Umberto Mignozzetti é PhD Candidate no The Wilf Family Department of Politics da New York University.
Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Geralmente eu acordo, tomo minhas vitaminas mais uma pílula de cafeína (descobri que faz menos mal ao meu estômago que café), levo meu filho à escola e vou para o trabalho. Tento repetir isso o máximo possível de segunda à sábado. O único dia onde não me cobro muito é no domingo.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Quando era jovem costumava trabalhar bem entre meia-noite e seis da manhã. Hoje trabalho melhor bem pela manhã até o final da tarde. Depois do almoço tenho uma queda na produtividade por mais ou menos uma hora e meia, que uso para trabalhos mais mecânicos.
Meu ritual para começar a escrever é sentar e fazer. Durante algum tempo tentei criar alguns motivadores, como café na mesa, to-do lists, e coisas similares. Todas essas tentativas falharam, mas com o tempo entendi que parte de fazer da escrita sua profissão é ser capaz de escrever independente de qualquer motivador. O ritual virou sentar-e-escrever, sem mais delongas.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Tento escrever um pouco todos os dias. As pressões externas fazem com que concentremos a escrita em intervalos curtos, mas tento ao máximo segmentar em mais de um dia de trabalho tudo que tenho de fazer.
Quando estou escrevendo um artigo acadêmico faço uma seção por dia. Nunca mais de uma seção, mas se necessário, passo mais de um dia na mesma seção. Quando é algo não-acadêmico, gosto de escrever tudo no mesmo dia.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
Em geral eu monto um modelo matemático ou formal (não precisa ser matemático, mas tem de ter uma estrutura lógica sólida), e então passo à pesquisa. Quando a revisão de literatura está concluída e eu tenho certeza de que o que eu estou fazendo é original, isso me motiva o suficiente para manter um nível de produtividade alto, seja coletando dados e textos de suporte, seja escrevendo.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Em geral eu acho que se estou checando o jornal mais do que deveria é porque minha pesquisa não é sólida o suficiente. Dessa forma, eu vejo a procrastinação como um sintoma de que eu não acredito no que estou fazendo, e portanto nem deveria estar escrevendo. É melhor seguir a tentação, ler o jornal, twitter, instagram ou qualquer outra coisa que esteja atraindo minha atenção e depois parar e pensar sobre o que eu estou escrevendo. Se não chegar a nada bom, eu paro de escrever e volto a pensar sobre o trabalho em si, ler, etc.
Isso gasta tempo, e parece ser pouco eficiente, mas me força a me convencer que o que eu estou fazendo tem um valor intrínseco. Ainda, se eu preferi escrever o texto ao invés de ler twitter, é porque ele vai ter o mesmo efeito sobre o leitor: ser mais interessante de ler do que passar uma hora no twitter.
O modo que lido com projetos longos é pensando só no final e no passo que estou dando em um determinado momento. No meu mestrado/doutorado, para escrever a dissertação eu mantinha a ideia central do que quero falar na minha cabeça, e trabalhava em cada um dos blocos que estava escrevendo. No final tem o trabalho de juntar tudo e fazer ficar coerente, mas isso me motiva muito. Aprendi a controlar com o tempo a ansiedade de achar que um texto está pronto só porque escrevi do começo ao fim.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Muitas vezes. Muitas vezes mesmo… Eu sempre apresento meus trabalhos por ao menos um a dois anos antes de enviar o texto para publicação. Eu mostro a todos que estejam motivados a olharem e me criticarem. Em geral, coloco em repositórios públicos como a SSRN, ou no meu site.
É complicado saber quando o trabalho já está pronto para publicação. Acho que um indicador bom é quando o custo de seguir uma sugestão de melhoria é maior do que o benefício que aquela melhoria traria. Nesse sentido, o processo de revisão por pares pode ajudar: no momento que você convence um parecerista ou o editor que a correção sugerida faria pouca diferença, esse é provavelmente o sinal que o texto deve ser publicado. Aceitar essa ideia é reconhecer que tudo que fazemos é “melhorável”, e que isso não é um problema.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Eu sempre escrevo no computador. Só quando faço modelos de teoria dos jogos eu escrevo no papel. Ler é outra atividade que só faço em papel.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativo?
Meu segredo para ter ideias é ler tudo que me chama atenção, sem preconceito de método, origem, fonte, escritor, etc. Isso faz eu ter muitas ideias; talvez mais que o que eu precisaria. No geral transformo menos de 10% do que imagino em pesquisa real. Os outros 90% ou não me chamam muita atenção, ou não valem o custo-benefício do investimento em escrever.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesmo se pudesse voltar à escrita de sua tese?
Eu escrevi minha dissertação de mestrado em três meses. Muito rápido, tudo concentrado, mal revisado, e o que fiz foi bom para um mestrado, mas pouco original para meus padrões atuais. O meu doutorado na USP fiz em um ano, mesmo sabendo que poderia ter terminado em três meses também. Ele ficou consideravelmente melhor, mas ainda não tinha muita prática para escrever. Só nos EUA eu aprendi o verdadeiro valor da escrita. Meus orientadores lá me ensinaram que o principal trabalho que fazemos como cientistas é escrever. Comecei então a entender que devia escrever meus trabalhos de modo tão claro quanto um artigo de jornal. Isso é um padrão difícil de seguir na academia por causa dos termos técnicos, mas tento chegar o mais perto disso.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Algo sobre como funciona a política municipal me incomoda. Minha impressão é que o nível explicativo que alcançamos na política nacional não refletem para a política local. Esse é o livro que quero e vou fazer, mas ainda não comecei.
Como cientista político e brasileiro, gostaria de ler um livro que, ao invés de considerar a política brasileira uma extensão do ocidente desenvolvido, ou seja, ao invés de olhar sistemas partidários, sistemas eleitorais, distribuição ideológica, organização legislativa, poderes presidenciais, etc; analisasse o Brasil a partir de uma perspectiva de país em desenvolvimento, estudando clientelismo, patronagem, nepotismo, corrupção, violência política, pobreza, serviços públicos, consolidação democrática, entre outros problemas.