Vasco Cavalcante é poeta, design gráfico e produtor cultural, autor de “Sob Silêncio” (2015) e “Reverso dos dias” (2017).
Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Não tenho uma rotina. Eu durmo muito pouco diariamente, por conta disso, de madrugada ainda, eu leio, escrevo, faço alguns rabiscos, analiso e fecho projetos. O resto do dia, quanto à escrita, não é planejado, ele vem ao acaso.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Eu escrevo sem horário programado, vai muito de um estado de espírito, de uma necessidade para a escrita sendo movido por uma inspiração ou por uma vontade de escrever ou de trabalhar um texto, um poema anteriormente escrito ou de algo novo que surge. Mas, pensando bem, talvez a madrugada seja uma referência maior de carga de trabalho e produção, quanto a minha escrita.
Não tenho um ritual, minha escrita se processa naturalmente ao estar defronte de uma folha de papel com uma caneta ou diante de um teclado.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Não escrevo todos os dias e penso que tudo começa antes do papel ou da tela do computador, o texto vem como forma de transcrição de um devaneio, ou surge mediante uma reflexão sobre algo que chegou por intermédio de um outro texto lido ou pensado, de uma visão casual, ou ruído, de um movimento, uma imagem, um sentir, uma fala, uma palavra… o que me leva a um pensar que vai se transformando em texto gradativamente. E também vem sem uma meta específica, inicialmente.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
Bem, quanto a isso, como muitas vezes sou levado à escrita por um devir, eu tenho normalmente muitos rabiscos, versos soltos, poemas inacabados, ou projeto de poemas que naturalmente eu os vou lapidando lendo, relendo e reescrevendo. Alguns textos encolhem, outros expandem, e o poema aos poucos vai se modelando, tomando forma até um não fim. Ou seja, eu raramente acabo um poema. Só o considero terminado quando o levo para a publicação em um livro, como assim também dizia o poeta Max Martins. Antes disso, muitos poemas passam o tempo todo se transformando, se modificando. Eu adoro esses momentos, esse processo.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
As travas são normais e chegam também sem hora marcada. Elas servem para que eu me abstenha de mim mesmo e me volte para o mundo ao redor, ou seja, me jogue na leitura poética e na absorção de outro contexto não apenas literário. E muitas vezes essa fase acaba por conta de um detalhe, uma centelha. Já tive travas longas, mas sempre são temporárias e acho que são até necessárias para que a escrita poética naturalmente amadureça e se transforme. Não escrevo para ninguém, escrevo porque preciso e para poder me expressar melhor. É a forma que tenho para poder explicar tudo o que sinto e penso sobre a vida. A poesia me descobre, aprendi e descobri demais de mim mesmo escrevendo.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Releio muitas vezes, não tenho nem conta disso. Tenho poemas que se remodelaram dezenas de vezes, algumas vezes uma palavra apenas é alterada, extinta ou inclusa, outras, quase o poema inteiro sofre modificações.
Não costumo mostrar meus livros antes de publicá-los, mas isso não é regra. Seguramente ele passa por um revisor ortográfico e pelo prefaciador quando ele já está fechado para a publicação.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Meus rascunhos são escritos de forma variada. A tecnologia é demais importante para a pesquisa, averiguação de sonoridades em algumas palavras para compor a escrita harmoniosa, dentro do que pretendo com ela. Ando também com um bloquinho de papel no bolso e uma caneta, para não perder uma ideia, um rastro, uma luz que pode brotar a qualquer momento. Os dois modos vêm a mim, mas em geral fecho um poema no computador.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativo?
Absorção permanente de arte em geral, de todos os segmentos, e muita leitura, tanto poética quanto conceitual e filosófica para descobertas de novos parâmetros de pensamento, o que irá acrescentar para que eu tenha uma melhor percepção do mundo e em consequência contribuir para a minha escrita poética.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesmo se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?
Mudou em conceito e parâmetros de escrita naturalmente porque, como seres humanos, mudamos todos os dias durante toda a nossa existência. É natural que a escrita, assim como a fala ou qualquer outro meio de expressão se modifique. Acho que o que escrevi nos meus primeiros textos poéticos, era a minha expressão na época. Claro que se esses poemas não tivessem sido publicados em livros ainda, eu mexeria em muitos deles, mas isso poderia ocorrer até com relação a poemas de um último livro publicado.
Eu não saberia o que dizer a mim mesmo, caso eu voltasse à escrita de meus primeiros poemas, mesmo porque não seria justo com a minha pessoa na época em que os poemas foram concebidos, aprovados e publicados. Talvez dissesse o mesmo que diria a mim mesmo hoje: Pense, analise, trabalhe e seja fiel aos seus conceitos, suas ideias e referências de mundo. Escreva para si e não para satisfazer ou agradar pessoas, isso poderá vir a ser uma consequência e não um objetivo.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
O projeto de um novo livro sempre é um grande anseio e um desafio. Mas não fico planejando, a minha escrita vai determinando gradativamente esse processo. Quando publico um livro, fico um bom tempo envolvido com ele, curtindo o filho novo, mas a criação de novos poemas vem vindo lentamente com o passar dos dias. Quanto aos livros que eu gostaria de ler e ainda não existem, seriam no caso os escritos por todos os poetas e pensadores com os quais me identifico e por isso mesmo anseio por seus livros.