ter terminado é importante para verificar se de fato chegou ao ponto certo.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Minha relação com a tecnologia é muito boa. Para mim tecnologia é divina!
Começo escrever por ambas as formas: no lápis e papel, pois certas frases já foram escritas no meu bloco de bolso ou nos cadernos de sonhos; o computador é para apenas organizar as ideias e desenvolver o texto.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativa?
Acredito que tenho criatividade para dar e vender. O meu problema é que até hoje não sei orquestrar minhas ideias e meus pensamentos ao meu favor. O que me ajuda a me manter criativa é a atividade que exerço, a qual me obriga a estar atualizada com os movimentos culturais. Trabalhar com cinema e artes visuais expande muito sua criatividade.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesma se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?
Hoje meu processo de escrita possui menos ansiedade que anos atrás. Pediria para não perder a inocência diante da escrita. Essa pureza é necessária, pois transmite seriedade e honestidade ao texto.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Um livro para que depois vire um seriado de televisão de muito sucesso. Ficaria feliz em poder ler pelo menos um dos livros entre milhares destruídos na Biblioteca de Alexandria.