Valdomiro Martins é escritor.
Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Boa parte do ano, minha rotina matinal é partir para o trabalho. Sempre contra o relógio. Nesse tempo, apenas consigo ter contato com a escrita durante a noite. Em tempos de férias ou finais de semana é que consigo impor uma rotina mais literária, isto é, pelas manhãs antes que todos comecem a fazer barulho na rua.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Em Bartleby, o escrivão, de Herman Melville, há dois personagens que trabalham para o narrador personagem. Um que produz muito pela manhã e fica furioso à tarde, e o outro que faz o contrário. Identifico-me claramente com o primeiro. Pela manhã, sinto-me disposto à leitura e criação, o que decai consideravelmente pela tarde. À noite, depois das vinte horas, volta a vontade de escrever e por aí vai. Se eu estiver bebendo cerveja, a empolgação aumenta e o romantismo literário também.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Não tenho meta de escrita diária, simplesmente não posso. Se pudesse, o faria. Acredito que o sonho de todo (ou quase todos) escritores brasileiros seria se dedicar à sua escrita, o que é quase impossível em países como o Brasil. Sou parte da sociedade que teve que buscar o sustento o mais cedo possível para depois pensar em se dedicar ao que gosta. Por isso escrevo quando posso. Procuro anotar a ideia que me surge, fazer uma breve sinopse ou escrever o conflito. Assim não esqueço o mote que pode servir para ser desenvolvido. As boas ideias surgem quando menos se espera. Depois de rabiscos no caderno, começo a desenvolver até que a narrativa ganha corpo.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
A parte mais difícil é acertar a personagem, a narrativa depende dela e seu conflito interno e externo. Depois, traço os principais pontos: clímax e final. Com isso, vou lançando, independente da cronologia narrativa, os pontos relevantes num caderno comum, onde rascunho antes de lançá-los no computador.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Tenho problemas de tempo, mas nunca de travas de escritas. Isso pelo simples fato de escrever apenas sobre o tema que me interessa. Como sou escritor independente, escolho a história que acredito valer a pena, que me dá prazer e me instiga ao compromisso de contá-la.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
O número de revisão sempre aumenta com a idade. No início, achava que poucas bastavam, mas com o tempo fiquei mais ranzinza e analiso por mais vezes e corto muito mais que antes. Mostro para quem se sente a vontade em lê-los, mas isso hoje em dia é cada vez mais difícil. Há muitos “escritores”, todos estão escrevendo e correm atrás de seus projetos, marketing, etc. quase ninguém para e ouvi ao que você tem a dizer e lhe dar conselho. Vez e outra consigo alguém de coragem que faz isso gentilmente. A literatura é fôlego, mas também humanidade. Há muita gente boa que tem vontade de escrever, seguir nessa luta e não apenas buscar status social. É importante apoiá-las para que não desistam nessa maratona.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
A primeira coisa que faço e escrever à mão. É mais prático. Posso riscá-lo, substitui-lo, circulá-lo e fazer o que bem entender e onde quiser. Posso levá-lo a uma reunião chata, palestra, fila de banco e por aí vai. É muito mais rápido rascunhar uma ideia e ou diálogo novo no caderno que esperar até ter acesso ao computador. Depois que percebo que o alicerce narrativo está pronto, lanço no computador e passo a tratá-lo como projeto narrativo.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativo?
Minhas ideias vêm de toda parte. Quem se mete a escritor deve observar tudo. Não apenas o cotidiano, mas passado e futuro. Além da leitura, filmes e músicas podem ter boas sacadas. Seleciono as ideias, depois escolho a que tem mais solidez para romance ou conto, a partir daí segue a fase de pesquisa e anotações que formarão a narrativa.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesmo se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?
Mudou muito. Antes era mais emoção acima da razão. Hoje analiso mais, faço ponderações, tento outras possibilidades narrativas e tento sair da banalização de personagens, conflitos e temas. Se pudesse voltar à escrita dos primeiros textos, teria mais cautela, calma e os deixaria com mais tempo de maturação, mas acredito que não os prejudicou a ponto de torná-los ruins. São bons e tenho orgulho deles. Cada um tem sua cara. Um pai que tem mais de um filho sabe que o primogênito foi educado um pouco diferente do caçula, mas afinal o mais importante é que se tem a família, não é verdade?
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Apesar de alguns críticos acharem subliteratura, gostaria de fazer um projeto de contos de terror, fantástico ou sobrenatural. Não há tema ruim e sem mal abordado. Ter todos os ingredientes não é garantia de um prato saboroso. O cozinheiro é essencial. Ficção policiesca e científica me atrai, mas há diferença entre gostar de ler e escrevê-las. O livro que gostaria de ler e ainda não existe é a motivação que tenho em buscá-lo a cada escrita. Há sempre histórias que lemos e nos apaixonam, mas essa lacuna de desejo e imaginário é nossa obrigação em preencher.