Ticiana Werneck é jornalista e escritora, autora de “Trilhas para andar descalça” (Moinhos) e “Ana não sabe nadar”.
Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Trabalho em casa há doze anos como jornalista freelancer,e tenho dois filhos, portanto, tento impor uma rotina, mas imprevistos a colocam à prova a todo momento. Começo meu dia cedo, com exercícios físicos. Já de volta à casa, mexo em meus arquivos de texto no computador incluindo anotações feitas no dia anterior, em papéis e celular, tentando encontrar algum fio condutor para um novo conto. Então inicio minhas atividades de trabalho jornalístico que tomam a maior parte do dia. No final da tarde, gosto de retomar o que iniciei de manhã. É quando modifico e edito os textos, e começo a dar a cara final, deixando ainda uma seiva correndo para o dia seguinte.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Sinto que o texto flui melhor no final da tarde, quando já consegui me desvencilhar de todas as obrigações do dia e estou mais leve e entregue. Gosto de me fechar no escritório, acompanhada apenas pela minha gata Frida (que sempre se autoconvida e fica deitadinha ao meu lado na bancada) e pelo Spotify. Escolho playlists que tem a ver com meu humor do dia (atualmente não desgrudo do sueco José Gonzales, mas um pouco antes era Bowie, Queens e por aí vai).
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Tento escrever todos os dias, mas sinto que em alguns dias minha cabeça está tumultuada e desconectada. Quando estou assim, prefiro complementar ideias soltas, aparar algumas arestas de textos anteriores do que começar algo novo. Em relação a meta de escrita não tenho, mas quando sinto que toquei em algo relevante, me proponho dedicação até o final do texto, reservando um tempinho além do usual.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
Sempre começo a partir de uma frase ou palavra. Como se essa palavra ou frase puxasse um novelo misterioso ela vai me mostrando o caminho conforme o fio desenrola. Algumas vezes sei onde quero chegar, noutras não. Por isso, as anotações são tão importantes para mim. Ao longo do dia, quando não estou escrevendo, estou atenta à minha volta, captando referências, anotando detalhes, palavras, possíveis inícios de frases, impressões, ideias vagas. Minha cabeça não para. Na verdade, estou sempre escrevendo, seja com palavras na tela branca, seja com ideias suspensas na cabeça. Quando sento, tudo isso vira subsídio que alimenta o que será produzido.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Escrevo o que eu gostaria de ler, essa é uma maneira de resgatar a segurança na escrita. Sofro quando não encontro a palavra que procuro, aquela única palavra que encaixa na cena ou na descrição do personagem, fico tateando, insistindo, procurando novos caminhos até alcançar essa palavra. Quando não consigo, deixo descansar, retomo outro dia.
Nos momentos em que sinto que estou produzindo pouco, seja por falta de tempo ou de entrega, aumento a leitura de escritores que admiro, uma forma de manter o envolvimento com as palavras, e não sofrer tanto.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Depende do texto, mas no geral, no mínimo duas vezes. Gosto de ouvir opiniões sobre meu texto sim, me dão outra temperatura.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Anoto ideias ainda vagas e palavras soltas no bloco de notas do celular ou no que tiver à mão naquele momento, numa tentativa de aprisionar aquela sinapse antes que ela escape. Para dar corpo, é só no computador.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativa?
Procuro me manter atenta ao mundo ao meu redor. As referências são triviais, um diálogo entreouvido na padaria, um mosaico no piso, o ritmo do caminhar de alguém ao meu lado, tudo é subsídio quando estamos atentos. Em relação a criatividade acredito que ela está ligada ao repertório, que tento alargar com os vários tipos de manifestações artísticas, de filmes a séries, livros, pinturas, ilustrações, enfim, tudo que me inunde de questionamentos ou faça fraquejar meus joelhos.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesma se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?
Acredito que consegui alargar o olhar para além do espelho. Antes, estava mais presa aos meus sentimentos, reações e interpretações. Hoje, entendendo que nos reconhecemos nas dores e prazeres do outro, e é justamente essa a magia da arte, criar essa ponte entre o expectador e a obra.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Recentemente finalizei um romance, que foi algo difícil para que mim, acostumada ao mundo dos contos. Era preciso sair da zona de conforto, alargar as fronteiras. Foi uma experiência que me mostrou a vastidão de possibilidades que a literatura proporciona, seja na construção de personagens, cenas e afins, seja na entrega ao frágil e potente exercício da escrita.
Em relação ao livro que ainda não existe, acho que ele deve existir e chegará em minhas mãos em algum momento. Cada livro me arrebata por um motivo diferente. Há tantos livros belos, tantos, tantos que não se esgota.