Valeska Zanello é professora do Departamento de Psicologia Clínica da Universidade de Brasília.
Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Não tenho rotina matinal. Só acordo depois de um bom copo de café, geralmente tomado olhando pela janela e fazendo cafuné em algum dos bichinhos que moram comigo.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
A partir do fim da tarde e, principalmente, de madrugada. Não tenho ritual. O que faço é me nutrir de leituras e deixar que elas pensem em mim.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Depende. Há livros ou artigos mais técnicos, nos quais se pode trabalhar de forma mais sistemática, mesclando leituras e escrita, tendo um cronograma. Outros dependem de um longo período de estudos e, depois, uma espera para que floresçam e frutifiquem ideias.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
Adoro escrever. Geralmente quando estou escrevendo um livro ou artigo, o tema passa a ser meu foco e tudo o que vejo, escuto, leio ou assisto acabo por fazer inter-relações e ter insights que nunca esperei ter. Quando uma ideia vem, gravo no celular, anoto em um papel ou faço qualquer registro para não perdê-la, apesar de, pela experiência, ter aprendido que ideias boas persistem, insistem, sempre voltam. No caso de haver pesquisa empírica (estudos de caso, entrevistas, etnografia), leio os dados várias vezes e deixo eles “sonharem” em mim. Procuro manter sempre o “pathos” do espanto.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Com foco e disciplina. Se a tarefa é longa, como um livro teórico, programo meu tempo e estabeleço tarefas diárias de leitura e estudo, mesclados com momento de escrita. Esta última ora é mais sistemática, ora é mais fluida e criativa. Os períodos mais férteis não são, no meu caso, programados: eles simplesmente acontecem e eu procuro sempre estar aberta e preparada para acatá-los.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Reviso váriaaaasss vezes, até sentir que estão prontos. Nesse sentido, sou detalhista. Geralmente passo para outras pessoas lerem e opinarem sobre a clareza, a estrutura, as ideias…
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Sempre no computador. Mas ideias soltas e insights escrevo em qualquer lugar, até em guardanapo de papel.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativa?
Meu lema de vida (e motor para a minha prática de pesquisa): “Só encontra o inesperado quem espera” (Heráclito). Procuro sempre me espantar com aquilo que para as pessoas parece óbvio.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesma se pudesse voltar à escrita de sua tese?
Penso que adquiri mais fluidez, a qual veio com a maturidade e com o percurso que fiz. O que diria? “Vai firme que seu trabalho renderá bons frutos!”
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
O livro que gostaria de ler eu acabei de escrever agora, no meu pós-doutorado. Ele será lançado de março de 2018 e se intitula “Saúde mental e gênero: cultura e processos de subjetivação”. Foram nove meses de dedicação exaustiva, com uma média de quinze horas de trabalho diário. Foi o resultado de treze anos de pesquisa na área de saúde mental e gênero, e de vinte na prática clínica. Como ainda estou na exaustão do término desse projeto, ainda não consigo pensar em novos voos. Mas com certeza eles ocorrerão… Pesquisar para mim é estar sempre em contato com o novo e se admirando com o que parece óbvio.