Valeska Torres é poeta e estudante de biblioteconomia, autora de “O coice da égua” (no prelo, 7 letras).
Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Minha rotina depende de qual momento minha vida se encontra. Principalmente, quando se trata da casa que estou morando, levando em consideração que faz 3 meses que me mudei para o 10° endereço desde que nasci. Por outro lado, é preciso considerar também que já fui funcionária de muitas empresas. Tudo isso influência no horário que acordo e como acordo. Por exemplo, meu penúltimo endereço em que morei 2 anos e 7 meses, eu não tinha um quarto, eu e minha irmã dormíamos na sala. Minha rotina era, geralmente, dormir tarde (por volta de meia noite) porque as pessoas que convivem comigo viam televisão na sala, consequentemente, ficava a mercê do horário que eles iam dormir. Ou porque chegava tarde da faculdade. Tudo isso gerava uma Valeska mau humorada logo de manhã. Além de ter trabalhado em alguns lugares em que precisava acordar cedo, mas o “cedo” era flexível dependendo da localidade da empresa.
Atualmente, depois de 23 anos sem nunca ter tido um quarto só meu, me encontro em uma casa que não preciso dividir o cômodo no qual eu durmo e finalmente, tenho privacidade. Porém, no meu último emprego que pedi demissão faz 1 semana, acordava 6:20h da manhã, para estar numa empresa em que o trajeto casa x trabalho eram próximos, porém eu pegava a avenida Brasil na hora do rush, por conta desse horário, levava cerca de 1h e 30 min em um trajeto que sem trânsito faria em 15 min. Ou seja, meu despertar era dentro de um ônibus a caminho do trabalho. Poderia ser ou não um ônibus lotado, dependia da sorte do dia. Em casa eu era meio zumbi, tentava não pensar em nada antes de sair de casa.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Trabalho melhor quando não existe um calor dos infernos queimando a minha cabeça. Hell de Janeiro, cidade de merda. Ou seja, esse período de novembro até fevereiro não consegui escrever nada na parte da manhã e tarde. Aliás, não escrevi nada em horário nenhum. Fico irritada com o calor. Não tenho ritual de escrita, geralmente, escrevo quando acho que tem algo de relevante na fala de alguém e puxo vocabulários dessa fala para o poema. Muitos poemas eu construí ouvindo a cidade no ônibus, metrô, trem, rua, mercado. Um fulano ali e outra fulana aqui, no final são _s outr_s mais do que eu. Só dou a forma ao poema, as palavras ou frases estão pelo mundo.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Costumo fazer uma lista de palavras e frases. Depois, quando acho que é possível construir algo (nunca tem uma periodicidade), dou forma ao poema. Não tenho meta diária e prefiro assim. É confortável essa liberdade. Ter algo que posso controlar, é isso que sinto quando escrevo.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
Meu processo de escrita é simples. Depois de uma lista com diversas palavras e frases, é preciso ajeitar as idéias. Observo em qual caminho é preciso seguir, dependendo daquilo que me move. Tem dias que sou ódio, outros revolta. Leio algo e aquilo me desperta a reflexão, remôo até visualizar algo que acredito que seja bom. É difícil solucionar um poema quando estou dispersa, com muitos projetos rolando ou ansiosa por algo. É fácil quando estou disposta a solucionar, crio em 5 minutos algo e depois releio durante a semana e faço umas alterações em relação a estrutura, uma limpeza quando o poema se encontra em transbordo, modifico uma palavras. Sinto que desde a infância a escrita é algo muito próximo a mim, porém não praticava com frequência. Não era instigada a escrever, procurei por espontânea vontade ter um caderno de anotações que não durou muito. Depois só me aproximei mais quando participei do projeto Turista Aprendiz, que tinha como objetivo estimular à escrita. Nisso eu já tinha 18 anos.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Faz 4 meses que não escrevo um poema. Tenho me dedicado a projetos acadêmicos e ao livro que devo publicar em abril pela editora 7 letras. Sinto que a não escrita é o meu melhor momento de produção, pois é com frequência que quando escrevo muito tenho a sensação de que não estou produzindo na prática da forma que deveria. Busco movimentar minha vida na escrita quando não tem algo mais forte externamente me movimentando. Nesses períodos que estou ativa na escrita são os períodos que me preocupo mais, sinto ansiedade em querer fazer algo e só sentir o movimento escrevendo. Não sei identificar ainda o motivo desses sentimentos, mas sou feliz quando não escrevo. O que me interessa é o resultado pós-escrita, a criação por vezes é dolorosa.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Reviso sempre que sinto que seja necessário, ou seja, quando publico em uma revista, ou em alguma rede social (raramente). Nesse processo da publicação do meu livro revisei muitas vezes. Costumo mostrar para meu namorado Fernando e meu amigo Gabriel. Quando estou segura do poema, falo em algum sarau ou slam. Antes de ter enviado meus originais para editora pedi ao Rafael Zacca para revisá-lo, mas somente para essa ocasião especifica.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Ótima. É a solução para alguém como eu que gosta de coisas simples, rápidas e práticas. Escrevo as palavras e frases no bloco de notas do meu celular. Crio os poemas, dependendo do dia/noite no computador. Senão, eu escrevo no celular mesmo. Meu único medo é perder os escritos, mas tenho guardado na nuvem o que acho mais importante, tem dado certo. Tenho lido livros e pdfs da faculdade no Lev, leio muitos poemas nas redes sociais, plataformas virtuais e vejo vídeos poemas. Acompanho instagrans poéticos. Acredito que o poema, atualmente, deve como obrigação ser curioso a ponto de abalar com aquilo que é tradicional. Há muito além do só papel. As mídias virtuais são algo que planejo cutucar quando estiver me sentindo mais firme para elaborar algo nesse universo. No momento, só tenho um instagram e página no facebook que vou jogando informações sobre meus corres. Além de alguns vídeos poemas que pretendo lançar no final de março nessas mídias. Nada muito foda, mas o suficiente para sentir que tô muito afim de conhecer esse lance tecnologia versus poesia. Vai dar bom!
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativa?
Vem da rua, principalmente. A cidade me provoca o tempo todo a escrita. Geralmente, por sentimentos de insatisfação, um ódio motor que canalizo no poema. A leitura, a escuta. Observar o sujo, o que me destrói. Sou uma poeta que trabalha com aquilo que é denso, esse é o meu desejo de vingança. A minha realidade é essa, (in)felizmente. Não escrevo sobre coisas que não me competem. Vou me apropriando de vocabulários, traçando linhas imaginárias, mas muito tangíveis, sobrevivendo ao que posso fazer quanto a escrita já que nada mais controlo a não ser (e por enquanto) isso.
Não tenho nenhum conjunto de hábitos que eu possa dizer que faço, sou péssima em manter hábitos. Digo que o problema é o sol, lua, marte em aquário. Reclama com eles!
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesma se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?
Tudo que eu dissesse a mim mesma soaria como um capitulo de um livro de auto ajuda, então me recuso a escrever (risos). Era difícil convencer a minha família que eu poderia realizar viagens, publicar um livro, me apresentar em certos lugares pela cidade. É tudo tão difícil até hoje, especialmente porque para que aconteçam algumas coisas é preciso ter grana, como por exemplo, se deslocar pela cidade, fazer uma oficina, comprar livros de colegas querid_s. Tudo isso requer um mínimo que para alguns é tranquilo, mas pra mim é suado pra caralho. Só escrever não basta, digo para a Valeska de hoje.
Amadureci assim como a escrita amadureceu também. O tempo contribuiu para que eu pudesse prestar atenção em como colocar minha identidade nos meus poemas, em como ser inquieta e procurar sempre conhecer, ouvir mais o que de fato fortalece o meu poema, sua estrutura, a fluidez das palavras. O que eu pego e o que eu preciso jogar fora, ser fria em relação a isso. Detesto a idéia de que me vejam como uma poeta da paz, cirandeira, Woodstock. Quero botar fogo no parquinho, ser aflição dos burgueses … ai ai quem me dera.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Como disse antes, quero explorar as mídias virtuais, mas não tenho nada no papel, somente umas idéias soltas. Penso em elaborar umas performances, mas também nada firme. Vou lançar meu livro, esse vai ser meu impulso para projetos antigos, para que finalmente, se concretizem. Pretendo fazer muitos lançamentos pela cidade, focar na região da zona norte, baixada e zona oeste, porém, não deixando de estar na zona sul e centro. Colocar minha energia para que esse livro se multiplique. Quero levá-lo para a Argentina, procurar formas de traduzi-lo e lançar por alguma editora do país. Meu sonho ser convidada para outros estados e ganhar dinheiro! MEU DEUS GANHAR DINHEIRO! Meta de vida: ser ryca vendendo minha arte.
Tem muito livro pelo mundo e se ele ainda não existe pra mim, é porque eu ainda não cheguei a conhecê-lo, mas ele está por aí. É tipo aquele papo de alma gêmea, sacou?