Vera Karam de Chueiri é Diretora da Faculdade de Direito da Universidade Federal do Paraná.
Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Meu dia começa muito depois que eu acordo. Ou seja, eu acordo, mas o dia só começa quando eu me sinto sem sono. Tenho mais ou menos uma rotina. Se há algum prazo pendente, acordo cedo e vou enfrentá-lo, sem qualquer mediação: sem café, sem pão, sem suco ou iogurte… Se não há prazo algum, acordo, tomo um café muito rápido e acesso minhas mensagens ou em casa ou na Faculdade. Lá procuro ler todas elas e vejo o que mais tenho agendado para o dia.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Trabalho melhor nos extremos: ou bem tarde, depois das 23:00 ou bem cedo, a partir das 7:00. Não consigo mais pensar e escrever fora da tela do computador. A escrita à mão ficou para os cartões de alguma comemoração e, mesmo assim, prefiro digitar no computador. Assim, reúno o material que vou pesquisar, junto tudo à minha volta, sobre a mesa, gasto um tempo procurando algum escrito meu antigo relacionado ao tema atual da pesquisa ou do que quer que eu esteja escrevendo, releio, recobro as ideias antigas, relaciono com as novas e, assim, começo a escrever. Música é quase um pré-requisito para eu começar a escrever e o barulho não me incomoda.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Escrevo em períodos concentrados. O ideal seria escrever um pouco a cada dia. Houve um tempo – o do doutorado – em que tive que fazer isso e funcionou, mas depois voltei a escrever em períodos concentrados e sob alguma pressão. Gosto muito de escrever premida pela demanda, pelo tempo, pela necessidade e outras razões que não exatamente a minha vontade livre.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
A minha escrita parte sempre de outras escritas, tanto as minhas ou das fontes que pesquiso. Gosto de partir de algo já escrito, ainda que ao final, nada da velha escrita esteja presente no que foi escrito de novo. Haverá sempre algo que pesquisei que se tornará meu guia na escrita, na medida em que coincide, na forma e no conteúdo, com as minhas premissas. Aliás, a forma da escrita é, para mim, tão fundamental quanto o conteúdo, de maneira que um excelente conteúdo, escrito de uma maneira que não me atraia, acaba sendo menosprezado por mim. Isso porque a escrita tem que ter, para mim, uma dada sonoridade a qual depende, inclusive, da língua na qual se escreve. Neste sentido, o que há de autoral na escrita é tanto na forma quanto no conteúdo. Acho bacana identificar o autor pela forma da sua escrita. Pois bem, do material de pesquisa colhido inicialmente começo a escrever, sem ter um roteiro determinado. Não funciono bem com sumários antecipados. Na medida em que vou escrevendo surge a vontade e a necessidade de novas pesquisas. Se for só vontade, às vezes acabo reprimindo-a em razão de prazo, etc., mas havendo necessidade (e quase sempre há), volto à pesquisa, mas no embalo do texto que está sendo escrito, ou melhor, apressada ou pautada pelo texto em curso. Ou seja, não paro de escrever para voltar a pesquisar, faço as duas coisas concomitantemente.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Lido com as travas da maneira mais trivial, isto é, sempre acho que a responsabilidade é externa a mim e arrumo alguma justificativa que me deixe menos angustiada. Por outro lado, alguma ou muita pressão me ajudam na escrita, assim, gasto mais ou menos uma hora reclamando, sonhando com o tempo e o espaço ideais para escrever e, de repente, me dou conta que quase não há mais tempo e o espaço é o da hora. Portanto, o melhor é escrever e pronto. Projetos longos de escrita funcionam para mim se exigirem resultados parciais. Trabalhar em parceria ajuda.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Reviso três ou quatro vezes e gosto que outras pessoas leiam, façam considerações críticas e de outra ordem. Acho fundamental que a escrita passe por outros leitores e procuro compartilhá-la com aqueles que estão juntos na pesquisa ou que tem nela interesse.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Como disse anteriormente, sempre no computador. A sensação é que se eu não escrever por meio do computador, as ideias irão escapar.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativa?
As ideias vêm em situações diversas, algumas inusitadas. Muitas vezes elas surgem quando estou andando ou fazendo alguma atividade física. Como diz Leminski, “andar e pensar um pouco, que só sei pensar andando, três passos e minhas pernas já estão pensando”. Quando uma nova ideia surge, a primeira coisa que faço é ver se tem a ver com algo que já escrevi. Em certa medida sempre acho que há, nem que seja somente em relação à forma da escrita. Eu gosto dessa sensação. De toda forma, andando ou parada, escutar música é determinante para o meu processo criativo.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesma se pudesse voltar à escrita de sua tese?
A principal mudança se deu da escrita da dissertação de mestrado para a tese de doutorado. Aprendi com esta que menos é mais, ou como diz Derrida, uma narrativa mais econômica é, muitas vezes, mais poderosa do que o contrário. A escrita em uma linguagem menos rebuscada, mais direta, mais “limpa” se tornou muito mais interessante para mim. Isso, por sua vez, exige mais pesquisa; muito mais pesquisa. Na minha opinião, a escrita prolixa não se trata de mero estilo, mas de falta de pesquisa. Se pudesse voltar à escrever a tese, eu a teria discutido com um número maior de pessoas além dos que, tradicionalmente, a leram (orientador, membros da banca, um ou dois interlocutores). Na estrutura do trabalho, há um capítulo que ficou muito datado e que hoje, certamente, haveria fontes complementares mais interessantes. Esse capítulo mereceria ser reescrito, totalmente, hoje.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Gostaria de acabar de revisar a tradução da minha tese que foi cuidadosamente feita pelo Miguel Godoy, o André Thomazoni e o Andrei Hayashi, já há algum tempo, e escrever dois livros: um curso de teoria da constituição e um livro sobre meu mais recente projeto de pesquisa acerca (do que eu venho chamando) da constituição radical.