Tirzá Gelbcke Gubert é formada em Letras e consultora de Registro e Revisão da Câmara Municipal de São Paulo.
Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Trabalho no período da tarde, então, meu dia não começa tão cedo. Na prática não há uma regra fixa que me imponho para escrever: horários, número de folhas, etc. apesar de ter esse desejo de uma escrita mais organizada. Geralmente minha escrita está sempre vinculada ao meu projeto do momento. Isso significa na prática que posso passar três semanas escrevendo o dia inteiro, começando de manhã, em casa, no meu escritório, e continuando no decorrer do dia, nos intervalos no trabalho. Por outro lado, pode haver momentos em que fico sem escrever uma só palavra, conforme meu estado de espírito em relação ao projeto.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Funciono melhor no período da manhã ou da tarde. À noite minha escrita não rende tanto porque há o cansaço do dia. Meu ritual de preparação está sempre vinculado ao projeto, portanto, ele muda conforme esse projeto. Exemplo, se estou escrevendo um conto, algumas frases ou palavras que ficam na minha cabeça desencadeiam o meu processo, então, faço anotações em um caderninho e no outro dia de manhã pego esse caderninho, releio o que anotei e começo a escrever. O conto exige que cada palavra seja necessária, não há muito espaço para uma escrita, digamos, mais livre, solta, então, essas frases ou palavras que ficam na minha cabeça vão moldando o meu processo.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Gostaria de ter uma meta, mas não tenho. Antigamente sofria mais com isso, hoje já me acostumei a não conseguir manter uma disciplina em relação à escrita. Muitas vezes me questionei se realmente seria uma pessoa que de fato quer escrever, pois há fases em que não escrevo nada. Isso me deixava ansiosa, triste, decepcionada comigo mesma. Mas, depois de muito questionamento, cheguei à conclusão de que na escrita nada pode ser forçado. Acredito que às vezes nos boicotamos como escritores, mas faz parte do jogo da escrita. Que escritor já não passou por isso? O mais importante é saber que nas lacunas há um processo de amadurecimento e quando você volta à ativa, volta a escrever com mais consciência do seu processo.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
Não gosto de fazer pesquisa. O máximo que faço é tirar dúvidas, quando surge algo naturalmente no texto e que eu não tenha certeza. Acho que a pesquisa é valida quando você se propõe a fazer um romance histórico, ou mesmo memorialístico, em alguma medida, a pesquisa é necessária, mas vejo com muita cautela a pesquisa em literatura porque no final das contas corre-se o risco de ter um texto informativo demais.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Lido com isso todos os dias e acho difícil o escritor que não tenha lidado com isso em algum momento. Posso passar um ano sem escrever, mas todos os dias eu penso: “por que não estou escrevendo hoje? Porque estou procrastinando?” Não tenho medo de um projeto longo, tenho mais medo de parar de escrever porque muitas vezes é isso que passa pela cabeça. O maior fantasma, e acho que qualquer escritor contemporâneo tem esse fantasma é saber se o que se escreve hoje ainda tem sentido, já que teoricamente quase tudo já foi dito.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Reviso quantas vezes eu achar necessário. Às vezes obsessivamente. Tento tomar o cuidado de não revisar tanto um texto a ponto de descaracterizá-lo, mas isso pode até acontecer e um texto pode virar outro numa revisão. Sempre mostro para um leitor de confiança, no meu caso, é quase um coautor, ele lê todos os meus textos e também para outros colegas escritores em oficinas de escrita. Não acredito em texto na gaveta. Um texto é um texto apenas depois de ser lido. A não ser que seja um diário.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
À mão só as frases e palavras que ficam num caderninho. Sempre uso computador. Ultimamente tenho feito uma experiência com o voice do WhatsApp, quando minha escrita está travada utilizo esse recurso que pode ajudar bastante, já que na fala temos menos trava. Mas, depois com a revisão vira um novo texto, às vezes completamente diferente do que foi falado. Acho que esse recurso serve para destravar. Sou totalmente a favor de qualquer coisa que ajude o escritor.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativa?
As ideias vêm de tudo, da vida, de um momento, de um filme, de uma frase, de uma palavra. O importante para mim é sempre anotar quando acho que uma ideia é boa e pode render.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesma se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?
Mais pressão, conforme o tempo passa cada vez sinto mais pressão na escrita porque com o tempo nem tudo nos satisfaz e você começa a se repetir. Então, é uma eterna pressão para sair do lugar, para sair do lugar comum, do clichê, nem sempre para o escritor isso fica claro. Se pudesse voltar o tempo teria lido mais, escrito mais e mais.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Não acho que exista um livro que eu gostaria de ler e ainda não foi escrito. Na verdade, sou propensa a pensar que tudo já foi escrito, dito. Acho que o contemporâneo tem que lidar com essa realidade. O que gostaria de ler e que talvez ainda não tenha lido é um autor contemporâneo que tenha a força de um grande escritor como Dostoievsky, por exemplo. Temos excelentes autores atuais, mas por estarmos tão próximo a eles não conseguimos muitas vezes ver o gênio acontecendo. Talvez o autor contemporâneo que tenha me feito sentir o mais próximo disso seja o Foster Wallace, na forma de escrever, na construção do pensamento, na reprodução do pensamento, enfim. Mas literatura será sempre literatura.
Outro dia fui ao lançamento do novo livro do escritor Juan Pablo Vilalobos e respondendo a uma pergunta da plateia sobre a literatura não ter se inovado como as outras artes, as artes visuais, ele disse que nossa inovação está condicionada a algo que não se pode prescindir, que é a sintaxe. Todos os escritores estão presos à sintaxe que tem suas normas e regras. Chomsky já havia na sua gramatica gerativa falado sobre isso. Então, até podemos fazer algo experimental e escrever um texto onde a sintaxe é subvertida, desconstruída, mas será extremamente chato e ninguém vai ler porque será ininteligível. Poucos casos de literatura experimental deram certo, experimental mesmo, quando se cria uma nova língua digamos. Literatura para mim é uma história bem contada que nos tira do nosso conforto e muda nossa visão de mundo. É isso.
Não tenho um livro específico que gostaria de escrever, já me contento em continuar escrevendo. Só isso já dá muito trabalho.