Tito Lívio Lisboa é jornalista, autor de “Aurora poética”, “Entre a flor e a raiz” e “Restos de anteontem”.
Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Na verdade, minha rotina matutina é mais voltada para o trabalho de assessoria de imprensa. Acordo muito cedo todos os dias e preciso estar às oito no local de trabalho. Apenas retorno para casa à noite e, finalmente, posso dedicar-me à minha paixão maior, que é a literatura. Mas ao longo do dia, claro, tento encontrar brechas para rabiscar um verso ou outro. O poeta tem que estar sempre atento à inspiração, não aquela inspiração que propugnavam os românticos, mas uma inspiração verdadeira, que é aquele estado febril que se dá quando estamos diante de algo novo e belo.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Sempre à noite. Assim que chego a casa, tenho mania de ler e reler os clássicos, como forma de aprimorar a linguagem. Leio e releio Machado de Assis, quase que obsessivamente, ainda que minhas primeiras publicações sejam todas no âmbito da poesia. Porém, acredito que, para o poeta, é tão importante ler prosa quanto poesia. Em poesia, tento prestar atenção no ritmo dos autores antigos que trabalhavam com metro e rima. Depois de fazer esse exercício de desintoxicação da língua, vou escrever algo, sempre um pouco antes de dormir. É meu calmante, meu sonífero.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Tento escrever ao menos uma página por dia. Uma de poesia e uma de prosa. É um exercício diário mesmo, como a musculação ou qualquer outra atividade física. É claro que a vida da gente é muito corrida, e nem sempre é possível cumprir as metas. E há, também, uma gama infinita de tentações que tentam nos tirar o foco. Mas creio que com o tempo, conseguimos equacionar isso de forma mais tranquila. Quando se é muito jovem, é mais complicado. Eu era muito “fio desencapado” na juventude, um pouco porra-louca. Então era bem difícil manter qualquer hábito e rotina. Hoje já venci alguns demônios internos e consigo me focar mais. Mas a luta é constante.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
Não costumo fazer pesquisas. Faço aquelas leituras clássicas ao longo do dia. Na hora de escrever, deixo que as ideias fluam livremente. No dia seguinte, apenas, vou ler e reler o que escrevi. Daí, percebo os excessos e entro naquela máxima cabralina, de que escrever é cortar palavras. Mas para um poeta que lida com a emoção, essa frugalidade toda é um pouco difícil. Quero que as palavras e pensamentos sejam expressas da forma mais natural possível. Essa é minha meta.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
O medo dos longos projetos é constante. O escritor está sempre adiando sua Ilíada, seu Dom Quixote. Mas não sinto muito essa “trava” a que alguns autores se referem. Justamente por lidar com esse lado mais emotivo na hora da composição. Somos feitos de sentimento, de sangue, suor e lágrimas. E disso não temos como fugir. É isso que tento passar para o papel.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Deixo os textos recônditos por alguns meses. Aliás, essa é uma técnica que aprendemos com o Drummond: trancafiar os poemas numa gaveta e só os retirar de lá após algum tempo. Daí, meses depois quando se vai visitar, percebe-se erros que, no calor da escrita, passaram despercebidos. Mas, pra ser sincero, os bons poemas já nascem prontos. Num efeito catártico, eles vêm à tona. Pelo menos comigo, é assim que acontece: todos- ou quase todos- poemas que publiquei já surgiram em sua versão mais ou menos definitiva.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Sempre à mão. Apesar de ser da geração que assistiu à assunção da internet, confesso que sou um pouco refratário. No computador, apenas os textos profissionais, o trabalho jornalístico e acadêmico mesmo. Poesias, contos, romances…escrevo sempre no bom e velho casamento entre papel e caneta.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativo?
Os clássicos, a onda do mar, aquele olhar que se deixou enlevar num fim de tarde…tudo é fonte de inspiração. Há que se estar atento para os mínimos detalhes do cotidiano. O artista precisa entender que a matéria humana é sua matéria. Logo, ele precisa estar atento a tudo que o rodeia. Acho que poetas e artistas em geral precisamos nos entregar mais à vida; fazer tudo em função da arte. Sublimar a realidade. Ou não merecemos esse nome.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesmo se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?
Gostaria de dizer não ao poeta, mas ao jovem que fui: vai com calma…pisa mais leve. A vida não vai acabar amanhã. Acho que essa sensação de urgência, de querer abraçar o mundo inteiro com as mãos, de certa forma, prejudicou minha vida e, consequentemente, minha própria produção artística. Gostaria de saber as coisas que hoje eu sei para levar a vida com mais galhofa, a sorrir, como diz a música de Cartola. Porém, como um bom “aventureiro” precisei encarar mil mares, conhecer mil portos para depois descobrir que o que eu queria mesmo era queimar meus navios. Precisei conhecer mil mulheres para depois conhecer que uma só me bastava. Faz parte. As quedas são inevitáveis. Mas o amadurecimento também.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Gostaria de escrever um livro mágico, para depois conhecer todos os personagens desse livro. Acho que é o Holden Caufield que fala isso no “Apanhador do campo de centeios”. Tenho dezenas de ideias e pensamentos na cabeça. Mas, pra ser bem sincero, penso que gostaria de escrever um livro que suprisse todo esse vazio de poeta que carrego no peito. Um livro que fosse como “um último suspiro” -, só pra citar Bandeira. Depois eu iria pra praia, surfar, pegar onda, ser feliz. Tem uma frase do Neruda que diz para fecharmos os livros e ir viver. No fundo, somos todos loucos para seguir esse alvitre. O problema é que nunca conseguimos.