Vânia Osório é escritora.
Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Acordo relativamente cedo, por volta das sete e corro, caminho ou ando de bike. Depois corro (ou tento, agora de carro, no trânsito surreal da cidade) para o trabalho, que, diga-se de passagem, nada tem a ver com literatura. Trabalho com números, com gente, com negociações. Tem ou não tem relação com escrever? Acho que, para quem escreve, tudo cabe no pedacinho de vida que vai para o papel.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Por conta das atividades não literárias só consigo tempo a noite, ou nos fins de semana. Quando estou querendo me forçar a escrever, invento rituais: arrumo a mesa, rabisco em folhas de papel sem pauta, encaro o notebook, tateio aqui e ali….leio algo de que gosto, volto a um texto inacabado. Muitas vezes me frustro, desisto, vou fazer outra coisa. Só sei que algo realmente está se produzindo quando, sem notar, passaram-se horas e eu segui escrevendo, alheia ao que se passa fora do mundo que vai se descortinando.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Escrevo aos trancos, em geral nos barrancos. Embora escreva contos e crônicas eventualmente, o que me tem e domina é a poesia. E para poemas não há hora nem motivo, embora tenha que reconhecer que escrevo mais quando estou triste, ou aturdida, perdida, confusa. Escrever como álibi, como fuga, esconderijo. Escrever para escavar, para ter coragem de entrar num túnel escuro, eventualmente para encontrar o fim do túnel. Escrever por conta de algo que vi e não consegui esquecer. Escrever para digerir uma situação, para dar vazão a um sentimento de perplexidade difícil de administrar. Já me impus meta diária, funcionou por pouco tempo.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar?
Como você se move da pesquisa para a escrita? Os poemas se escrevem em desalinho. Abro agendas antigas, pequenos cadernos, folhas soltas e lá estão eles. Alguns nem eu mesma sei como se fizeram, mas estão lá. Sinto sempre um certo desconcerto quando me defronto com tais escritos. Há uma estranheza intrínseca, como se eles se fizessem fora de mim, ou tão dentro que vem à tona por si sós, independente da minha razão ou desejo. Alguns nascem quase prontos, é só digitar. Outros são como enxurrada e é preciso enxugar aqui e ali. Alguns são tão prolixos ou tolos que vão direto para o lixo.
Quando escrevo contos o processo pode ser bem diferente. Às vezes é preciso usar de conhecimentos que não tenho, então pesquiso, observo, passo dias visitando e revisitando possíveis desdobramentos, tentando vivenciar o personagem. E reúno o máximo que consigo e volto a produzir o texto, dando materialidade aos personagens e situações. Alguns personagens se tornam tão presentes que chego a viver na pele deles, ou eles na minha.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Escrever não é fácil, acho engraçado ver tanta gente sonhando ser escritor, achando isso um charme. Escrever para mim é uma sina. Não escrevo porque gosto, mas porque é minha forma de tentar lidar com o mundo. É também uma espécie de salvação, me salva do dia a dia, é uma ferramenta para lidar com o absurdo que é viver. Acho que nunca me dispus a me entregar a um projeto longo, talvez por medo, por me faltar fôlego. Mostrar meu trabalho é sempre um incômodo, por medo da crítica, mas também por me desnudar.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Alguns textos nascem prontos, necessitando apenas de mínimas correções, outros nascem tão desengonçados que só os levo a frente se algo neles me parece realmente muito instigante. Nestes casos me debruço sobre eles, os abandono por um tempo, volto, tento novo mergulho. Gosto de mostrar tudo que escrevo antes de publicar. Tenho algumas pessoas que considero muito e quero sempre saber o que pensam. Gosto de ouvir opinião dos que conhecem literatura e gostam muito de ler e também daqueles que lêem pouco. É curioso perceber que o que você escreve nem sempre é o que você acha que escreveu.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Anotar ideias e poemas em papel é um hábito e me dá prazer. Mas para escrever mais longamente vou direto para o computador. Deixei de lado o lápis e a borracha. Estamos viciados nos resultados rápidos, nas taxas de urgência, na praticidade do cole e copie. É claro que isso tem um preço. No final do dia, quem sabe, buscamos álcool ou outro anestésico para tentar manter a ansiedade a uma distância suportável. E agora ainda tem o mundo virtual cobrando postagens, curtidas, fotos, precisamos estar o tempo todo sorridentes, prontos para um self a qualquer momento. Há hoje uma quase obrigatoriedade do autor se mostrar, se fazer presente nas redes, nos eventos. Isso pode ser fácil e até agradável para os extrovertidos, mas pode ser um esforço para outros.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativa?
As ideias surgem sem aviso, me assaltam abruptamente e muitas vezes partem da mesma forma. Dirigindo para o trabalho, num trânsito muitas vezes infernal, posso ter ideias tão geniais que nem acredito. E é bom não acreditar mesmo, pois horas depois já viraram fumaça. Algumas até anoto e ao reler em geral percebo que não dizem nada. Ser criativo, acho, é um pouco isso, uma produção febril de “imaginâncias”, e dentre elas uma ou outra realmente chega a algum lugar. Para mim, manter a criatividade é estar sempre em contato com o novo, com o diverso, com as diferentes formas de expressão da arte e das pessoas em geral. A mesmice, o previsível, o sempre igual não provocam e não trazem nada de novo.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesma se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?
O tempo faz mudar tudo, a maneira de ver e estar no mundo vai adquirindo novos vieses e isto transparece na escrita. Com mais bagagem de leitura, viagens e experiências, o ato de escrever toma outra consistência; se ganha em concisão e coerência pode perder um pouco da força que advém das coisas em estado bruto. Se pudesse voltar aos primeiros textos, faria pequenas alterações nos que ainda considero bons, apenas para apurar o que já está neles, outros eu simplesmente descartaria como faço com muitas fotos e desenhos que, ao rever, não me dizem nada.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Quero escrever um romance, até hoje só tenho poemas, crônicas e contos. O romance me parece um oceano, tenho medo e desejo de nadar em alto mar. Gostaria de ler algo pelo que me apaixonasse profundamente, me deixasse um tempo possuída, tomada por completo. Talvez ele exista, talvez até mais de um, por isso leio muito, sempre a procura desse livro espetacular.