Tomás Barbosa de Paula e Silva é biólogo, analista de sistemas, escritor, poeta, compositor, cantor, marido, filho, amigo.

Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Meu dia começa bem cedo, pois trabalho em escritório e o caminho é longo – acordo pouco depois das 5 horas. Quando não estou muito atrasado, gosto de passar os olhos por alguma notícia do dia.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Criar uma rotina com tempo dedicado à escrita é uma das minhas metas para o futuro próximo. Até hoje minha produção tem sido meio esporádica. Geralmente escrevo à mão, em caderno. Mesmo tendo muitos cadernos (vários deles ganhei de minha esposa), minha tendência é usar um de cada vez, mesmo quando tenho vários projetos em curso. Separo trechos do mesmo caderno para diferentes histórias; quando escrevo poesias, geralmente eu as registro na última página em branco disponível.
De vez em quando (às vezes com intervalo de vários meses, outras vezes de poucos dias), pego todo um conjunto de páginas escritas e digito tudo, para então continuar a partir do ponto em que parei. Isso me ajuda a cristalizar melhor as ideias do texto, passando-as a limpo, e a ter uma noção de progresso.
Quanto a rituais, não tenho nada permanente. Na época em que tomava metrô todos os dias, eu gostava de escrever sentado no meio da multidão. Hoje não costumo usar o metrô; escrevo em casa, geralmente no sofá ou em uma poltrona, ou em algum outro ambiente em que calhe ter tempo e ideias. Às vezes até mesmo na cama, antes de dormir.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Estou tentando criar uma rotina em que tenha, todas as semanas, algumas horas para escrever. Não dá para fazer isso todos os dias por causa do restante da vida profissional e doméstica. Presentemente não tenho metas de produção, mas geralmente procuro não largar o caderno em uma sessão de escrita antes de ter enchido ao menos 2 páginas.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
Minhas opções de tema e roteiro, geralmente, não dependem de muita pesquisa específica, porque utilizo principalmente meu leque de conhecimentos existentes. Estes incluem interesse em numerosas áreas das ciências, da tecnologia, da história e da arte. Quase sempre salto diretamente para a história em si: geralmente tenho uma ideia de tema, concebida como um episódio inicial, e vou vendo como a coisa se desenvolve a partir daí; o final da história algumas vezes já está em mente desde o princípio, outras vezes se resolve à medida que desenvolvo o enredo.
Muitas vezes escrevo várias sequências diferentes para a mesma cena, e vou rasurando as que descarto; também acontecem expansões de partes do texto, o que resulta em uma série de notas para navegar entre as páginas. Poucas vezes altero a ordem das cenas, mas isso não é uma decisão prévia e é muito possível que em produções futuras venha a fazê-lo.
Outra forma de responder a essa pergunta é que utilizo minha vida toda como pesquisa, e que o ponto difícil é pensar em um enredo ou tema inicial; uma vez que isso aconteça, escrever em si é um processo relativamente fácil.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Projetos longos não me assustam. O que me preocupa é que o resultado não fique à altura da minha expectativa quanto a mim mesmo, que é admitidamente bem alta. Por outro lado, como minha escrita é muito volitiva, não lido muito com procrastinação: em vez disso, quando tenho uma trava, passo muito tempo em um pânico silencioso de que nunca mais conseguirei escrever… meu livro A Semente de Estrela levou cerca de 15 anos para ser escrito e tive inúmeros episódios como esse. Mas isso não me impediu de escrever várias outras coisas nesse ínterim. Isso também ajuda: trabalhar em vários projetos suaviza as hesitações em cada um deles. Às vezes um projeto acaba inspirando resoluções em outro.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Gosto muito de colher a opinião de pessoas sobre meus textos, mas isso depois de passá-los pelo meu próprio crivo. Tento fazer sempre ao menos três leituras de revisão depois de achar que o texto está pronto, mas até chegar nesse ponto cada trecho já foi lido muitas vezes. Sou bastante crítico nessas leituras. Depois de estar satisfeito, é para mim uma emoção mostrar o trabalho para outras pessoas.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Como já mencionei, meu hábito é escrever à mão. Isso apesar de minha digitação ser muito mais rápida! É uma coisa sensorial. Porém, há ocasiões em que digito diretamente no computador. Não me fixo nesse tipo de aspecto. Houve vários textos (e trechos de textos) que digitei utilizando meu telefone celular, que na época tinha teclado físico. Acho estimulante trocar de mídia, isso permite renovar a relação com o texto em si. Isso também é uma coisa sensorial.
Uma coisa que já tentei algumas vezes, mas até hoje não vingou, é gravar minhas ideias ou narrativas em áudio para depois transcrevê-las. Isso funciona com música, mas com texto o máximo que consegui dessa técnica foram lembretes de temas ou argumentos.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativo?
Sou interessado em muitos assuntos diferentes: biologia, programação, literatura, física, matemática, engenharia, história, psicologia, filosofia, para citar alguns. Fontes de criatividade, por esse lado, não me faltam. Porém minhas ideias geralmente surgem de um estado emocional, que geralmente é ou o medo, ou o maravilhamento, ou o humor.
Procuro ler muito, o que, síndrome da nossa época, se mostra um desafio. Acabo lendo muitos livros simultaneamente. Sempre que possível, leio-os nos seus idiomas originais (para mim isso funciona para português, inglês, francês, italiano e espanhol). Isso me rende grandes fontes de inspiração estilística.
Gosto de conversar com diferentes pessoas sobre diferentes assuntos, inclusive os espinhosos. O mundo está cheio de inspiração; a gente só precisa entrar no estado de espírito adequado. Mesmo o desenvolvimento de software, ao contrário do que muita gente imagina, é uma ocupação extremamente criativa e estimulante.
Tudo isso me mantém afiado. Também gosto de buscar formas novas, desafiadoras, de pensar em qualquer assunto, e de fazer jogos de palavras. Isso também se mostra muito fértil para minha imaginação.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesmo se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?
Mudou muita coisa na minha personalidade literária. Meus textos mais antigos têm um estilo mais sóbrio, factual, até seco. Acho que eu acumulava muita influência da ficção científica americana e inglesa, que tem uma atitude muito fleumática. Depois de enriquecer mais meu repertório literário, acumular mais influências tanto brasileiras como de outras partes do mundo, meu estilo amadureceu imensamente.
Já o meu processo em si, essa escrita meio bagunçada, à mão, cheia de rasuras e anotações, não mudou muito. Acho que ele reflete materialmente aspectos da minha personalidade que continuam os mesmos.
Se pudesse voltar, eu diria a mim mesmo que não há problema em modificar um texto já escrito. Por muitos anos, uma vez que eu concluía qualquer texto, fosse um poema ou um conto, eu o considerava algo meio sagrado; isso me impediu de fazer muitas revisões que gostaria de fazer (algumas das quais estão acontecendo agora ou planejadas para o futuro).
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
O meu caso é o contrário dessa pergunta. Tem muitos projetos que comecei mas não continuei. Eu tenho dezenas de textos que têm uma, duas, até dez páginas, alguns deles de vinte anos atrás ou mais, todos inacabados. Tenho ambições de retomá-los e transformá-los em obras completas. Para mim, o espectro das realizações literárias é ilimitado e pode nos surpreender a qualquer momento. Não tenho um sonho particular quanto a isso; espero surpresas.