Vera Ione Molina é escritora.
Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Tenho uma rotina e gosto disso. Atualmente, tomo remédios de uso contínuo e preciso de uma preparação para isso. Muito prazerosa, diga-se de passagem. Preparo um café, uma torrada de queijo quente, às vezes uma fruta. Depois vou ver as notícias políticas nas redes sociais. Esse hábito foi adotado em 2011. Tenho me dedicado a defender minhas posições políticas e desfazer as mentiras e manipulações contra o modelo de sociedade que estava dando certo e foi subitamente sabotado através de um golpe. Mas não deixo de escrever ou reescrever em função disso. Também dou uma caminhada com meu cachorrinho, pego um pouco de sol e me exercito. Aí se foi a manhã, mas estou sempre observando o que acontece nas ruas e organizando minhas ideias.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Por muitos anos tive o hábito de acordar cedo e começar o dia escrevendo. Quando podia, pois geralmente trabalhava alguns dias de manhã. Me achava mais esperta, mais afiada de manhã. Escrevia obstinadamente em todas as minhas horas vagas, feriados, férias. Principalmente no verão. Depois me aposentei prematuramente, aos quarenta e poucos anos. Sem ter obrigação de cumprir horários, observei que estamos sempre escrevendo. Até quando parece que esquecemos que somos escritores, há uma história que num determinado momento será transcrita e organizada. Escrevo a qualquer hora. E reescrevo muito. Passei anos morando sozinha em uma praia e escrevia muito. Paralelamente às coisas novas, tenho concluído livros que estava organizando nesse período de solidão.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Escrevo todos os dias. Por necessidade de intervir na realidade, para comentar minhas observações e poemas. Já escrevi muitos poemas, mas não me considero poeta. Faço muito esforço para escrever poesia porque acho que esse exercício me ajuda a ter uma prosa melhor. Esses exercícios e o fato de ter trabalhado num jornal quando morava no interior, me deram muita intimidade, antes com o papel, agora com o teclado do computador. É como se estivesse sempre me exercitando e quando me proponho a escrever as ideias fluem.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
Quando os projetos são mais longos, novela, romance, livro de literatura infantil, tenho um horário flexível, mas procuro sentar para escrever no mínimo por três horas. A pesquisa – vou fazendo conforme se desenvolve o trabalho. Sou revisora de profissão e levo para o meu trabalho o costume de verificar tudo: datas, locais, nomes de personagens e tudo que possa prejudicar a compreensão da história ou histórias que estão sendo contadas. Sou muito rígida comigo mesma e isso levo para meu trabalho e vice-versa.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Reviso meus textos várias vezes e nunca fico satisfeita.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Não tenho quem leia meus trabalhos. Como faço isso profissionalmente, tenho dificuldade em dar para outra pessoa fazê-lo. Certa vez, numa coletânea, fiquei muito frustrada com as mudanças que foram feitas em um conto meu. A forma que eu tinha usado me parecia bem melhor. Mas gostaria de ter uma pessoa que me questionasse, que criticasse ou mostrasse que alguma coisa poderia ser melhorada.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Minha relação com a tecnologia iniciou tarde, em 2003. Às vezes estou viajando e faço anotações. Depois tenho que digitar e acho uma perda de tempo. Não posso viver sem a tecnologia.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativa?
Minhas ideias vêm da observação, do estar no mundo em relação a outras pessoas. Assisto cenas e vou para casa. Quando eu menos espero vem uma narrativa. Se valer a pena, continuo desenvolvendo, senão faço uma pequena crônica onde dou voz àquelas pessoas que nunca saberão que estão em um livro.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesma se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?
Não escrevi tese. Fiz todos os créditos de um mestrado em Teoria da Literatura e não escrevi a dissertação. Fiquei com título de especialista.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Pretendo terminar uma nova história de literatura infantil, revisar e ampliar um romance que ficou secreto, pois fez parte de um projeto que imprimiu 100 livros de cada autor, distribuídos em uma Feira do Livro de Porto Alegre. Saiu cheio de erros e era um texto muito bom. Com muito potencial, tirando os experimentalismos da ex-oficinanda e ministrante de oficina de Criação Literária por longos anos. Quero retirar essas firulas e dar mais consistência à história.