Ulysses Rocha Filho é professor do mestrado em Estudos da Linguagem (UFG).
Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Não tenho uma rotina de trabalho para com o texto. Muitos escritores têm um ritual logo ao escrever. Mesmo que sejam profissionais ou não ou que vivam, exclusivamente, desse ofício. Segundo relatos, depois da higiene pessoal, eles se dirigem a um determinado cômodo da casa (tipo escritório ou biblioteca) ou, extremo dos extremos, a uma residência que não a sua, mobiliada especialmente para esse ato singular da escrita. Não é meu caso. Meus textos acadêmicos ou os literários são produzidos, prioritariamente, no silêncio da madrugada (quando não estou muito cansado de outras atribulações cotidianas). Os textos literários “brotam” nas circunstâncias foi assim com Fios Desencapados (2009), por exemplo. Para isso, porto, sempre, um celular ou um bloquinho de papel para que as ideias não me escapem quando, depois, voltar a elas.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Penso que o momento da escrita, seja ela qual for, é de transpiração, e não de inspiração, somente. Qualquer tema ou assunto deve ser pesquisado ou observado árdua e atentamente. Exige, pois, concentração e necessidade de estar frente a um computador, por exemplo, em um lugar aprazível, com algum silêncio, e sem muita interrupção.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Tenho, há anos, desde o Orkut, a mania de fazer publicação os meus “Poemas de segunda…” Sim, há quase 12 anos e com esta intenção: publicar textos menos elaborados (embora saiba que todo texto é difícil, trabalhoso e deve cumprir seu intento) para amigos de e-mail ou Facebook ou blogs. Dessa forma, tenho meus escritos de gaveta prontos a serem publicados. Fui obrigado (uma rotina agradável, volto a dizer) a cumprir meta semanal. Quanto aos textos acadêmicos (sou professor universitário que deve cumprir números de publicação para currículos de graduação e pós-graduação), faço-os de acordo com as datas de editais e com o intuito de contribuir para as instituições de ensino. Obviamente que, tanto os poemas quanto os artigos podem surgir de anotações esparsas de um bloco de papel quanto da necessidade diária a que se destina o texto a ser produzido. Deixando de lado essa resposta às questões propostas, sem pretensão e com maior tranquilidade e zelo, escrevi (em horas vagas e sem lanças de espadas em meu crânio ou no meu peito) três romances. Um deles, penso, encontra-se incompleto. Virão à público tão logo tenha editora ou dinheiro para publicá-los.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
Quase que repetindo: pesquisa demanda tempo e observação de relações. Empíricas, também. Não se esquece como se “o Espírito Santo baixasse e fluísse” ou “tendo um dom”. Entendo que o processo é garimpado, forjado, lapidado, reescrito tantas vezes quanto for, revisado e, ainda assim, considerado incompleto pois, ao final, depois de tantas etapas desse processo (essa palavra resume tudo: “processo”), seu texto quase que modificou muito da ideia original, de tanto esmero com a imagem, com as palavras e as relações materializadas em algum papel. Tal fato deu-se com meu livro infanto-juvenil Meu pai-avô (2017).
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Travas da escrita somente existem para quem não se digna a praticar. Escrever é ato de praticar sempre, sempre e mais um pouco. E, ainda, não se alcança uma perfeição quimérica. Tudo depende de uma certa disciplina e vontade de fazer o que se propôs a executar. Agora, insegurança, essa sempre vai haver. Um “calafriozinho” de insegurança é sempre bom. Qual a graça em tecer algo supremo ou excelso e, depois, na premiação ou na publicação, sem aquele suor frio não sentir mais nada, pois já sabia que seu texto era O Texto perfeito? Prefiro resguardar certo medo e insegurança até para administrar melhor certos fracassos.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Infelizmente, não dialogo com outras pessoas sobre meus escritos. Gostaria muito de ter amigos para essa função, talvez revisora ou incentivadora. Não é egoísmo de minha parte nem me considerar o melhor escritor, o supra sumo, que está acima de todos e todas: é ausência de amigos para este mister. Simples, assim.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Totalmente tecnológico. Em dias de século XXI, pode até ser charmoso, cult ou diferenciado, quem escreve à mão ou datilografa, seus textos. No meu caso, não! A primeira versão de qualquer texto já é digitada, fotografada, escaneada (ou colocada em PDF) e enviada para outros e-mails meus. Já perdi muitos textos em computadores que “bicharam”, sendo o jargão dos técnicos em eletrônica. Cuido para que não aconteçam mais desaparecimento como o que ocorrera com alguns contos (perdidos para sempre) da coletânea Contos Desbotados (2011).
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativo?
Leio e estudo muito, sem constrangimento. Quanto mais se aprimora (ou se tenta!) melhor teremos uma fala ou escrita fluida. Tudo que entra no HD humano, cedo ou tarde, terá sua serventia. Ideias não nascem; são/foram plantadas. Necessário ler tudo, sem preconceito. Ler e contextualizar. Tudo está inserido em um contexto. Tudo é contexto. Ninguém está inventando a roda hoje… Ela já foi criada há tempos.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesmo se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?
Voltaria a reescrevê-los. Não seria tão pudico e ousaria cada vez mais como são os meus dois ebooks. O manuseio com a palavra e sua respectiva estética são diários. Meu livro Deslindamentos (2013), se fosse reeditado, sairia diferenciado nos dias de hoje, com outro acabamento e final diferenciado.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Criar uma outra versão da Bíblia. Provar que aquilo tudo pode ser fake e instrumento de dominação. Boa ideia para um vespeiro que, ainda, pode não existir publicamente. Projeto? Terminar meus escritos e vê-los publicados. Ser/Ter autor de séries da Netflix ou similar me alimentaria sempre.