Valéria Barbosa de Magalhães é docente da EACH/USP e orientadora do Programa de Pós-Graduação em Estudos Culturais EACH/USP.
Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Creio que essa pergunta se refira especificamente à minha rotina de trabalho.
Em geral, minha concentração é melhor nos períodos da tarde da e noite. Reservo as manhãs para atividades burocráticas e reuniões da universidade. As atividades que exigem mais concentração, como leitura e escrita, deixo sempre para o vespertino e noturno.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
À tarde, após o almoço. Em relação à escrita, junto incialmente todos os dados que serão incluídos no texto e tento fazer um roteiro dos argumentos, imaginando onde gostaria de chegar: qual o objetivo do texto, quais os argumentos a serem incluídos e qual será o fechamento da argumentação?
A escrita acadêmica requer sempre preparação porque sua estrutura é bem padronizada, de modo que é preciso que o autor tenha ciência previamente dos argumentos a serem defendidos e das informações que possam reforça-los.
Mas isto também não quer dizer que sempre consigamos fazer dessa forma. Há momentos em que, infelizmente, não há inspiração para essa organização toda, ainda que tenhamos prazos a seguir.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Quando estou escrevendo, tenho uma tendência à dispersão, de modo que tento reservar alguns dias e horários específicos apenas para a escrita. São dias que não coincidem com as aulas ou com outras atividades de trabalho. Faço um cronograma e divido a semana em atividades pré-determinadas. O horário melhor para eu escrever é à tarde.
Escrevo um pouco a cada dia.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
A escrita não é algo que eu domine perfeitamente (espero dominar em futuro próximo) e que tenha feito parte da minha vida, antes do início da carreira de pesquisadora.
Fiz escola pública e não tive uma formação erudita, então minha familiaridade com a leitura e a escrita veio paulatinamente, conforme meu interesse pela própria pesquisa foi crescendo. Não que eu antes não gostasse de ler, sempre gostei, mas a leitura de textos especializados e a formação humanística não faziam parte da minha rotina.
A leitura claramente é um elemento formador da habilidade da escrita e foi ela que fez com que eu melhorasse minha forma de escrever, autores clássicos da literatura são uma ótima escola de leitura e de aprendizado gramatical e de redação.
Críticas também moldaram minha forma de escrever: foram as cobranças de professores, de pareceristas e de orientadores que fizeram com que eu tentasse cobrir dificuldades de redação que precisavam ser dominadas.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Lidar com essas dificuldades é um aprendizado. As inseguranças na carreira acadêmica e as dificuldades pessoais com o conhecimento e a escrita nos acompanham por toda a jornada, mas, com o tempo, a vida nos ensina sobre o que merece ser levado em conta (para melhorarmos nossos talentos) e o que precisa ser relevado.
Eu, pessoalmente, tento encarar os desafios da carreira de forma bem objetiva, como requisitos do meu trabalho que tenho que cumprir. Creio que se as cobranças não fossem encaradas dessa forma, dificilmente eu conseguiria permanecer na área, pois as expectativas são sempre acima do que podemos atingir. E há exigências que fogem ao nosso alcance, então temos que saber o que será possível e o que não será, e precisamos aceitar nossas limitações.
Há sim ansiedade quando preciso terminar um artigo ou relatório de pesquisa, mas sempre penso que aquilo precisará ser feito e ponto. Tento fazer o meu melhor, apenas isso. E, muitas vezes, o meu melhor não condiz com o que é esperado de mim.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Reviso meu texto inúmeras vezes, a revisão nunca acaba se não pusermos um ponto final e uma data limite. Cada vez que leio algo que foi revisado por mim (como agora e mesmo após a publicação), penso que eu poderia ter melhorado algum aspecto ou acabo encontrando algum problema de redação.
Normalmente, não mostro meus textos a ninguém antes da publicação porque eles serão avaliados pelos pareceristas de revistas científicas ou de editoras, que são muito rigorosos.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Até recentemente, eu preferia escrever tudo à mão (e, hoje, acho que preferiria, caso não houvesse toda uma rede de demandas digitais). Entretanto, por falta de tempo e porque preciso ser prática na produção de certos artigos ou relatórios, faço tudo diretamente no computador, inclusive a correção de trabalhos de alunos, o que antes era inviável para mim.
Se prefiro o computador para escrever? Não. Acho que a caneta nos permite um trânsito melhor pelo papel, tendo em vista a possibilidade de riscarmos o que foi escrito e depois reescrevermos, indo e voltando pela folha, o que torna tudo mais criativo e fluido. Por outro lado, escrever no computador tem muitas vantagens, por exemplo, o acesso aos dados e artigos que serão citados. Nele, está tudo facilmente acessível, coisa que em tempos passados era bem mais morosa e complicada.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativa?
Não considero meu trabalho criativo, mas sim objetivo e factual. Isto porque a escrita acadêmica é muito presa a estruturas argumentativas, ela é bem diferente, por exemplo, de um ensaio ou de um texto literário, os quais permitem criação. No texto acadêmico, tudo precisa ser claramente demonstrado e os objetivos da argumentação precisam ser claros e referenciados. Sua lógica interna tem que ser coerente, caso contrário, seremos cobrados ou questionados.
Tendo isso em vista, as ideias para cada texto que escrevo vêm das minhas próprias pesquisas e dos resultados e análises críticas que elas geraram. São essas análises que conduzem o autor ao que será escrito.
Outras vezes, os artigos ou livros são solicitados por editores que querem publicar edições temáticas. Sendo um tema que eu trabalhe, eles enviam um convite. Quando isso acontece, o texto ficará vinculado ao tema, de modo que haverá pouco espaço para criatividade na escolha do assunto, a não ser no estilo da redação, que mesmo assim ficará vinculado à estrutura textual acadêmica.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos?
Acho que aprendi com os erros. Hoje, meus textos são claramente mais bem escritos do que antes, do ponto de vista da redação e da gramatica. É um aprendizado. Muitos escritores adquirem cedo essas habilidades, ou porque fizeram boas escolas, ou porque tiveram uma formação erudita em suas famílias. Claro que o interesse e o talento pessoal para a escrita também contam. Quando esses fatores formadores não estão presentes desde cedo em nossas vidas, precisamos correr atrás de preencher nossos buracos de formação na escrita.
No meu caso, foi o empenho pessoal que levou à melhora na escrita, principalmente ouvindo críticas. Redação requer domínio de técnicas do uso da língua, mas há algo que vai além da própria estrutura gramatical, como o estilo individual, por exemplo. Dependendo do tipo de redação que temos que dominar, teremos mais espaço ou não para a criatividade, e pode ser que seja exigido um maior domínio do português formal.
Considero, todavia, que ainda preciso melhorar muito meu modo de escrever, tanto do ponto de vista da redação, quando do estilo de escrita.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Do ponto de vista pessoal, sou apaixonada por música brasileira regional e violão. Se eu tivesse tempo, estudaria somente isto e leria tudo sobre a toda a história da música brasileira. E também estudaria em um conservatório musical. Muito foi escrito sobre esse tema, mas eu gostaria de saber mais, por exemplo, sobre certos músicos que ainda estão vivos e sobre suas histórias.
Do ponto de vista acadêmico, o que venho produzindo está de bom tamanho e tem tomado muito do meu tempo. Tenho tido bons projetos financiados por agências de fomento reconhecidas, que têm me permitido escrever artigos e livros como decorrência de seus resultados. No campo profissional, eu me contentaria com o que fiz até aqui.
O que você diria a si mesmo se pudesse voltar aos seus primeiros escritos?
Eu diria: “tenha calma, estude para melhorar o que pode ser melhorado, mas ninguém nasce sabendo escrever bem. Aceite o que ainda não ficou bom e saiba que melhorará no futuro”.