Toni Moraes é escritor e pesquisador, editor da Monomito Editorial.

Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Na maioria dos dias acordo já atrasado pra sair de casa. Tomo um banho rápido, o café da manhã que for possível (por vezes isso se resume a um copo d’água) e pego o metrô até a faculdade em que trabalho. No caminho, procuro anotar no celular fragmentos de sonhos, ideias ou devaneios, enfim, qualquer coisa que me vier à mente ainda nublada. Às vezes só percebo que estou acordado de fato quando estou sentado em minha cadeira, lendo o segundo ou terceiro e-mail da caixa de entrada.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Sinto que trabalho melhor na minha escrita nas horas em que há menos possibilidades de ser interrompido, entre 18h e 09h. Como trabalho em horário comercial, por vezes, quando estou muito estimulado, acordo bem cedo e procuro escrever até perder a hora de sair de casa. Procuro manter uma hora do dia após as 18h para escrever alguma coisa, mesmo que use esse horário pra outra coisa, como pesquisa. Aos finais de semana tento escrever antes do almoço, de 10h às 13h. Não faço rituais de preparação pra escrever, normalmente já sento em frente ao computador sabendo mais ou menos por onde devo seguir.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Eu tento me programar pra escrever todos os dias, mas só consigo fazê-lo quando estou em meio à escrita de um projeto longo. Fora isso, até separo horários diários pra escrita, mas acabo preenchendo esses espaços com outras atividades. Produzo contos mensalmente para um clube de escrita do qual faço parte, que apelidamos carinhosamente de Academia Macondense de Letras, geralmente uso os finais de semana para produzir esses textos. Então posso dizer que sigo um programa misto de escrita: todos os dias quando estou envolvido com um projeto longo, em períodos concentrados pra minha produção de contos e outros textos curtos. Não traço metas diárias de escrita, quando me sento pra escrever, deixo que meu corpo e minha mente sejam meu alarme: quando um ou outro cansa, é hora de parar.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
Quando paro em frente ao computador pra escrever uma história é porque ela já martelou minha cabeça por dias, meses ou até mesmo anos. Apesar de tomar notas no celular sobre diversas coisas, demoro bastante pra começar a escrever minhas histórias. É como se elas primeiro precisassem me convencer de que são boas o bastante pra que eu empenhe horas do meu tempo livre em frente ao computador, escrevendo e reescrevendo. Não sou um entusiasta de encarar o papel em branco sem saber exatamente por onde começar, mesmo que esse começo seja algo que depois seja descartado. E, claro, esse processo de maturação das ideias envolve a pesquisa. Talvez a pesquisa seja a parte que eu considere mais prazerosa de todo o processo de escrita. Ela te faz descobrir muita informação valiosa, que por vezes até invalida uma ideia ou pelo menos a faz se transformar até que muito pouco reste do estalo inicial. Quando sinto que já há escopo o suficiente, parto pra escrita e me livro do latejar que é incubar um argumento, um enredo, uma trama. Porém, o processo de pesquisa nunca para, até que o livro esteja publicado. Dependendo do tema, a pesquisa não para nunca.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Eu deixo as travas da escrita terem o seu momento. Não tento lutar contra elas. Vou fazer outras atividades: leio, assisto a filmes e séries, esportes, cozinho algo, vou dar uma volta. Enfim, procuro me distrair e pensar em outras coisas. Às vezes no meio dessas atividades percebo que o ímpeto de escrever veio, então sento-me ao computador e vejo o que acontece. Às vezes fico meses sem escrever. A procrastinação faz parte do processo criativo e acho que ela tem que ser respeitada, porém, é claro, temos que tomar cuidado pra que não nos deixemos enredar por ela a ponto de não conseguirmos sair por conta própria de sua armadilha. Ansiedade é algo que só atrapalha o escritor. Faço o exercício de deixar o texto na gaveta em algumas etapas de seu desenvolvimento, geralmente aos 25%, 50% e 75%. Esse período longe do texto no meio do processo, pra mim, ajuda a cortar a pressa de terminar e tentar entender melhor o que o texto pede. Gostaria de ter descoberto isso desde o começo do meu fazer literário, mas isso foi algo que se mostrou útil com o tempo.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Eu reviso os meus textos pelo menos três vezes. Quando estou no começo da produção, não consigo seguir escrevendo o capítulo dois sem antes revisar o capítulo um, assim sigo até a metade da produção. Depois reviso o que já tiver escrito de acordo com o período de gaveta que deixo o texto, ainda que incompleto. Procuro mandar o meu texto pra leitores beta, gente que lê com frequência, cujas opiniões e comentários eu sei que poderão me ajudar a enxergar o texto por outros ângulos.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Escrevo meus textos, de maneira geral, direto no computador, porém ando sempre com um caderninho. Ainda que eu anote muita coisa no celular, tem ideias que pedem pra ser escritas a mão, e não luto contra elas, atendo seus desejos.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativo?
Minhas ideias vêm dos meus interesses de pesquisa, de modo geral. Procuro assistir a muitos documentários, ler muitos livros e conversar bastante com as pessoas. Adoro estar em grupo, discutindo os mais variados assuntos, observando como as pessoas falam, como se comportam, como defendem suas ideias, seus cacoetes, trejeitos, enfim, gosto de prestar atenção nas pessoas. Muito do que escrevo vem dessa observação. De modo geral minhas ideias são misturas dos meus interesses de pesquisa com essa observação do cotidiano.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesmo se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?
Acho que aquilo que mais mudou no meu processo de escrita foi a tranquilidade. Não tenho mais pressa pra terminar meus textos e sei que terei tempo de revisá-los o quanto for necessário. Além disso, posso dizer que me apropriei de técnicas que servem de base pro que escrevo, ainda que minha intenção seja ir de encontro às práticas que essas técnicas apregoam. É aquela coisa de conhecer as regras pra saber como quebrá-las ou usá-las conforme sua necessidade. Se eu pudesse dar um conselho ao Toni da primeira publicação eu diria: ei, não te afoba, pequeno. Tua ideia é boa, trabalha esse texto com calma. Toma, lê isso aqui, assiste a esse filme, acompanha essa série. Não precisa ter pressa.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Tenho duas novelas e um romance na cabeça em processo de fermentação. O romance eu comecei e parei em 10%, mais ou menos, vai levar um tempo até que o retome. As novelas estão inteiramente na cabeça, mas são histórias mais simples, provavelmente serão escritas primeiro, mas, quem sabe, né? Tem uma hora que o texto começa a transbordar por todos os poros e não tem outra saída a não ser dar vazão a ele. Eu gostaria muito de ler livros de ficção científica escritos por autoras e autores da Amazônia e ambientados na Amazônia. Gostaria que isso se tornasse um movimento forte, com bastante troca entre os estados da região.