Vanice Regina Lírio do Valle é professora do Programa de Pós-Graduação em Direito da Universidade Estácio de Sá – UNESA/RJ e Visiting Fellow no Human Rights Program da Harvard Law School.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Os dias da semana têm rotinas próprias – depende do calendário de aulas e outras coisas. Meu horário melhor de produção é à noite – mas nem sempre podemos nos dar ao luxo de reservar a noite para a escrita. Já ritual, não os tenho. É sentar, ligar o computador e pôr mãos à obra.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Todos os dias eu escrevo – seja redação de texto científico, seja outras produções. Não tenho uma meta diária; depende do meu entusiasmo com o tema e com o resultado da produção.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
Fundamental para começar é saber onde quero chegar. Assim, os velhos elementos de metodologia são indispensáveis: objeto e objetivo, pelo menos. Sem isso, a escrita fica errática, sem direção. Nem sempre a escrita é precedida de notas – mas sempre é precedida dessa reflexão sobre onde quero chegar.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Medo de não corresponder às expectativas é algo que não me assombra. Penso que todo esforço consistente de escrita contribui – e com isso, corresponde às (minhas) expectativas. O pior é a inércia, a ideia presa na cabeça, que você não liberta por medo dos outros. Lemos tanta coisa “transversa” ou “diferente” por aí… Porque não podemos nos permitir um pouco de arrojo? Não tenho a ingenuidade de achar que vou revolucionar as ideias a cada texto; a produção intelectual é um conjunto. Isso é libertador, porque não me sinto convocada a escrever sempre o melhor texto da minha vida. As travas da escrita, supero me permitindo um primeiro momento de escrita absolutamente livre – das ideias que estão na cabeça, sem maior estruturação ou cuidado com ABNT e outros elementos. Isso tende a “liberar” as ideias, e aí podemos passar para um esforço mais direcionado.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Reviso todo texto meu pelo menos duas vezes, tentando ainda colocar umas noites no meio, para que a segunda revisão se beneficie de um certo distanciamento de tempo. E sempre submeto o texto à leitura do marido, que funciona como meu revisor primeiro.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Escrevo no computador – a facilidade de localizar, deslocar textos e tudo o mais que se tem no computador é insuperável. Já a revisão do texto, essa só consigo fazer num texto impresso. Não há qualquer justificativa racional para isso, mas é verdade comigo.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativa?
Leitura é fundamental – não há como desenvolver uma ideia original sem leituras que te sugiram alguma coisa, ou gerem algum estranhamento. Os problemas do dia-a-dia na Advocacia de Estado também são sugestivos em relação aos temas a se desenvolver. Outro elemento, a meu sentir, importantíssimo, é abertura para informações de outras áreas do conhecimento. O que dizem os economistas sobre um determinado tema? Ou os sociólogos? O enclausuramento cognitivo é um inibidor da criatividade.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesma se pudesse voltar à escrita de sua tese?
Penso que com o tempo, e muito à conta das novas exigências para publicação, minha escrita está mais concisa. Também tenho obsessão por uma redação clara, sem exageros ou firulas. O reconhecimento da sua erudição vem do conteúdo – e não de uma linguagem excessivamente rebuscada. Se eu pudesse voltar à tese, diria para ter cuidado com a inversão das frases – vício meu de redação que luto todos os dias para superar. E repetiria o mantra que digo aos meus alunos, de que tudo vai dar certo no final…
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Tenho muitos projetos no campo da pesquisa empírica que eu gostaria de fazer, já os tenho desenhados na cabeça, mas ainda não tive oportunidade de iniciar por falta de mão-de-obra familiarizada com esse tipo de pesquisa e, portanto, com baixa capacidade de observação. Já o livro que eu gostaria de ler e que ainda não existe é o que ensina o milagre da multiplicação do tempo… Se você souber de um, por favor, não deixe de me indicar.